segunda-feira, 25 de maio de 2015

Consumidor que compra pela internet tem assegurado o direito de se arrepender

Quem nunca se arrependeu de uma compra por impulso que atire o primeiro cartão de crédito. De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a situação é muito frequente, mas poucos consumidores sabem que podem desistir da aquisição e receber seu dinheiro de volta, sem ter de dar nenhuma explicação, se a compra tiver sido feita por telefone ou pela internet. É o chamado direito de arrependimento, garantido pelo artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O dispositivo assegura que “o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de sete dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio”.
Seu parágrafo único estabelece que “se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados”.
Vale ressaltar que o direito de arrependimento não se aplica a compras realizadas dentro do estabelecimento comercial. Nessa hipótese, o consumidor só poderá pedir a devolução do dinheiro se o produto tiver defeito que não seja sanado no prazo de 30 dias. Essa é a regra prevista no artigo 18 do CDC.

Custo de transporte
Em caso de desistência da compra, quem arca com a despesa de entrega e devolução do produto? A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que esse ônus é do comerciante. “Eventuais prejuízos enfrentados pelo fornecedor nesse tipo de contratação são inerentes à modalidade de venda agressiva fora do estabelecimento comercial”, diz a ementa do REsp 1.340.604.
O relator do caso, ministro Mauro Campbell Marques, afirmou no voto que “aceitar o contrário é criar limitação ao direito de arrependimento, legalmente não previsto, além de desestimular tal tipo de comércio, tão comum nos dias atuais”.
A tese foi fixada no julgamento de um recurso do estado do Rio de Janeiro contra a TV Sky Shop S/A, responsável pelo canal de compras Shoptime. O processo discutiu a legalidade da multa aplicada à empresa por impor cláusula contratual que responsabilizava o consumidor pelas despesas com serviço postal decorrente da devolução de produtos.
Seguindo o que estabelece o parágrafo único do artigo 49 do CDC, os ministros entenderam que todo e qualquer custo em que o consumidor tenha incorrido deve ser ressarcido para que ele volte à exata situação anterior à compra.
Assim, a Turma deu provimento ao recurso para declarar legal a multa imposta, cujo valor deveria ser analisado pela Justiça do Rio de Janeiro.

Financiamento bancário
O consumidor pode exercer o direito de arrependimento ao contratar um empréstimo bancário fora das instalações do banco. A decisão é da Terceira Turma no julgamento de recurso especial referente a ação de busca e apreensão ajuizada pelo Banco ABN Amro Real S/A.
A ação foi ajuizada em razão do inadimplemento de contrato de financiamento, com cláusula de alienação fiduciária em garantia (em que um bem móvel ou imóvel é dado como garantia da dívida). A sentença negou o pedido do banco por considerar que o contrato foi celebrado no escritório do cliente, que manifestou o arrependimento no sexto dia seguinte à assinatura do negócio.
No julgamento da apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) afastou a aplicação do CDC ao caso e deu provimento ao recurso do banco.
A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou primeiramente que a Segunda Seção do STJ tem consolidado o entendimento de que o CDC se aplica às instituições financeiras, conforme estabelece a Súmula 297 do tribunal.
Sendo válida a aplicação do artigo 49, a relatora ressaltou que é possível discutir em ação de busca e apreensão a resolução do contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária.
Para Nancy Andrighi, após a notificação da instituição financeira, o exercício da cláusula de arrependimento – que é implícita ao contrato de financiamento – deve ser interpretado como causa de resolução tácita do contrato, com a consequência de restabelecer as partes ao estado anterior (REsp 930.351).

Em discussão
Para facilitar ainda mais o exercício do direito de arrependimento, o Ministério Público (MP) de São Paulo ajuizou ação civil pública com o objetivo de impor nos contratos de adesão da Via Varejo S/A, que detém a rede Ponto Frio, multa de 2% sobre o preço da mercadoria comprada em caso de não restituição imediata dos valores pagos pelo consumidor que desiste da compra. Pediu ainda inclusão de outras garantias, como fixação de prazo para devolução do dinheiro.
A Justiça paulista atendeu aos pedidos, e a empresa recorreu ao STJ, que ainda não julgou a questão. Com o início da execução provisória da sentença, a Via Varejo ajuizou medida cautelar pedindo atribuição de efeito suspensivo ao recurso especial que tramita na corte superior. Trata-se do AREsp 553.382.
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do caso, deferiu a medida cautelar por considerar que o tema é novo e merece exame detalhado do STJ, o que será feito no julgamento do recurso especial. O Ministério Público Federal recorreu, mas a Terceira Turma manteve a decisão monocrática do relator (MC 22.722).

