sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Shopping é de utilização pública e não pode barrar pessoas

A Revolução Francesa deu uma lição ao mundo inteiro. Significou um marco do liberalismo. A liberdade, após séculos de obscurantismo e submissão dos súditos ao absolutismo dos monarcas, era o valor, o bem maior perseguido pelo povo, dando origem ao Estado Liberal. Tal modelo resultou na intervenção mínima do Estado na vida privada, o que lhe rendeu a denominação de Estado Mínimo. Foi a expressão máxima da liberté, que encabeçou a tríade consagrada como “slogan” da revolução (liberté, égalité, fraternité).
Muitos países forjaram suas ordens jurídicas inspirados nos ideais revolucionários, inclusive o Brasil.
Se alguém me dissesse que, após 25 anos de vigência de uma Constituição timbrada como cidadã, pessoas estão sendo impedidas de adentrar os shopping centers do país, eu diria: só pode ser galhofa!
Contudo, é o que vem ocorrendo no atual momento social.
Nada obstante nossa Carta Fundamental ser inaugurada com a proclamação de que a República Federativa do Brasil se trata de um Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput); de dizer que o princípio da dignidade da pessoa humana é um de seus baluartes (art. 1º, II); de afirmar que dentre os objetivos fundamentais da República estão o de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I) e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV); de consagrar que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (art. 5º, caput), não sendo ninguém obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II), sendo livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens (art. 5º, XV), há pessoas sendo impedidas de transitar livremente em espaços públicos, que são os shopping centers.
Ouço por aí absurdos do tipo: “Ah, mas tem que combater a marginalidade mesmo! São desordeiros perturbando a paz de gente de bem. Se reprimir, dá certo, tem que continuar”.
Argumentos como esse soam como aqueles casos em que alguns juízes chegam na comarca e baixam portarias visando impedir menores de circular livremente pelas ruas após determinado horário da noite. Não interessa o fim objetivado; é inconstitucional e ilegal! As pessoas precisam compreender isso!
Vivemos em um Estado Constitucional, cujo conteúdo da Carta Política é o resultado da superação de décadas de severa supressão de direitos fundamentais. Como num passe de mágica, os avós de hoje estão se esquecendo dos tempos que viveram na época da ditadura militar. Muitos lutaram e morreram para garantir que os filhos e netos de hoje não sucumbissem a arbitrariedades como as que ocorriam naquela época, sendo que hoje, exatos 50 anos depois, há até mesmo quem diga sentir saudades dos tempos da ditadura!
Nenhuma afronta ao texto constitucional é admissível, isto é certo. Contudo, o que vem ocorrendo hoje envolvendo a questão do “rolezinho” é inadmissível elevado ao quadrado, ao cubo, à centésima quinta potência… As normas definidoras de direitos fundamentais — e isso é lição elementar já no primeiro semestre do curso de Direito, até mesmo nos de quinta categoria — são de aplicação imediata (art. 5º, § 4º).
Tradicionalmente, os direitos fundamentais prestam-se a limitar o poder do Estado, evitando que os indivíduos sofram abusos por parte do Poder Público. No entanto, há situações em que os particulares também poderão violar direitos fundamentais, especialmente com fundamento no arcaico e leonino absolutismo da autonomia privada. É o que vem ocorrendo no caso do “rolezinho”.
Ocorre que os shopping centers, apesar de ostentarem a condição de propriedades privadas, são de utilização pública. Sendo assim, em consonância com as normas constitucionais definidoras de direitos fundamentais, é inadmissível o barramento de determinadas pessoas, pelo fato de terem origem humilde, pertencerem a algum grupo, ouvir determinado tipo de música etc. Deve o Estado intervir para garantir que esses abusos não ocorram (dirigismo estatal).
Henry Batiffol acentuava que:
“Se o direito é proposto em nome da sociedade e deve por isso de início, servir à vida social, para que a sociedade exista, não se pode negar, que, na concepção mais difundida, a vida social não constitui um fim em si, e que a pessoa é um valor mais elevado – qualquer que seja a explicação que se dê – deve encontrar o seu florescimento na vida em sociedade. O direito deve levar em conta essa finalidade da sociedade. Muito mais do que o bem próprio e intrínseco dessa última. Se a sociedade concede benefícios a um número mais ou menos significativo de cidadãos, mas ao preço da opressão de outros, já não se pode falar de um bem comum, pois a sociedade não é mais de todos” (A filosofia do Direito. São Paulo: Saber Atual, 1968).
Miguel Reale, por sua vez, afirmava que “o homem é o valor fonte de todos os valores”. Quase tudo que se tem produzido em termos jurídicos inspira-se nos diversos documentos definidores de direitos humanos produzidos desde o séc. XVIII.
O segregacionismo de classes foi derrubado pelos revolucionários na França. Luther King morreu combatendo o preconceito racial nos EUA, assim como Malcolm X. Mandela se foi deixando um legado à humanidade acerca do Apartheid. Isso somente pra citar alguns personagens mais célebres. Será que não aprendemos nada?!
Se os jovens que participam do “rolezinho” causam danos a pessoas e coisas, que sejam efetivamente punidos, na forma da lei. O que não se pode admitir são medidas profiláticas inconstitucionais, ilegais, abusivas e definidas por particulares, cujo objetivo é supostamente garantir a segurança, a paz e a tranquilidade de um grupo que se julga socialmente superior, sofisticado e incapaz de conviver com as diferenças.

