quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A luz "acabou"? Saiba quais são seus direitos!

O blog Defesa do Consumidor compartilha orientações do Coordenador do Procon/MG sobre os principais direitos dos usuários em caso de interrupção do serviço de energia elétrica. Confira. A energia pode faltar, mas o exercício da cidadania nunca!
Importante! O texto foi reproduzido na íntegra. Todavia onde menciona Anatel o correto é Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica)


No verão, interrupções no fornecimento de energia elétrica são mais comuns que em outras épocas do ano. Fortes chuvas, raios e quedas de árvores são algumas das principais causas para o problema. Por isso, nesse período o consumidor precisa ter uma atenção especial com seus eletrodomésticos. Tais equipamentos, principalmente computadores, geladeiras e TVs, são muito sensíveis e podem queimar.
Como em todas as situações da vida, o melhor a fazer é evitar transtornos. Portanto, a primeira providência a ser tomada em caso de chuvas acompanhadas de trovões é desligar o maior número possível de aparelhos eletrodomésticos da tomada. Depois que a energia cai, seu retorno repentino pode vir acompanhado de um pico de voltagem mais alto que o suportado pelos aparelhos, ocasionando a sua queima.
Porém, caso o problema aconteça, o consumidor tem o direito de ser ressarcido pela concessionária de energia, com base na Resolução 414 da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e no Código de Defesa do Consumidor. O coordenador do Procon da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), Marcelo Barbosa, orienta que o primeiro passo é entrar em contato com a empresa para formalizar a reclamação. “O consumidor deve informar qual equipamento foi danificado e pedir que a concessionária verifique se o problema foi de fato causado pela variação abrupta de energia”, afirma. Barbosa lembra que é fundamental exigir o protocolo de atendimento.
A Resolução 414 da Anatel determina que a empresa tem 45 dias para dar uma solução ao caso. Assim, dentro desse período a companhia vai indicar ao consumidor uma lista de oficinas de assistência técnica autorizadas a fazer a perícia no equipamento. O cliente não deve levar o produto a um local não credenciado pela concessionária, alerta o coordenador do Procon Assembleia.
Constatado que o defeito foi provocado pelo pico de energia, o aparelho deve ser consertado. Se isso não for possível, a empresa tem a obrigação de ressarcir o consumidor, seja oferecendo um produto semelhante ao que estragou, seja reembolsando com o valor equivalente.
Outros problemas – Os prejuízos provocados pela falta de energia não se limitam à queima de equipamentos eletroeletrônicos. Muito tempo sem luz pode fazer com que os produtos que estão na geladeira apodreçam. Nesse caso, o ressarcimento, apesar de possível, é mais complicado.
O consumidor precisa provar para a concessionária que tais produtos estragaram por causa da falta de energia. Entre as formas de conseguir isso estão fotografias, testemunhas e anotações relativas ao tempo que o local ficou sem energia. Com toda a documentação possível reunida, o consumidor deve procurar a companhia e pedir a compensação do prejuízo. A empresa não tem prazo para dar uma resposta. Se não houver acordo, o único caminho é a via judicial.
Por norma, a falta de luz deve ser restabelecida em até três horas em área urbana e em até seis em área rural. Caso isso não aconteça, o consumidor tem direito de ser compensado com crédito na conta até dois meses depois do incidente. Para ter controle do tempo exato que ficou sem energia, deve-se registrar cada período de interrupção no fornecimento. O Procon Assembleia orienta que o consumidor ligue para a concessionária assim que acabar a luz e anote datas e horários de desligamento e de retorno da eletricidade, lembrando sempre de exigir o protocolo de atendimento.
Fonte – Procon Assembleia – Assessoria de Imprensa
Disponível também em: Defesa do Consumidor
DICA: Se o consumidor após realizar reclamações junto a concessionária de energia elétrica e agência reguladora não obtiver êxito, deve procurar um advogado e, se for o caso, ingressar na justiça.

http://diligenciasbhforumtribunais.jusbrasil.com.br/artigos/266995173/a-luz-acabou-saiba-quais-sao-seus-direitos?utm_campaign=newsletter-daily_20151214_2447&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Boa-fé objetiva: Seguradora só pode alterar contrato se provar desequilíbrio atuarial

Ocorrendo desequilíbrio atuarial, a seguradora tem o direito de se recusar a renovar seguro de vida nos moldes em que vinha sendo contratado, ofertando um novo produto. No entanto, tem de provar este desequilíbrio, a fim de não ferir a boa-fé objetiva.
Por não haver essa prova, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmou condenação de uma seguradora a renovar o contrato de seguro de vida de um consumidor de Porto Alegre, mantendo as garantias inicialmente contratadas, sem majoração do prêmio em razão da alteração da faixa etária. Com isso, o contrato só será reajustado pelos índices legais acertados na assinatura do seguro, em 1986.
A Porto Seguro ameaçou rescindir unilateralmente o contrato em 2007, alegando impossibilidade de manter os termos pactuados há 21 anos, para adequar os produtos à ‘‘nova realidade jurídica e econômica’’ no segmento do seguro de pessoas no Brasil. As justificativas para a modificação foram poder atender a normativa da Circular Susep 302 (editada em 2005) e o artigo 774 do Código Civil — a recondução tácita do contrato pelo mesmo prazo, mediante expressa cláusula contratual, não poderá operar mais de uma vez. Ou seja, ou o autor aceitava os ‘‘novos produtos’’ ou restava extinto o contrato antigo.
O juiz Sílvio Tadeu de Ávila, da 16ª Vara Cível do Foro Central da capital, observou que, entre 2003 e 2007 — quando já tinha conhecimento dos novos cenários —, a seguradora continuou renovando a apólice do autor. ‘‘Casualmente’’, entretanto, um mês após o segurado completar 61 anos, a empresa notificou-o para que escolhesse novos planos, se assim o desejasse. ‘‘Destarte, inegável que a conduta da ré é antijurídica e abusiva, reclamando a prestação judicial, devendo ser mantido o contrato nos moldes em que foi inicialmente firmado, a fim de respeitar os princípios da segurança jurídica e estabilidade das relações’’, escreveu na sentença.