Alteração do CDC
O direito de arrependimento recebeu tratamento especial na atualização do CDC, cujo anteprojeto foi elaborado por uma comissão de juristas especialistas no tema, entre eles o ministro do STJ Herman Benjamin. A mudança é discutida em diversos projetos de lei, que tramitam em conjunto.
O PLS 281/12 (o texto do substitutivo está na página 44) trata dessa garantia na Seção VII, dedicada ao comércio eletrônico. Atualmente em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, o projeto amplia consideravelmente as disposições do artigo 49, facilitando o exercício do direito de arrependimento. Há emenda para aumentar de sete para 14 dias o prazo de reflexão, a contar da compra ou do recebimento do produto, o que ocorrer por último.
O texto equipara a compra à distância àquela em que, mesmo realizada dentro da loja, o consumidor não tenha tido acesso físico ao produto. É o que ocorre muitas vezes na venda de automóveis em concessionárias, quando o carro não está no local.
Também há propostas para facilitar a devolução de valores já pagos no cartão de crédito, para obrigar os fornecedores a informar ostensivamente a possibilidade do exercício de arrependimento e para impor multa a quem não cumprir as regras.

Passagem aérea
Outra questão que ainda não tem jurisprudência firmada refere-se ao exercício do direito de arrependimento nas compras de passagens aéreas pela internet. O Idec defende que o artigo 49 do CDC também deve ser aplicado a esse mercado, mas não é o que costuma acontecer na prática, segundo o instituto.
O PLS 281 prevê a inclusão no código do artigo 49-A para tratar especificamente de bilhetes aéreos. O texto estabelece que, nesse caso, o consumidor poderá ter prazo diferenciado para exercer o direito de arrependimento, em virtude das peculiaridades do contrato, por norma fundamentada da agência reguladora do setor.
A agência, no caso, é a Anac (Agencia Nacional de Aviacao Civil), que já vem fazendo estudos técnicos sobre o tema e pretende realizar audiências públicas para receber contribuições da sociedade. Por enquanto, a Anac estabelece que é permitida a cobrança de taxas de cancelamento e de remarcação de passagens, conforme previsão no contrato de transporte.

http://stj.jusbrasil.com.br/noticias/185091718/consumidor-que-compra-pela-internet-tem-assegurado-o-direito-de-se-arrepender?utm_campaign=newsletter-daily_20150504_1116&utm_medium=email&utm_source=newsletter

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Hoje faz 127 anos que escravatura foi abolida no Brasil. Mas ela está aí, levando a atrocidades como a chacina de Unaí