Vitor Vilela Guglinski é advogado, pós-graduado com especialização em Direito do Consumidor.
Revista Consultor Jurídico, 30 de janeiro de 2014
http://www.conjur.com.br/2014-jan-30/vitor-guglinski-estado-intervir-shoppings-nao-barrem-jovens

É legítimo que shopping proteja seus direitos contra rolezinho

Desde o final de 2013, as redes sociais tem sido utilizadas pelos adolescentes de plantão para promover um “evento” cada vez mais conhecido nos shopping centers pelo país afora, o denominado rolezinho.
Muito distante de tratar-se de um fenômeno de cunho sócio político e que denotaria a retomada da velha luta de classes ou da busca por espaços politizados para o exercício da cidadania e que orgulhosamente poderia ser considerada um efeito da ida da população brasileira às ruas durante o ano que passou, o que se vê quando se questiona qual a verdadeira motivação de nossos adolescentes, conforme veícula a mídia, pasmem, é: ser visto(a), estar bem vestido(a), usar roupas, sapatos e acessórios de marca, paquerar e, principalmente, provocar reações nos frequentadores, ou seja, impor uma nova “cultura” vazia de filosofia, história, conteúdo ou de qualquer objetivo relevante para a nação.
Fácil observar que se tivesse cunho sócio político, o movimento, que mais parece apenas querer chocar, provocar e tumultuar, certamente não ocorreria em shoppings, templos do consumismo e do luxo, mas ocorreria em espaços públicos destinados a fins sociais, os quais podem, simplesmente, ser a rua de uma pequena cidade ou o campinho de futebol de uma das tão numerosas favelas deste Brasil.
Não trata-se e jamais tratou-se de salvaguardar qualquer direito dos menos favorecidos, afinal de contas, a Constituição Federal faculta no inciso XVI o direito à reunião pacífica em locais abertos ao público. Ocorre que não se pode concluir que desta prerrogativa emanem direitos coletivos como cometer ilícitos, perturbar a paz, esbulhar a posse, cometer furtos ou roubos ou desacatar a autoridade, porque esta mesma Carta Magna, no mesmo artigo, ainda prevê que todos são iguais perante a lei, que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a imagem, a honra, a propriedade e porque não dizer a ordem pública que, claramente, delineia as limitações aceitáveis de qualquer manifestação pública.
Na verdade em um ano de eventos internacionais no país e às vésperas de novas eleições o que se vê é que esta massa emburrecida e desprovida de conteúdo, é facilmente manobrada por intenções políticas eleitoreiras e populistas já que, infelizmente, a população é carente de instrução neste país onde o futebol e o funk reinam no imaginário popular.
Se um político como Geraldo Alckmim incute na cabeça da população que entende “tratar-se de um fenômeno cultural” como publicamente declarou, claramente justificada a opção destes jovens em “festejar” e exibir sua nova condição de ascenção social, justamente nas dependências de um shopping center.
Se de um lado fala-se em suposta igualdade social, o que não coaduna com a verdade dos fatos, de outro é legítimo o direito dos shoppings centers, ou de quaisquer outros proprietários, em verem resguardados seus direitos à propriedade, à ordem e ao sossego.
Do outro lado, ouve-se o jurista André Tavares explicando que há medidas legítimas que podem ser tomadas desde que previamente divulgadas e aplicadas à todo cidadão de maneira ampla, sem discriminação ou imposição de determinadas condições.
Enquanto isso, à mercê da ignorância, a palavra final fica com os adolescentes que com muito tempo livre nestas férias escolares, nas palavras do menor Renatinho, definem-se como “nóis não somo bandidos ruins, nem menor infrator, somos apenas a praga que o sistema criou”.
E então, Brasil, é assim que prosseguiremos rumo ao futuro?