Relativização contratual
O relator que negou a apelação da seguradora na 6ª Câmara Cível, desembargador Ney Wiedemann Neto, escreveu no acórdão que a relação contratual não deve se restringir tão somente àquilo que está escrito no contrato. É mais do que isso. Ambas as partes estão obrigadas a cumprir os deveres secundários ou instrumentais de lealdade, consideração, respeito, exigidos pela boa-fé objetiva, prevista no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). A mesma obrigação vem expressa no artigo 422 do Código Civil. Com isso, a ‘‘denúncia do contrato’’ teria de ser motivada.
‘‘Ao determinar o cancelamento do seguro de vida, tampouco a seguradora juntou estudo atuarial demonstrando o suposto aumento da sinistralidade que teria acarretado o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato de seguro. São meras ilações ou argumentos de retórica, só isso’’, constatou Wiedmann.
O relator salientou que os contratos de consumo de longa duração merecem tratamento diferenciado da concepção clássica da liberdade de contratar. ‘‘Em casos de sucessivas renovações de contratos de seguro, especialmente de vida, o segurado acaba por ser imbuído a acreditar na segurança e manutenção do vinculo contratual, sendo abusiva a rescisão unilateral imotivada e a negativa de renovação, por expressa afronta ao princípio da boa-fé objetiva e aos direitos do consumidor’’.
O acórdão foi lavrado na sessão de 19 de novembro.
Clique aqui para a sentença.
Clique aqui para ler o acórdão.


Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 14 de dezembro de 2015, 7h24
http://www.conjur.com.br/2015-dez-14/seguradora-alterar-contrato-provar-desequilibrio-atuarial

Banco responde por furto em estacionamento oferecido a clientes

A instituição financeira que oferece estacionamento a seus clientes, mesmo que gratuito, responde pelos delitos ocorridos no local. De acordo com o desembargador federal Hélio Nogueira, da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, é pacífico o entendimento de que o banco é responsável por delito praticado nas dependências e adjacências da agência, na medida em que a segurança é essencial à sua atividade.
Assim, o desembargador reformou sentença e condenou a Caixa Econômica Federal a indenizar por danos materiais um cliente que teve furtado o aparelho de som automotivo nas dependências da agência do banco em 2004.
Para o desembargador, é devida a condenação do agente financeiro ao pagamento do dano material sofrido pelo autor, conforme prescreve o caput do artigo 927 do Código Civil. que "aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".
O cliente afirmou que se dirigiu à instituição financeira a fim de requerer o levantamento do FGTS da mulher. Deixou o automóvel em estacionamento disponibilizado pelo banco e, na volta, notou que o aparelho de som do veículo havia sido furtado.
Em primeira instância, o pedido do cliente foi julgado improcedente por entender que não se configurou no caso o contrato de depósito, instituto apto a gerar responsabilidade à instituição financeira, uma vez que fornecia estacionamento a título gratuito, sem qualquer contraprestação pelos usuários. Não disponibilizava, também, qualquer funcionário para exercer a guarda e vigia dos veículos estacionados, limitando-se, tão somente, a oferecer espaço para a guarda dos veículos.
Indignado, o autor apelou ao TRF-3 alegando ser dispensável a configuração do contrato de depósito, pois o mero fato de o banco disponibilizar estacionamento gratuito atrai clientela, devendo, assim, se responsabilizar pelos pertences que ali se encontram.
Ao reformar a sentença, o desembargador federal Hélio Nogueira ressaltou que o oferecimento pelo banco de estacionamento em local de seu domínio, ainda que não remunerado, atrai clientela, justamente por oferecer aos seus clientes comodidade e a sensação de segurança como atrativo ao uso de seus serviços bancários, como parte do negócio jurídico. "Assim, quando tal expectativa gerada pela demandada é frustrada, é seu dever indenizar os clientes que captou pelos danos sofridos."
Para ele, nesses casos, a responsabilidade da instituição financeira no caso é objetiva, consoante disposição do artigo 14, parágrafo 1º do Código de Defesa do Consumidor.
“Assim, em decorrência dos riscos inerentes à sua atividade, impõe à CEF dever de segurança em relação ao público e, sobretudo, à sua clientela, obrigação que não se afasta com a mera alegação de caso fortuito ou força maior. Embora, no caso em tela, exista evidente concausa (causa simultânea) de terceiros, não há como a instituição financeira se eximir da responsabilidade pela ocorrência do evento ante o seu descuido e indiligência na prestação de serviço”, concluiu. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-3.
Clique aqui para ler a decisão.
Apelação Cível 0002563-30.2004.4.03.6103/SP

Revista Consultor Jurídico, 14 de dezembro de 2015, 13h56
http://www.conjur.com.br/2015-dez-14/banco-responde-furto-estacionamento-oferecido-clientes