Comemora-se (?) hoje o dia da abolição da escravatura. A Princesa Isabel deve estar remexendo no túmulo, ao saber que após mais de um século, as coisas continuam do mesmo jeito. Mas disfarçadas de trabalho legal.
Hoje os escravos não são mais açoitados no pelourinho e sequer vivem amontoados em senzalas. Tampouco chegam ao lugar de trabalho em navios negreiros. Não! A escravidão hoje se traveste de trabalho e assim alicia milhares de indivíduos brasileiros e estrangeiros a mergulharem num inferno do qual é difícil sair. Os trabalhadores escravos chegam de ônibus, de caminhão e no tão cantado pau-de-arara. Esses novos escravos são recrutados, primordialmente, no Maranhão, Piauí, Tocantins, Pará, Goiás, Ceará, Bahia e Minas Gerais. São trabalhadores que vivem na miséria total e caem no conto do trabalho certo e salário justo.
Há alguns anos atrás um juiz federal trabalhista paranaense, Dr. Cássio Colombo, denunciou o trabalho escravo em fazenda de renomado laticínio. Sofreu duas tentativas de assassinato, uma inclusive por atropelamento de lancha, bem ao estilo Rede Globo, que quase lhe decepou o pé. Mas não é novela, é a vida real que mudou a realidade daquilo que esse juiz vive em seu dia a dia. Após as frustradas tentativas, precisou andar escoltado e toda informação concernente a ele é bloqueada a qualquer pessoa. Em outras palavras, ao combater a escravidão, tornou-se escravo do desempenho de sua função, que é fazer justiça.
Parece uma loucura falar em escravidão em pleno século 21. Achamos que é coisa das arábias. Mas ela está aí, debaixo dos nossos olhos, nas roupas que vestimos, nos apartamentos que moramos, no trabalhador rural que planta, trata e colhe nosso alimento, no carvão que usamos no churrasco e até mesmo nas meninas exploradas pelas esposas de fazendeiros no serviço doméstico ou levadas à prostituição. A escravidão moderna possui sentido metafórico. Não se trata mais de compra ou venda de pessoas. Mas a expressão refere-se a relações de trabalho nas quais as pessoas são forçadas a exercer uma atividade contra sua vontade, sob ameaça, violência física e psicológica ou outras formas de intimidações. Muitas dessas formas implicam no uso de violência física brutal e constante e tortura.
Existem diversos acordos e tratados internacionais que abordam a questão do trabalho escravo. Dentre eles destacam-se as convenções internacionais de 1926 e a de 1956, que proíbem a servidão por dívida. Aqui no Brasil essas convenções entraram em vigor só em 1966 e foram incorporadas à legislação nacional. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) trata do tema nas convenções de números 29, de 1930, e 105 de 1957. Há também a declaração de Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho e seu Seguimento, de 1998.
Já em 2001 a OIT relatava que o trabalho forçado no mundo tem duas características em comum: o uso da coação e a negação da liberdade. No Brasil, o trabalho escravo resulta da soma do trabalho degradante com a privação de liberdade. Além do trabalhador ficar atrelado a uma dívida, tem seus pertences e documentos retidos e nas áreas rurais, normalmente fica em local geograficamente isolado, sem comunicação com o resto do mundo O atual conceito de trabalho escravo é universal e todo mundo sabe o que é e como acontece.
Mas o trabalho escravo existe também nas regiões metropolitanas. E aí adquire outra face e sua escala é menor. Nessas regiões os imigrantes ilegais são predominantemente latino-americanos e asiáticos, que trabalham dezenas de horas diárias, em confecções montadas num muquifo qualquer, sem folga, sem qualquer estrutura e com baixíssimos salários. São as chamadas “oficinas de costura”.
Vemos então, que apesar da escravidão ter sido abolida no Brasil em 13 de maio de 1888, portanto já há 127 anos, ela continua existindo e desde 1995 o governo brasileiro admitiu a existência de condições de trabalho análogas à escravidão. Para a erradicação do trabalho escravo há de se exigir o cumprimento das leis, porém isso não tem sido suficiente. Apesar das aplicações de multas, corte de crédito rural ao agropecuarista infrator ou de apreensões das mercadorias nas oficinas de costura, utilizar o trabalho escravo é um bom negócio para muitos fazendeiros e empresários. Barateia tremendamente os custos da mão de obra, o que faz valer a pena, quando flagrados, os infratores pagarem os direitos trabalhistas que haviam sonegado aos explorados. E a coisa para por aí. Nada mais acontece.
Como países que mantém trabalho escravo em seu território sofrem severas sanções comerciais, o Brasil criou em agosto de 2003, a Comissão Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE), órgão vinculado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, que tem a função de monitorar a execução do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Lançado em março daquele ano, o Plano contém 76 ações, cuja responsabilidade de execução é compartilhada por órgãos do Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público, entidades da sociedade civil e organismos internacionais. Mas daí a erradicar o trabalho escravo, são outros quinhentos réis.
