quinta-feira, 7 de agosto de 2014

O tigre e o menino: responsabilidade do zoológico?

Recentemente, conforme noticiado nos inúmeros veículos de comunicação, em um zoológico da cidade de Cascável, no estado do Paraná, um menino de 11 anos de idade, enquanto passeava com a família num zoológico municipal, foi atacado por um tigre e teve seu braço dilacerado, o que provocou a sua amputação, na altura do ombro.[2]
Segundo as informações dos veículos de comunicação, o menino invadiu uma área proibida e, mesmo alertado pelas demais pessoas que estavam no local, próximas à jaula do tigre, para que saísse daquele espaço, lá permaneceu, inclusive desobedecendo às ordens de seu genitor.[3]
Nesse contexto, seria o zoológico municipal responsável pelo acidente de consumo ou estar-se-ia diante de hipótese de responsabilidade exclusiva da vítima?
Respeitadas opiniões contrárias, sustentar-se-á a responsabilidade exclusiva da vítima pelo evento danoso, a afastar o dever indenizatório do prestador do serviço de lazer.
Para tanto, traçar-se-á um pequeno escorço sobre a responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor para, em seguida, analisar a excludente no caso do zoológico.
Nas lições de Flávio Tartuce: “O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor consagra como regra a responsabilidade objetiva e solidária dos fornecedores de serviços frente aos consumidores”.[4]
Sendo assim, nas relação abrangidas pelo Código de Defesa do Consumidor, para a configuração da responsabilidade do fornecedor do produto ou do serviço, pelo fato ou pelo vício, não se discute o elemento culpa, sendo suficientes a ação ou omissão, o nexo de causalidade e o dano.
No caso debatido, estar-se-á diante de uma responsabilidade pelo fato do serviço, consistente nos danos que provocam os denominados acidentes de consumo, que são atrelados à segurança e ao risco dos serviços disponíveis no mercado de consumo.
Nesse seara, ensina Antonio Herman V. Benjamin que “(...) Quando se fala em segurança no mercado de consumo, o que se tem em mente é a idéia de risco: é da maior ou menor presença deste que decorre aquela. [...] o termo risco é enxergado como a probabilidade de que um atributo de um produto ou serviço venha a causar dano a saúde humana (acidente de consumo)”.[5]
Nesse sentido, João Galvão da Silva entende que “(...) soa como lugar-comum dizer que a vida humana é uma atividade de driblar riscos. De fato, tanto os indivíduos, como a sociedade em geral, assumem riscos e é impossível vivermos do modo que queremos sem assumi-los. Por isso mesmo, não tendo o direito força suficiente para eliminá-los inteiramente, cumpre-lhe o papel igualmente relevante de controlá-los (...)”.[6]
A responsabilidade pelo fato do serviço está prevista no art. 14, do Código de Defesa do Consumidor, ao descrever que: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.[7]
Assim, por disposição legal, o fornecedor de serviços, de forma objetiva, ou seja, independente da existência de culpa, é responsável pela reparação dos danos – acidente de consume -, por defeitos na prestação do serviço.
Entretanto, o § 3º, do art. 14, do Código de Defesa do Consumidor traz hipóteses de exclusive da responsabilidade do fornecedor de serviços, sendo aplicável ao caso o seu inciso II, que diz: “O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: (...) II - II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”.[8]
É o caso.
De acordo com as informações dos meios de comunicação, apesar das inúmeras placas de advertência, noticiando o perigo de se adentrar em área proibida, não obstante os pedidos de pessoas próximas para que o menino saísse daquele espaço, assim como da letargia de seu genitor em exercer seu dever de cuidado, a vítima se colocou em situação de perigo e provocou o acidente de consume, sem qualquer responsabilidade do prestador do serviço, que, segundo consta, cumpria as normas do IBAMA, mantinha seguranças e vigias em todo o recinto e exercicia se dever de vigilância e proteção.
Aplicáveis as lições de Flávio Tartuce ao afirmar que “A culpa exclusiva do próprio consumidor representa a culpa exclusiva da vítima, outro fator obstativo do nexo causal, a excluir a responsabilidade civil, seja ela objetiva ou subjetiva. Tem-se, na espécie, a autoexposição da própria vítima ao risco ou ao dano, por ter ela, por conta própria, assumido as consequências de sua conduta, de forma consciente ou inconsciente”.[9]
Aliás, em caso parelho, assim já o decidiu o C. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
ADMINISTRATIVO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. Ausência DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO.  DECISÃO MONOCRÁTICA DE RELATOR. NULIDADE SUPERADA PELO JULGAMENTO DO AGRAVO INTERNO. INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO NO ACIDENTE.  CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. REVISÃO DESSE ENTENDIMENTO. PRETENSÃO DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONHECIDA. 1. Não cabe falar em ofensa aos arts. 165, 458, incisos II e III, e 535 do Código de Processo Civil quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão colocada nos autos. 2. Fica superada eventual ofensa ao art. 557 do CPC, pelo julgamento colegiado do agravo regimental interposto contra a decisão singular do Relator. 3. O Tribunal de origem, com base na situação fática do caso, afastou a responsabilidade do município no acidente em questão, ao assentar que ocorreu a culpa exclusiva da vítima. 4. Insuscetível de revisão, nesta via recursal, o referido entendimento, por demandar reapreciação de matéria fática. Incidência da Súmula 7 deste Tribunal. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 355.199/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, j. de 20/5/2014, DJe 26/5/2014). (gn)
Igualmente, em caso semelhante, recentemente já o decidiu o E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO:
APELAÇÃO INDENIZATÓRIA EVENTO MORTE AFOGAMENTO REPRESA AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL DEVER DE INDENIZAR NÃO CONFIGURADO IMPROCEDÊNCIA. Apesar da evidencia de fortes chuvas na região, inclusive com alagamento, restou evidenciado que a vítima, não possuindo discernimento suficiente para calcular os riscos da sua conduta, deu causa ao incidente ao brincar sem qualquer vigilância, em local inapropriado. A situação prevista pelo § 6º, do art. 37 da CF, exige a caracterização de nexo de causalidade para viabilizar reparação de dano por ato de omissão do serviço do Poder Público. Sem evidência ou comprovação da relação causal entre a conduta do Ente Público e o dano experimentado pela vítima, decorrente da morte de filho menor de idade por afogamento em lagoa/represa, inexistem os pressupostos que ensejam a responsabilidade civil (ação ou omissão, dano e nexo de causalidade). Decisão mantida. Recurso negado. (Apelação nº 0057746-41.2012.8.26.0053, 1ª Câmara de Direito Público, Des. Rel. DANILO PANIZZA, j. de 22/7/2014). (gn)
Portanto, considerando-se que o risco criado, pelas informações que se colhem dos meios de comunicação, decorreu de comportamento exclusivo da vítima, inexistente dever de indenizar do zoológico, justamente pela aplicação do art. 14, § 3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor.

SALERNO, Rodrigo João Rosolim. O tigre e o menino: responsabilidade do zoológico?. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4053, 6 ago. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/30757>. Acesso em: 7 ago. 2014.