STJ concede preferência a condôminos na compra de coisa divisível

Inicio minha participação nesta importante coluna, mantida pela Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo, agradecendo ao honroso convite formulado pelo professor Otávio Luiz Rodrigues Jr.. Escrever para a ConJur e para a coluna Direito Civil Atual é motivo de muito orgulho.
Tratarei do direito de preferência do condômino na compra de fração de imóvel indiviso à luz do artigo 504 do CC/2002, tendo por base a recente decisão proferida pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.207.129/MG, relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, julgado no dia 16 de junho de 2015.
O artigo 504 do CC/2002 dispõe que “não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto [...]” (grifou-se).
Com base em tal premissa, a Justiça de Minas Gerais negou o direito de preferência a um casal que pretendia adquirir parte de uma fazenda da qual já era coproprietário. Segundo o Tribunal de Justiça mineiro, o imóvel era passível de cômoda divisão, razão pela qual a regra do artigo 504 do CC/2002 seria inaplicável.
O litígio chegou ao STJ e relembrou a discussão que era travada em torno do tema por suas turmas de Direito Privado. Ambas, sob a égide do CC/1916, sustentavam posições diametralmente opostas.
A 3ª Turma, influenciada por Pontes de Miranda, Silvio Rodrigues e Carvalho Santos, adotava interpretação restritiva. Entendiam seus membros que admitir a preferência aos proprietários de imóveis meramente indivisos aumentaria extraordinariamente a restrição estabelecida na norma. Fosse essa a vontade do legislador — ressaltou o ministro Eduardo Ribeiro no julgamento do REsp 60.656-0/SP, ocorrido em 1996 —, teria consignado que ao condômino não era dado vender sua parte a estranhos. Na oportunidade, acrescentou que a inconveniência de se introduzir um estranho na comunhão não se verifica quando o bem pode ser dividido. E lembrou que no projeto do CC/1916 não havia alusão à coisa indivisível, cuja modificação resultou de emenda introduzida no Senado por Rui Barbosa.
De fato, uma análise literal dos artigos 504 do CC/2002 e 1.139 do CC/1916, aliada à ideia de divisão cômoda, faz supor que o direito de preferência ali previsto seja restrito aos imóveis indivisíveis. Aliás, Carvalho Santos, com apoio em Melquíades Picanço, sustentava que a possibilidade de divisão era razão suficiente para afastar os dissabores da entrada de um estranho na comunhão[1].
Contudo, para Clóvis Beviláqua, os inconvenientes decorrentes da entrada de um estranho no condomínio são os mesmos, seja o bem divisível ou indivisível. Segundo deixou assente em sua obra, a distinção não se justifica, porque no estado de comunhão as coisas estão indivisas. E acrescentou que a emenda de Rui Barbosa não foi feliz[2].
Pontes de Miranda, a despeito de defender a interpretação restritiva, teceu críticas ainda mais severas à emenda. Destacou que Rui Barbosa, sem refletir suficientemente sobre o tema e com superficialidade de argumentos, fez constar a expressão “coisa indivisível” para afeiçoar o texto ao artigo 1.566 do CC português de 1867. Este, todavia, era defeituoso e, por obra da doutrina, foi complementado, passando a constar “coisa indivisível ou indivisa[3].
Imperativo consignar que após a publicação da obra de Pontes de Miranda, o legislador português promulgou seu atual CC (Decreto-lei 47.344, de 25/11/1966[4]), o qual foi além. A norma deixou de fazer referência a imóvel indivisível ou indiviso[5], estendendo, com isso, a preferência ao comunheiro de condomínio pro diviso. E em outro dispositivo, ainda concedeu o direito de preferência aos proprietários de terrenos confinantes[6].
Nesse contexto, a 4ª Turma do STJ, influenciada por Clóvis Beviláqua, Caio Mário da Silva Pereira, Carvalho de Mendonça, e, mais recentemente, por Otávio Luiz Rodrigues Junior, José Osório de Azevedo Júnior[7] e Nelson Rosenvald, consagra a interpretação mais abrangente.
Um dos fundamentos constantes de seus julgados está em que a finalidade da norma é impedir que estranhos ingressem no condomínio. Para o ministro Luis Felipe Salomão, ao conceder o direito de preferência aos demais condôminos, pretendeu o legislador conciliar os objetivos do vendedor com o intuito dos demais proprietários, evitando desentendimentos decorrentes da entrada de um estranho no grupo.
Aliado a isso, deve-se manter a coerência do sistema, sobretudo com o disposto no artigo 1.314, parágrafo único, do CC/2002, segundo o qual “nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros”. A leitura desse dispositivo, conjugada com a do artigo 504 do CC/2002, induz à conclusão de que a venda de parte ideal do bem a estranhos depende do consenso dos demais comunheiros, haja vista que a posse, o uso e o gozo, nas palavras do ministro Luis Felipe Salomão, são “um minus em relação à transferência de propriedade”.
Essa tese já havia prevalecido quando do julgamento do REsp 489.860/SP pela 2ª Seção. No seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, também defendeu que a leitura do artigo 1.139 do CC/1916 (atual artigo 504 do CC/2002) deveria ocorrer de acordo com o artigo 633 do CC/1916 (artigo 1.314, parágrafo único, do CC/2002). Referido recurso havia sido distribuído à 3ª Turma, mas foi afetado à 2ª Seção justamente em razão do desacordo existente entre as turmas de Direito Privado. O julgamento ocorreu em 2004, mas o litígio era regido pelo CC/1916.
Um outro aspecto corrobora a conclusão supra. O artigo 623, inciso III, do CC/1916[8] havia sido modificado pelo Decreto Legislativo 3.725/19, que fez inserir no primeiro, próximo da expressão “indivisa”, uma menção ao artigo 1.139 do mesmo diploma (atual artigo 504 do CC/2002). Tal mudança sugere a intenção de corrigir a impropriedade da restrição prevista no último, ampliando o conceito de indivisibilidade para incluir as coisas indivisas.
Malgrado a expressão “parte indivisa” tenha sido substituída por “parte ideal” na versão atual do dispositivo (artigo 1.314, caput, do CC/2002), não se tem notícias de maiores debates em torno da alteração[9], muito menos que esta tenha ocorrido com o objetivo de restringir o alcance do artigo 504 do CC/2002. Tal rigidez, aliás, não se verificou no legislador de 2002, que, inclusive, estendeu o direito de preferência ao coerdeiro (artigos 1.794 e 1.795 do CC/2002).
Além das interpretações teleológica e sistemática, a atual 4ª Turma recordou de outro fundamento, de ordem pragmática. No julgamento do REsp 9.934/SP, ocorrido em 1993, o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira sustentou que provar a indivisibilidade, muitas vezes, é tarefa dificílima, pois nem sempre há consenso entre os coproprietários sobre a espécie de condomínio, se divisível ou indivisível.
De fato, a comprovação da divisibilidade econômico-jurídica — que não era prevista no CC/1916, mas já era assimilada pela jurisprudência[10] — não é tarefa fácil.  Há casos em que a demonstração da divisibilidade demanda intensa atividade probatória, com avaliações, pesquisas de preço e contraprova de ambas as partes, dificultando sobremaneira a solução do litígio.
Com base em tais fundamentos, a 4ª Turma do STJ, por meio do REsp 1.207.129/MG, relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, cassou as decisões proferidas pela Justiça Mineira e determinou a remessa dos autos ao primeiro grau para exame dos demais requisitos da ação de preferência. Com isso, manteve a coesão de seus precedentes, em consonância com a posição da Segunda Seção, agora sob a égide do CC/2002.
Acredita-se que tal decisão influenciará a jurisprudência dos demais tribunais pátrios, pois é o primeiro precedente do STJ a tratar especificamente do tema após a entrada em vigor do CC/2002.
É bem verdade que a divergência em torno do tema impede que se arrisque uma previsão para o futuro. A prudência impõe que se aguarde a posição da 3ª Turma, cujos membros atuais não participaram dos julgamentos anteriores, nem atuaram na Segunda Seção quando da uniformização do entendimento em 2004.
De todo modo, o precedente representa uma excelente razão para que se reflita sobre o tema. Quiçá os legisladores venham a propor a exclusão da expressão “em coisa indivisível” do artigo 504 do Código Civil, a exemplo do que fez o Parlamento Português, cuja norma influenciou a redação do dispositivo correspondente no Código Civil brasileiro de 1916.
* Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Girona, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC e UFMT).
1] CARVALHO SANTOS, João Manuel de. Código Civil brasileiro interpretado (principalmente do ponto de vista prático). 9. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1972. v. 16: arts. 1.122-1.187. p. 169.
[2] BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil. ed. histórica. 7. tiragem. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1984. v. 2: IV-VI. p. 249.
[3] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Atualizado por Cláudia Lima Marques. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. t. 39: direito das obrigações: compra-e-venda, troca, contrato estimatório. p. 308.
[4] Disponível em: <http://www.stj.pt/ficheiros/fpstjptlp/portugal_codigocivil.pdf>.
[5] Art. 1409º, item 1, do CC português de 1966.
[6] Art. 1380º, item 1, do CC português de 1966.
[7] Referido autor, a propósito, formulou proposta de enunciado sobre o tema na IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/CEJ-Coedi/jornadas-cej/volume_I.pdf/view>.
[8] “Art. 623. Na propriedade em comum, compropriedade, ou condomínio, cada condômino ou consorte pode: [...] III – alhear a respectiva parte indivisa, ou gravá-la (art. 1.139)”.
[9] Segundo Carlos Alberto Dabus Maluf, o art. 1.314 do CC 2002 “não foi alvo de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara de Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto” (Código civil comentado. SILVA, Regina Beatriz Tavares da Silva (coord.). 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1246).
[10] RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Código civil comentado. AZEVEDO, Álvaro Villaça (coord.). São Paulo: Atlas, 2008. v. 6, t. 1: compra e venda, troca, contrato estimatório: artigos 481 a 537. p. 290.