Assistimos no governo Lulla, o presidente pedir desculpas ao povo africano, pelo sofrimento que impusemos a seus antepassados. Discurso, só discurso demagógico, pois ele nada fez em favor dos milhares de trabalhadores que são levados ao cativeiro pelos empreiteiros, conhecidos como “gatos”. Essas pessoas viajam de cidade em cidade à procura de “presas”. E procuram caçar os futuros escravos longe do local onde eles irão trabalhar. Assim fica mais fácil esconder a verdade e o trabalhador não tem como fugir. Fisgam suas presas com a promessa de um bom trabalho, salário, alojamento e alimentação, e oferecem um adiantamento em dinheiro para ninguém recusar a oferta. Mas a realidade é bem diferente. No local da labuta o trabalhador se depara com maus tratos, fome, salário retido quase que integralmente sob o pretexto de que é preciso ressarcir o patrão pelas despesas feitas com a sua viagem. Torna-se escravo de uma dívida infinita. Ao tentar deixar o trabalho, é castigado e muitas vezes levado à morte. O trabalhador escravo perde o direito constitucional, garantido pelo art. da Constituição Federal, de igualdade, liberdade, segurança. Esse artigo em seu caput e incisos I, II e II diz:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III - ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art. 1º preconiza que:
“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.
Além disso, nosso Código Penal, em seu art. 149, tipifica o crime de escravidão, assinalando que:
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:(Redação dada pela Lei 10.803, de 11.12.2003)
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei 10.803 de 11.12.2003)
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei 10.803 de 11.12.2003)
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei 10.803. De 11.12.2003)
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.(Incluído pela Lei 10.803 de 11.12.2003)
Até mesmo nossa Consolidação das Leis do Trabalho proíbe o empregador de manter o empregado no trabalho em servidão por dívida (também conhecida como prática do “truck system”). Essa é uma das formas mais conhecidas de escravidão no Brasil contemporâneo. Nos dias atuais a legislação trabalhista brasileira é uma das mais avançadas no concernente à proteção do salário e da remuneração do trabalho, está presente em todo capítulo II do título IV da Consolidação das Leis Trabalhistas, e também em outras leis esparsas.
A prática do “truck system” é vedada nos art. 462, §§ 2º e da CLT; o art. 463 da CLT prevê o pagamento do salário em espécie, em moeda corrente do país. Além de também de não respeitar os princípios da pessoalidade do salário (art. 464 da CLT), da intangibilidade salarial (art. 462, caput, da CLT) e da irredutibilidade do salário previsto no art. , inciso VI da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988.
Vemos que a legislação brasileira é rica, ampla, mas não é cumprida. A tipificação do crime é um avanço, pois existindo uma legislação, caso alguém seja culpado por tais atrocidades, poderá ser condenado, com base nas leis citadas acima. Mas pouca coisa muda diante dessas leis. Após assumir perante a ONU, em 2004, que ainda existe trabalho escravo no Brasil, o Governo elaborou uma “lista suja”, com os nomes das empresas e fazendeiros que fazem uso de mão de obra escrava. Eram, ao todo, 568 empresas. Mas de que valeu isso? Muitas delas obtiveram liminares na justiça e tiveram seus nomes extirpados da lista. E a lista, que era uma das poucas ações efetivas no combate à escravidão, foi suspensa em dezembro do ano passado quando o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, decidiu sozinho a favor de um pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), organização que reúne algumas das principais empreiteiras do país, como MRV Engenharia, Moura Dubeux, Odebrecht e outras. A lembrar, a Odebrecht foi denunciada pelo Ministério Público do Trabalho, por manter 500 trabalhadores em condições análogas à escravidão em construção em Angola. A ação foi iniciada após uma reportagem da BBC Brasil que revelou denúncias de maus tratos na obra. A construtora teria praticado ainda tráfico de pessoas no transporte de operários até a usina Biocom, na província de Malanje. A denúncia, entregue à Justiça do Trabalho de Araraquara (SP) pelo procurador Rafael de Araújo Gomes, pede que a Odebrecht pague uma indenização de R$ 500 milhões por danos coletivos aos trabalhadores. O procurador notificou a Polícia Federal e o Ministério Público Federal para que dirigentes da empresa e de suas subcontratadas respondam criminalmente.
A Odebrecht disse que só pronunciaria sobre o caso após ser notificada judicialmente. Normalmente, a notificação judicial ocorre alguns dias úteis após o Ministério Público protocolar a ação. Mas, com as interrupções de serviços públicos ocorridas por conta dos jogos da Copa do Mundo, esse prazo foi ampliado. Três empresas do grupo Odebrecht são rés na ação, que tem 178 páginas e envolveu extensa investigação: a Construtora Norberto Odebrecht (CNO), a Olex Importação e Exportação e a Odebrecht Agroindustrial (antiga ETH Bioenergia).