Maria Valéria Mielotti Carafizi é advogada sócia fundadora da Mariz de Oliveira & Mielotti Carafizi Sociedade de Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 30 de janeiro de 2014
http://www.conjur.com.br/2014-jan-30/maria-carafizi-legitimo-shopping-proteja-direitos-rolezinho

Dever do matrimônio: Mulher é obrigada a cuidar de marido doente na Itália

A mulher que casa com um homem doente, incapaz de cuidar de si sozinho, tem o dever de tomar conta do marido, decidiu a Corte de Cassação da Itália. O tribunal condenou uma mulher que deixou o companheiro sozinho por semanas por abandono de incapaz, crime punido com pena de até cinco anos de cadeia.

A decisão foi tomada no ano passado, mas só foi publicada agora em janeiro. De acordo com os autos, a mulher sabia que o homem com quem se casaria sofria do chamado Mal de Huntington, doença hereditária e degenerativa que afeta o sistema neurológico. Quem sofre de Huntington tem limitações físicas e distúrbios mentais, que só pioram com o tempo, já que a doença não tem cura.

O casamento aconteceu em 2005, contra a vontade do pai do noivo. Segundo a acusação, um tempo depois, a mulher recebeu a pensão destinada ao companheiro e desapareceu. Foram semanas até que ela voltasse. Durante esse tempo, vizinhos chamaram o pai do doente, que assumiu os cuidados do filho.

Para a Corte de Cassação, não há como não enquadrar a mulher no artigo 591 do Código Penal da Itália, que prevê o crime de abandono de incapaz. De acordo com o dispositivo, comete o crime quem tem o dever de cuidar de uma pessoa menor de 14 anos ou incapaz de cuidar de si sozinha, seja por ser doente ou por ser idosa. Relações de parentesco, como paternidade ou casamento, são consideradas agravantes.

Os juízes lembraram que casamento não é só flores. Quem casa assume a obrigação de cuidar do outro, além do dever de fidelidade. Quando um dos cônjuges é doente, portanto, o casamento significa que automaticamente o outro cônjuge se incumbiu do dever de cuidado com o companheiro incapaz.
(...)
 Leia a íntegra em: http://www.conjur.com.br/2014-jan-30/mulher-obrigada-cuidar-marido-doente-decide-corte-italia

Indignai-vos! E estocai comida! Nada tendes a perder a não ser... (Lenio Luiz Streck)

Cena 1. Leio nos meios de comunicação (ler aqui) que passageiros de um voo da GOL ficaram presos na aeronave por 3h50 sem poder desembarcar no dia 24 de janeiro de 2014. "Todo mundo entende chuva e aeroporto fechado, ninguém entende ficar sem informação e sem perspectiva por horas e horas", desabafou a usuária Maysa Leão. A GOL simplesmente disse que não havia escada e ônibus para transportar os passageiros do avião que teve que pousar no Rio de Janeiro em face de chuvas em São Paulo. Alguns passageiros saíram pela porta de emergência, desesperados por tanta espera sem perspectivas. A GOL deu uma “boa” explicação: os passageiros violaram regras de segurança ao saírem pela janela. Bingo! Viva! Alvíssaras! Solucionado está o problema. “Matem o cantor e chamem o garçom”, parodiando um velho livro do inesquecível Fausto Wolff.

Cenas 2, 3 e 4. Em 21 de dezembro, a TAM atrasa 15 horas em um de seus voos de Brasília e 9 horas em Viracopos. Já no dia 24 de janeiro, mesmo dia em que a GOL manteve os passageiros retidos por mais de 3 horas no Rio, a TAM manteve seus passageiros retidos dentro do avião por nada mais nada menos do que seis horas no interior da aeronave. A manchete da Globo News foi: “Passageiros de um voo para Brasília ficam mais de seis horas presos dentro de avião”. Vejam: “ficam presos”... Ato falho ou podemos interpretar literalmente? Uma mulher diz claramente: disseram para nós que, se saíssemos, lá fora a Polícia Federal nos prenderia. Cárcere privado? Você julga, caro leitor.
De todo modo, o problema não é a GOL ou a TAM. Elas são apenas a ponta do iceberg do “estado de natureza consumerista” que atravessa o País.
(...)
Leia a íntegra em: http://www.conjur.com.br/2014-jan-30/senso-incomum-indignai-vos-estocai-comida-nada-tendes-perder-nao