Fernando Speck de Souza é membro da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo e Juiz de Direito em Santa Catarina.
Revista Consultor Jurídico, 14 de dezembro de 2015, 10h57

Chargeback, um desafio dos lojistas do e-commerce

Prática realizada pela operadora de cartão de crédito, consistente em deixar de repassar valor a lojista, vem sendo considerada um ato ilícito pelo Judiciário Paulista.

Atualmente, no Brasil, existem aproximadamente 450 mil lojas virtuais, das quais apenas 15% também possuem loja física. O faturamento do setor estimado para o ano de 2015 é de 81,3 bilhões de reais, apesar da atual crise econômica brasileira.

Ao longo dessa trajetória aparentemente saudável sob o viés econômico, inúmeros lojistas vêm sendo surpreendidos negativamente pelas administradoras dos cartões de crédito que, unilateralmente, lastreadas na ausência de reconhecimento da compra realizada pelo titular do cartão, deixam de repassar os valores devidos ao comerciante em função das compras online realizadas pelo cartão. Com essa conduta, o comerciante sofre inquestionáveis e enormes prejuízos, uma vez que entregaram os produtos adquiridos em compras à distância, mas não recebem o pagamento.

Esse evento é denominado chargeback, e configura uma prática longe de ser saudável pelas operadoras de cartão de crédito. Pior ainda, esse evento ocorre à revelia do lojista virtual.

Nos termos do contrato de afiliação ao sistema da administradora de cartões de crédito, o chargeback se caracteriza no momento em que o titular do cartão de crédito, independente do motivo, não reconhece a compra anteriormente efetuada e solicita à sua operadora o estorno do valor da compra em seu cartão.

A instituição financeira, por sua vez, sem qualquer investigação do ocorrido, meramente aceita a solicitação do titular do cartão, estorna o valor na fatura do cartão de crédito do portador e, em consequência, deixa de repassar o valor da compra ao estabelecimento comercial, sob o frágil argumento de que teria ocorrido chargeback, amargando o lojista, portanto, enormes prejuízos.
Ocorre que essa prática realizada pela operadora de cartão de crédito, consistente em deixar de repassar ou debitar esse valor no domicílio bancário do lojista, vem sendo considerado um ato ilícito pelo Poder Judiciário Paulista, conforme recente julgamento realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, perante a 37ª Câmara de Direito Privado, processo nº 1071396-60.2013.8.26.0100, de relatoria do ilustre Desembargador Dr. Israel Goes dos Anjos, DJ 05/08/2014.
Nesse julgamento, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu corretamente que, a despeito de existirem cláusulas contratuais que isentam a operadora do cartão de qualquer responsabilidade pela veracidade de informações prestadas pelos portadores dos cartões de crédito no ato da compra, e que supostamente autorizariam o estorno ou não pagamento pela Administradora ao lojista se o portador do cartão não reconhecesse a transação, é ônus da administradora do cartão provar que o comerciante não cumpriu todas as suas obrigações constantes do contrato.
Vale dizer, o lojista virtual cumpre suas obrigações ao demonstrar que efetuou a venda, que a venda via cartão de crédito foi aprovada pela administradora, e, mais que isso, comprovar que o produto foi entregue.
Portanto, se a operadora do cartão de crédito alegar em sua defesa qualquer tipo de fraude na compra efetuada e não reconhecida pelo portador do cartão de crédito, o ônus da prova recairá sobre ela (CPC, inciso II do artigo 333 - fato impeditivo do direito do comerciante), devendo provar que (i) o comerciante não cumpriu com suas obrigações contratuais (descritas acima) e (ii) que o comprador cometeu a fraude em conluio com o lojista.
Nesse contexto, absolutamente acertada a decisão do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo que condenou a administradora do cartão de crédito à devolução da quantia indevidamente glosada a título de chargeback, corrigida monetariamente da data em que deveria ter sido repassada ao comerciante, acrescida de juros legais desde a citação. Vale ressaltar que esse acórdão foi indicado para a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Conclui-se, portanto, pelo acerto da decisão do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, que deve orientar casos semelhantes eventualmente submetidos ao Poder Judiciário. Afinal, o risco de crédito é da administradora, e jamais poderá ser repassado ao lojista que efetua a venda regularmente pelo cartão e, mais que isso, entrega o produto normalmente.
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*Diego Aguilera Martinez é advogado do escritório GVM - Guimarães & Vieira de Mello Advogados.
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI231451,21048-Chargeback+um+desafio+dos+lojistas+do+ecommerce

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Lei em Belo Horizonte dá isenção de IPTU a moradores de casas com quintal verde

A lei é uma forma de agradecimento aos moradores que contribuem para um mundo mais ecológico. Não seria bom se o país todo aderisse a ela? 

No meio da cidade grande onde o que mais se vê é concreto, qualquer jardim com lindas plantas já é válido. Nas capitais, por exemplo, os parques são extremamente valorizados, e infelizmente vemos que os prédios estão sempre crescendo, ofuscando o verde dos bairros.

Mas lembre-se, nem tudo está perdido! Há algumas iniciativas que podem incentivar a volta do verde para as cidades. Em Belo Horizonte, por exemplo, aqueles que possuem casas com quintais verdes são agradados com a isenção do pagamento do IPTU. Todo mundo sabe que o imposto está cada vez mais caro, e essa lei da capital mineira é uma ótima medida para incentivar a valorização dos espaços verdes.
A lei já é antiga, já tem por volta de 20 anos, mas poucos dos que moram na cidade têm conhecimento dela. De acordo com a prefeitura, isso é uma forma de agradecer àqueles que contribuem para o clima da cidade, já que espaços assim ajudam na melhora do ar, diminuem o calor e auxiliam na absorção da água da chuva, além de outros benefícios. Dados da prefeitura também apontam que menos de 10 donos de chácaras e sítios com espaços extensos de verdes fazem uso dessa lei.
Porém não é todo quintal verde que se enquadra nessa medida. É preciso que ele esteja em acordo com a Reserva Particular Ecológica da legislação municipal. Então, se você mora em Belo Horizonte, busque se informar quanto à lei para receber a isenção!
O que você acha? Não seria uma ótima ideia se todas as cidades do Brasil possuíssem essa lei? Comente!

Fonte: vivernaboa

http://camilavazvaz.jusbrasil.com.br/noticias/261322465/lei-em-belo-horizonte-da-isencao-de-iptu-a-moradores-de-casas-com-quintal-verde?utm_campaign=newsletter-daily_20151130_2383&utm_medium=email&utm_source=newsletter

 

terça-feira, 24 de novembro de 2015

O estranho caso do inimputável capaz - Parte III

por Vitor Frederico Kümpel
O artigo foi escrito em coautoria com Thales Ferri e Bruno de Ávila Borgarelli
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Vimos no último artigo que um dos elementos da culpabilidade é a imputabilidade, que pode ser definida como a possibilidade do sujeito entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento1. Em relação aos sujeitos com doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, o Código Penal adotou o critério biopsicológico, segundo o qual a verificação da imputabilidade do sujeito deve levar em conta duas condições: previsão legal da causa de exclusão e se no momento da ação ou omissão criminosa o sujeito possuía ou não a plena capacidade de entender e de querer2; neste sentido dispõe o art. 26, "caput", do Código Penal: "É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento".
Já o parágrafo único do mesmo dispositivo cuida dos semi-imputáveis, ou seja, aqueles que por perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não são inteiramente capazes de entenderem o caráter ilícito do fato ou de se determinarem de acordo com esse entendimento. Aos inimputáveis deve ser aplicada medida de segurança (absolvição imprópria), enquanto aos semi-imputáveis poderá ser imposta medida de segurança ou pena reduzida, sendo vedada a aplicação cumulativa de pena e medida de segurança, por força da adoção do sistema vicariante (CP, arts. 97 e 98).
Pressuposto para o reconhecimento da inimputabilidade e imposição de medida de segurança é que o sujeito tenha praticado um fato típico e antijurídico, pois, caso contrário, deverá ser absolvido plenamente (absolvição própria). A imposição de medida de segurança, ao contrário da pena, não leva em conta a culpabilidade do sujeito, justamente porque não se pode fazer um juízo de reprovação – ou de censura – sobre o inimputável, por lhe faltar cognoscibilidade para entender a ilicitude de sua conduta; faz-se, pois, um juízo de periculosidade, que é avaliação da potência do indivíduo para converter-se em causa de ações ou omissões lesivas, exame que determinará a medida de segurança aplicável e sua duração (prognose), nos termos dos arts. 96 e 97 do Código Penal.
Pois bem. Até o advento da lei 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), com vigência a partir do dia 3 de janeiro de 2016 (art. 127), havia uma plena harmonia em nosso sistema jurídico. Isso porque o Código Penal reconhece que o sujeito que possui doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado não tem condições de entender a ilicitude de qualquer ação ou omissão de natureza criminosa, desde que, no momento do delito, esteja acometido de tal perturbação, faltando-lhe, portanto, cognoscibilidade, o que afasta sua culpabilidade e inviabiliza a imposição de pena, que deverá ser substituída por medida de segurança.
Na mesma esteira, o art. 3º do Código Civil inclui entre os absolutamente incapazes "aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil" (inciso II), bem como "que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade" (inciso III), enquanto o art. 166, inciso I do mesmo diploma fulmina de nulidade absoluta o negócio jurídico celebrado pelo absolutamente incapaz que não esteja representado por seu curador. Já o art. 4º, incisos II e III, do Código Civil elenca entre os relativamente incapazes "os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por enfermidade mental, tenham o discernimento reduzido", bem como "os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo", sendo que o art. 171, inciso I confere a possibilidade de anulação do negócio jurídico celebrado pelo relativamente incapaz não assistido.
Portanto, a lei civil, assim como a penal, reconhece a falta de cognoscibilidade e autodeterminação do sujeito acometido por enfermidade ou doença mental: a primeira, no que se refere aos negócios jurídicos, e a segunda, em relação aos crimes e contravenções penais. Embora os arts. 3º e 4º do Código Civil, e 26, "caput", do Código Penal não utilizem exatamente as mesmas expressões para se referirem aos sujeitos que buscam proteger, certo é que, genericamente, ambos dizem respeito às pessoas com deficiência ou enfermidade.
De acordo com a clássica tipologia dos criminosos proposta por Enrico Ferri, o inimputável por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado pode ser incluído os "delinquentes loucos", ou seja, aqueles levados ao crime não apenas em razão da enfermidade mental, mas também "pela atrofia do senso moral"3, muito embora o mesmo autor reconheça que qualquer criminoso "é sempre um anormal"4; entre os doentes mentais podemos citar os psicopatas, esquizofrênicos, paranóicos e portadores de paralisia cerebral, enquanto Nélson Hungria inclui entre os sujeitos com desenvolvimento mental incompleto ou retardado os oligofrênicos (idiotas, imbecis e débeis mentais) e os surdos mudos que não se comunicam5. Tais sujeitos merecem especial proteção e tratamento diferenciado pelo Estado, seja no âmbito civil, seja no penal.
Não obstante, o novo Estatuto terminou por desproteger justamente as pessoas que deveria resguardar, ao praticamente extinguir o sistema de proteção dos incapazes previsto no Código Civil; como já afirmado neste mesmo espaço, a nova lei inclui os incapazes no grupo dos capazes, porém "os inclui para desprotegê-los e abandoná-los a sua própria sorte"6. Mas o que causa maior perplexidade é o fato da nova lei romper a harmonia até então existente entre o Direito Civil e Penal, de modo que, a partir da derrogação dos arts. 3º e 4º do Código Civil, teremos o seguinte quadro, no que se refere às pessoas com deficiência:
a)Para fins penais, aplica-se o art. 26, "caput", do Código Penal, que reconhece a inimputabilidade do sujeito que, por doença mental ou desenvolvimento incompleto ou retardado, é inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento; portanto, qualquer que seja o delito praticado por esse sujeito, desde os mais brutais, v.g., homicídio, latrocínio ou estupro, até os mais sofisticados, e.g., estelionato, apropriação indébita e falsidade ideológica, a lei o isentará de pena, cabendo ao magistrado lhe impor medida de segurança, conforme sua periculosidade;
b)Para fins civis, aplicam-se os novos arts. 3º e 4º do Código Civil, com vigência a partir de 3 de janeiro de 2016 (art. 127 da lei 13.146/15), e as demais disposições do Estatuto, que reconhecem a validade de qualquer negócio jurídico celebrado pela pessoa com deficiência, desde os mais simples, como uma compra e venda de bem móvel, até os mais complexos, como a aquisição de um automóvel por contrato de “leasing” mediante alienação fiduciária em garantia, muito embora o art. 84, parágrafo 1º, do novo Estatuto disponha que "quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei", apesar de não ser incapaz.
Com efeito, o novo diploma "criou" um sujeito muito estranho, que desconhece a caráter ilícito de um crime de homicídio, latrocínio, estupro, enfim, de toda gama de delitos existentes no arcabouço jurídico-penal, mas, por outro lado, entende perfeitamente a natureza de qualquer negócio jurídico, desde os mais corriqueiros e que não exigem profundo conhecimento sobre o seu conteúdo, como a aquisição de um bem móvel pela ocupação (CC, art. 1.263), até os contratos mais complexos e sofisticados, como os de "Factoring" e "time sharing", não tendo problemas, ainda, para se casar e conhecer todas as implicações do regime de bens que eleger.
Por fim, há uma importante questão relacionada às sentenças de absolvição imprópria, que impõem medida de segurança. Poderia o juiz penal, considerando a total "capacidade do inimputável" no âmbito civil, estabelecida pela canhestra lei 13.146/15, impor na sentença a obrigação de reparar o dano, fixando o valor mínimo da indenização devida à vítima, com fundamento no art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, que adotou o sistema da solidariedade7? Suponha-se que Tício, inimputável por deficiência mental, efetue disparos de arma de fogo contra Caio, ferindo-o, não consumando o delito por circunstâncias alheias à sua vontade; submetido a processo por tentativa de homicídio, é absolvido sumariamente ao final do "judicium accusationis", impondo-se medida de segurança em razão da tese de inimputabilidade ser a única da Defesa, nos termos da lei 11.689/08, que alterou o art. 415 do Código de Processo Penal8. Segundo o Estatuto da Pessoa com Deficiência, Tício possui plena capacidade para compreender o ato ilícito que praticou, apesar de, estranhamente, não entender a ilicitude desse mesmo fato na esfera penal.
Parece-nos que a resposta a esta indagação só pode ser negativa. Apesar da melhor doutrina reconhecer a natureza condenatória da sentença que impõe medida de segurança, adquirindo esta, na lição de Frederico Marques, "as qualidades de título penal executório"9, ao juiz penal deve ser vedado estabelecer o valor mínimo para a reparação do dano causado pelo delito em tal hipótese, ainda que se cuide de absolvição imprópria, sob pena de analogia "in malam partem"; vale lembrar que a própria isenção de pena ao inimputável está prevista no artigo anterior, que trata das hipóteses de absolvição (CPP, art. 386, VI)10. No entanto, de acordo com o novo Estatuto, poderá a vítima acionar diretamente o seu algoz, inimputável, porém estranhamente capaz, na esfera civil, não se aplicando a responsabilidade subsidiária e mitigada prevista no art. 928, “caput” e parágrafo único, do Código Civil11, o que revela o total descompasso entre as consequências civis e penais provenientes de um mesmo fato gerador.
Em suma, o Estatuto da Pessoa com Deficiência rompeu a harmonia até então existente entre o Direito Civil e Penal, dificultando assim uma compreensão interdisciplinar do fenômeno jurídico em questão, e, mais do que isso, desamparando justamente as pessoas que pretendia proteger, ao alterar um sistema protetivo eficaz e que não necessitava de reparos.
Referências Bibliográficas
DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. 9 ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
FERRI, Enrico. Princípios de Direito Criminal: o criminoso e o crime. Trad. de Luiz de Lemos D’Oliveira. São Paulo: Livraria Acadêmica Saraiva e C., 1931.
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal: Arts. 11 a 27. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, v. 1, Tomo 2.
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 1 ed. 2ª tiragem. Campinas: Bookseller, 1998, v. 3.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 18 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
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1 Nélson Hungria sabiamente adverte que "segundo um critério tradicional, que o Código rejeitou, haveria que distinguir entre responsabilidade e imputabilidade, significando esta a capacidade de direito penal ou abstrata condição psíquica da punibilidade, enquanto aquela designaria a obrigação de responder penalmente in concreto ou de sofrer a pena por um fato determinado, pressuposta a imputabilidade. A distinção é bizantina e inútil. Responsabilidade e imputabilidade representam conceitos que de tal modo se entrosam, que são equivalentes, podendo, com idêntico sentido, ser consideradas in abstracto ou in concreto, a priori ou a posteriori" (Comentários ao Código Penal: Arts. 11 a 27. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, v. 1, Tomo 2, p. 320-321).
2 Sobre o tema, oportuna a lição de Nélson Hungria: "O método biopsicológico exige a averiguação da efetiva existência de um nexo de causalidade entre o anômalo estado mental e o crime praticado, isto é, que êsse estado, contemporâneo à conduta, tenha privado completamente o agente de qualquer das mencionadas capacidades psicológicas (quer a intelectiva, quer a volitiva)" (op. cit., p. 324-325).
3 Princípios de Direito Criminal: o criminoso e o crime. Trad. de Luiz de Lemos D'Oliveira. São Paulo: Livraria Acadêmica Saraiva e C., 1931, p. 258-259. As chamadas "categorias antropológicas de delinquentes", segundo o mesmo autor, são: delinquente nato, louco, habitual, ocasional e passional" (p. 256-264).
4 Ibid., p. 251.
5 Op. cit., p. 336.
6 KÜMPEL, Vitor Frederico; BORGARELI, Bruno de Ávila. As aberrações da Lei 13.146/2015.
7 Sobre o sistema da solidariedade: RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 18 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 592. A respeito da retroatividade do referido dispositivo, confira-se: DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. 9 ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 597.
8 Dispõe o art. 415 do Código de Processo Penal: “O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado quando:
I- provada a inexistência do fato;
II- provado não ser ele autor ou partícipe do fato;
III- o fato não constituir infração penal;
IV- demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva".
9 Elementos de Direito Processual Penal. 1 ed. 2ª tiragem. Campinas: Bookseller, 1998, v. 3, p. 43.
10 O art. 386 do Código de Processo Penal assim dispõe: "O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
(…)
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23,26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência".

11 No mesmo sentido: RIBEIRO, Moacyr Petrocelli de Ávila. Estatuto da Pessoa com Deficiência: A revisão da teoria das incapacidades e os reflexos jurídicos na ótica do notário e do registrador. Acesso em 28.08.2015. Dispõe o art. 928 do Código Civil: "O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem".
http://www.migalhas.com.br/Registralhas/98,MI230397,61044-O+estranho+caso+do+inimputavel+capaz+Parte+III

Ação de consignação em pagamento no novo CPC

Jorge Amaury Maia Nunes
Nos dias atuais, não são raras as situações em que o devedor se vê compelido a procurar meios de saldar dívidas, por resistência de qualquer natureza apresentada pelo credor. Quando por motivo outro não seja, pelo fato de que o devedor supostamente inadimplente corre o sério e muito provável risco de ver seu nome inscrito em um dos diversos cadastros de maus pagadores que pululam em nossa terra.
A existimatio do cidadão, i.e., a sua reputação é, hoje, condição necessária (porém, não suficiente) para obtenção de crédito e, às vezes, até para firmar contratos onerosos, fato que impõe a todos o zelo com o próprio nome. Nesse espaço, opera a consignação em pagamento, instituto do Direito Civil, pertinente ao adimplemento e extinção das obrigações, por meio do qual é considerado pagamento e extingue a obrigação, o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais (art. 334 do Código Civil).
A ação de consignação em pagamento é procedimento especial que visa a permitir a realização daquele instituto de direito material, por meio do qual o autor da ação, se procedente o pedido, obterá uma sentença declaratória da extinção da obrigação que foi cumprida. Observe-se que o Código Civil cuida de (i) depósito judicial; ou (ii) depósito em estabelecimento bancário da coisa devida. Já o anterior Código Civil, de 1916, cuidava apenas e tão somente de “depósito judicial da coisa devida” (art. 972), sem nenhuma alusão a depósito em estabelecimento bancário.
Essa alusão a depósito bancário como forma de consignação em pagamento surgiu, primeiramente, não em uma lei civil, mas sim, de forma heterotópica, em uma lei processual, a lei 8.951, de 13/12/1994, que alterou o CPC de 1973, e nele inseriu este comando: "
Art. 890...
§ 1º Tratando-se de obrigação em dinheiro, poderá o devedor ou terceiro optar pelo depósito da quantia devida, em estabelecimento bancário oficial, onde houver, situado no lugar do pagamento, em conta com correção monetária, cientificando-se o credor por carta com aviso de recepção, assinado o prazo de dez dias para a manifestação de recusa.
Cabe lembrar que essa lei e mais outras três leis processuais1, da mesma data, são originárias de projetos apresentados pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual e pela Escola Nacional da Magistratura e passaram praticamente sem emendas no Congresso Nacional. Nelas foi aproveitado, e muito, o conteúdo do Anteprojeto de Modificação do Código de Processo Civil, elaborado por uma comissão de eméritos processualistas, composta por LUÍS ANTÔNIO DE ANDRADE, JOSÉ JOAQUIM CALMON DE PASSOS, KAZUO WATANABE, JOAQUIM CORREIA DE CARVALHO JÚNIOR e SÉRGIO BERMUDES, publicado em Suplemento ao DOU de 24.12.852. Aí se encontra a fonte da inserção do depósito bancário como forma de consignação extintiva da obrigação.
CPC/15 cuidou da matéria no art. 539/549 e trouxe algumas modificações de natureza cosmética, cabendo fazer o mesmo comentário que se fez quando veio a lume a lei 8.951/94: sendo um Código de Processo Civil, que traça regras de composição jurisdicional de conflitos ou de prestação de tutela jurídica em processos necessários, resolveu o legislador nele inserir regras extraprocessuais de solução de controvérsias. Dir-se-ia melhor, regras de direito material de exoneração de obrigações pecuniárias.
Observe-se que o caput do artigo 539, tal como ocorria no caput do art. 890 do CPC/1973, cuida de consignação, com efeito de pagamento, de quantia ou coisa devida. Os parágrafos nele inseridos, entretanto, somente cuidam de consignação quando se tratar de obrigação pecuniária (mas não da consignação de coisa, que somente é regulada a partir do art. 543). Se se tratar de obrigação desse jaez, poderá o devedor (ou terceiro que pretenda efetuar o pagamento em seu lugar, presentes as regras do artigo 335 e seguintes do Código Civil Brasileiro) optar pelo depósito da quantia devida em estabelecimento bancário, oficial onde houver, situado no lugar do pagamento, cientificando-se o credor por carta com AR, fixando-lhe o prazo de 10 dias para a manifestação da recusa.
É bem verdade que não incumbe ao legislador a preocupação com academicismos, cabendo-lhe apenas regrar os fatos da vida de modo a prevenir e solucionar conflitos sociais. À doutrina é que se impõe descobrir a natureza jurídica das figuras concebidas pelo legislador. Conceda-se, porém, que esse mister às vezes é dos mais ingratos.
Esse depósito bancário firmado pelo devedor, em favor do credor, em estabelecimento bancário oficial, é um exemplo disso. Uma espécie de centauro do Direito. Se visto sob a ótica do devedor, depositante, é depósito voluntário; se visto sob ótica do estabelecimento bancário oficial (que não é parte em qualquer testilha), é depósito necessário, legal, porquanto o legislador não deferiu ao estabelecimento bancário o direito de recusar-se a recebê-lo. Ao revés, a Resolução nº 2814, do Conselho Monetário Nacional deixou claro que é obrigatório, para os bancos oficiais, receber depósitos dessa natureza.
É depósito feito em conta aberta para esse fim (o devedor deverá indicar expressamente, na efetivação do depósito, qual o fim a que se destina, que obrigação objetiva extinguir), mas não esclarece o legislador quem é o titular da conta, se o depositante ou o beneficiário. A Resolução do CMN supre essa deficiência ao dispor:
Art. 3º Acolhido o depósito de consignação em pagamento, este fica à exclusiva disposição:
I - do credor, caso não seja recebida, pela instituição financeira, a recusa formal referida no art. 4º, parágrafo único, inciso II, alínea "a";
II - do depositante, após recebida, pela instituição financeira, a recusa formal referida no inciso anterior;
III - do juízo competente, após proposta a ação de consignação em pagamento referida no art. 6º, prevista pela legislação em vigor.
Por outro lado, cabe enfatizar que as regras estabelecidas nos parágrafos do art. 539, relativas ao depósito em instituição financeira concernem ao direito material e constituem uma opção do credor. Não se trata, pois, sequer daquilo a que sói a doutrina apelidar de condições de procedibilidade, até porque essas regras só têm possibilidade de incidir se no local houver estabelecimento bancário oficial. Se não, não poderá o devedor valer-se desse meio extrajudicialde exoneração de obrigação pecuniária.
O § 1º do art. 890 do Código de 1973 cuidava de em depósito em conta com correção monetária. Não se trata de conta de poupança que, além da correção monetária, prevê o pagamento de juros remuneratórios. o que não está previsto nesse parágrafo. De outra parte, os depósitos à vista nas instituições financeiras não são corrigidos monetariamente. Criou, assim, o legislador um brutal problema para as instituições financeiras oficiais e outro para o País: no momento em que todas as leis econômicas buscavam a desindexação de toda espécie de obrigação pecuniária, o legislador processual, na contramão da história — ou dotado de poderes premonitórios indicadores de futuro econômico nada alvissareiro —, impunham correção monetária como que lançando uma "moção de desconfiança aos planos econômicos de fins do século passado. O novo Código eliminou a referência à correção monetária e remediou a questão.
O credor é comunicado da realização do depósito, por carta, com aviso de recepção. Diz a lei cientificando-se o credor. Seria lícito perguntar: Quem cientifica, o devedor ou o banco depositário? Tenha-se em mente que o estabelecimento bancário não é sequer partícipe da relação obrigacional. Repugna o entendimento de impor-lhe graciosamente esse encargo. A resolução do CMN resolveu a questão, afirmando que o banco será o responsável pela cientificação, mas será ressarcido pelo depositante.
Se o credor não manifestar a recusa ao estabelecimento bancário, no prazo decendial que a lei lhe concede, reputar-se-á o devedor liberado da obrigação, ficando à disposição do credor a quantia depositada.
Pode ocorrer, entretanto, que o credor não manifeste a recusa, não proceda ao levantamento do depósito e promova a competente ação de conhecimento ou de execução, conforme o título de que disponha. Nessas circunstâncias, competirá ao agora devedor/executado arguir, dentre outras defesas que tiver, a existência de fato extintivo do direito do autor, procedendo-se na forma do art. 350 do CPC, cabendo ao autor manifestar-se sobre o alegado depósito. É claro, isso é cabível se se tratar de ação de conhecimento. Se o credor aforar ação de execução, a matéria poderá ser discutida, pelo consignante, em objeção de pré-executividade ou em embargos.
Ainda em caso de recusa de recebimento do depósito, reza a lei que o devedor ou o terceiro poderá propor, dentro de um mês a ação de consignação, instruída a inicial com a prova do depósito e da recusa.
Quanto à natureza desse prazo certamente que dúvidas surgirão. Preclusão, prescrição ou decadência? Preclusão é fenômeno eminentemente endoprocessual e, até esse momento, não terá havido a instauração da relação processual. De prescrição não parece tratar-se porque, ainda que não aforada no prazo de trinta dias, continua o devedor com o direito de propor a ação (recorde-se que o parágrafo 1º cuidade uma opção do devedor, o que não se compadece com o instituto da prescrição, de evidente força cogente).
A nosso ver, trata-se de prazo decadencial do direito de realizar eficazmente a oferta pela via prevista no art. 539. Parece claro que, tendo havido a recusa e não tendo ocorrido a propositura da ação no prazo de 30 dias o que ocorre é que a presunção de que a oferta foi realizada desaparece (parece induvidoso que o depósito da soma devida configura oferta real). Passa a haver necessidade de demonstrar a mora accipiendi.
Nem o depósito nem a consignatória, é bom que seja recordado, inibem a propositura da competente ação de execução, se o credor dispuser de título executivo, em face da norma contida no § 1º do art. 784 do CPC/15.
Na inicial, agora, além dos requisitos do art. 319 do CPC que sejam aplicáveis à espécie, o autor requererá o depósito da quantia ou coisa devida (que deve ser realizado no prazo de cinco dias contados do deferimento, sob pena de extinção do processo sem resolução de mérito) ressalvada a hipótese do § 3º do artigo 539, em que o autor já terá depositado a importância em conta bancária, à disposição do credor. Nessa circunstância, a inicial já deverá vir acompanhada da prova do depósito e da recusa, fornecida pela instituição financeira; deverá requerer, também, a citação do réu para levantar o depósito ou oferecer contestação.
Quanto ao prazo para oferecer resposta, é bom observar que, à falta de regra específica, será o comum, de 15 dias. Na resposta, poderá alegar que: (i) não houve recusa ou mora em receber a quantia ou coisa devida; (ii) foi justa a recusa; (iii) o depósito não se efetuou no prazo ou no lugar do pagamento; e (iv) o depósito não foi integral.
No parágrafo único do artigo 544, merece especial atenção o fato de que o réu tem de indicar montante que entende devido, isto se sua contestação arguir que o depósito não foi integral. Casa-se a regra com a do art. 545 que permite ao autor complementar o depósito que tenha sido feito a menor.
O § 1º do art. 545 contém regra que deve ser entendida cum grano salis: o levantamento do depósito feito a menor só é possível se a defesa do credor se fundar exclusivamente nessa circunstância ou em defesas processuais de caráter meramente dilatório. Se se tratar de outras defesas de conteúdo material ou processual de caráter peremptório, cumuladas com insuficiência do depósito, que possam conduzir à total improcedência do pedido, não é de ser deferido o levantamento.
A regra do § 2º, na hipótese que regula, transforma a ação de consignação em pagamento numa espécie de actio duplex. De fato, é de comum ensinança que as sentenças que dão pela improcedência do pedido são declaratórias negativas. Negam a pretensão do autor e não atribuem qualquer direito ao réu (ressalvada a condenação na verba honorária, ressarcimento de despesas com o processo e condenação em litigância de má-fé).
No artigo sob exame, a ser seguida a mencionada regra geral, se insuficiente o depósito para exonerar o consignante da obrigação, seria de dar-se simplesmente pela improcedência do pedido. O legislador, nesse caso, inverte os pólos da relação e transforma o réu em autor (sem pedido, mas com pretensão condenatória). A parte inicia o processo na qualidade de ré e termina como detentora de um título executivo judicial que é fruto do exame e decisão sobre uma relação jurídica de direito material.
Especial hipótese de consignação ocorre quando o devedor tem dúvida sobre a quem deva pagar. Nessa circunstância, deverá proceder ao depósito e requerer a citação de todos os possíveis titulares do crédito para que venham a juízo demonstrar sua legitimação. Independentemente de quantos acorram ao chamado citatório, se não houver discussão quanto ao valor do depósito, o juiz deverá (i) declarar satisfeita a obrigação e o processo continuará apenas entre os supostos credores, se houver mais de um; ou (ii) determinar a entrega do valor depositado ao réu, se apenas um comparecer. Não comparecendo pretendente algum, o depósito realizado é convertido em arrecadação de coisa vaga, com regência parca no art. 746 do CPC/15, mas que sugere uma recompensa ao inventor (aquele que achou a coisa) e a entrega do saldo à União, ao Estado ou ao Distrito Federal.
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1 Lei 8.950 (recursos), Lei 8.951 (consignação em pagamento e usucapião), Lei 8.952 (processo de conhecimento e processo cautelar), Lei 8.953 (processo de execução),de 13 de dezembro de 1994, Lei 9.028 (capacidade postulatória da AGU) de 12 de abril de 1995, Lei 9.079 (ação monitória) de 14.07.95, Lei 9.139 (recurso de agravo) de 30.11.95 e Lei 9.245 (procedimento sumário) de 26.12.95.

2 Servimo-nos da publicação do Anteprojeto feita na Revista de Processo nº 43, jul/set 1986.
http://www.migalhas.com.br/ProcessoeProcedimento/106,MI230452,21048-Acao+de+consignacao+em+pagamento+no+novo+CPC