Em dezembro de 2013, a reportagem da BBC mostrou situações em que operários diziam ter sido submetidos a maus tratos na construção da usina Biocom, entre 2011 e 2012. Dezenas de fotos e vídeos cedidos à reportagem mostravam o que seriam péssimas condições de higiene no alojamento e refeitório usados pelos trabalhadores. Afirmaram ainda que funcionários que trabalhavam na segurança da empresa impediam que eles deixassem o alojamento e que tinham seus passaportes retidos por superiores após o desembarque em Angola. De acordo com os operários, muitos adoeciam – alguns gravemente – em consequência das más condições, e pediam para voltar ao Brasil. Alguns dizem ter esperado semanas até conseguir embarcar. Segundo a ação do Ministério Público do Trabalho, braço do Ministério Público da União, "os trabalhadores, centenas deles, foram submetidos a condições degradantes de trabalho, incompatíveis com a dignidade humana, e tiveram sua liberdade cerceada, sendo podados em seu direito de ir e vir". Diz a denúncia, que "foram tratados como escravos modernos, com a agravante de tal violência ter sido cometida enquanto se encontravam isolados em país estrangeiro distante, sem qualquer capacidade de resistência".
Após voltar ao Brasil, dezenas de operários entraram na Justiça contra a Odebrecht e suas subcontratadas na obra. A Justiça tem reconhecido que eles foram submetidos a condições degradantes e ordenados subfaturados, o que faz que sejam indenizados. O MPT diz que, embora os trabalhadores não fossem empregados da Odebrecht, mas de empresas subcontratadas pela construtora – entre as quais a Planusi, a W Líder e a Pirâmide –, a responsabilidade pelas condições na obra era inteiramente da Odebrecht, conforme definido nos contratos entre as companhias.
A denúncia lista uma série de ilegalidades que, segundo o MPT teriam sido cometidas pela Odebrecht no envio dos trabalhadores a Angola. De acordo com o órgão, as empresas subordinadas à companhia recorreram a agenciadores ilegais ("gatos") para recrutar operários em diferentes regiões do país, especialmente no Nordeste. A prática, diz a denúncia, constitui crime de aliciamento. Após o recrutamento, segundo a denúncia, ocorria outra irregularidade: em vez de solicitar à embaixada de Angola vistos de trabalho aos operários, a Odebrecht pedia vistos ordinários, que não dão o direito de trabalhar. Para obter os vistos, segundo o MPT, a Odebrecht "desavergonhadamente mentiu à embaixada de Angola", dizendo que os operários viajariam ao país para "tratar de negócios" e permaneceriam ali menos de 30 dias (limite de estadia do visto ordinário). No entanto, diz a Procuradoria, as passagens aéreas compradas pela Odebrecht previam a volta dos trabalhadores em prazos bem superiores a 30 dias.
Diz o MPT que a empresa recorreu ao esquema para "contar com trabalhadores precários e inteiramente submetidos a seu jugo, incapazes de reagir ou de reclamar das condições suportadas, impossibilitados de procurar outro emprego, e que sequer pudessem sair do canteiro de obras". A prática, segundo o MPT, sujeitou os trabalhadores a graves riscos em Angola, inclusive o de prisão, e violou tratados internacionais contra o tráfico humano.
Ratificado pelo Brasil em 2004, o Protocolo de Palermo engloba, entre as definições para a atividade de tráfico, o recrutamento e transporte de pessoas mediante fraude ou engano para fins de exploração em "práticas similares à escravatura".
Como já dissemos, a “lista suja” criada em 2003 divulgava os nomes das empresas que foram autuadas pelo uso do trabalho análogo ao escravo a partir da fiscalização do Ministério do Trabalho, e que tiveram estas autuações confirmadas após um processo administrativo. Normalmente auditores fiscais do trabalho realizam ações periódicas em que conferem as condições de trabalhadores em fazendas, obras e fábricas. Ao encontrarem irregularidades que afrontam a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)-e também outros acordos e convenções sobre o trabalho que o Brasil assinou, os fiscais autuam os empregadores. Em seguida é aberto um processo administrativo trabalhista, em que a empresa tem a oportunidade de defender-se em primeira e segunda instância. Caso o Ministério do Trabalho confirme a infração – e a caracterize como condição análoga ao trabalho escravo – determina que a empresa pague multas, assuma compromissos e tenha seu nome colocado na lista. "A lista é simplesmente um instrumento de transparência da ação do Estado, que tem a obrigação de fiscalizar e garantir direitos trabalhistas", afirma Mércia Silva, do Instituto Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Inpacto)
A relação das empresas é publicada no site do Ministério do Trabalho, que também comunica as infrações à Polícia Federal, ao Ministério Público Federal, à Advocacia Geral da União e ao Ministério Público do Trabalho, que podem entrar com outras ações e processos. O Código Penal Brasileiro determina que reduzir alguém à condição análoga a de escravo é crime. "O violador está sujeito a ação penal, ação administrativa trabalhista e até ação civil, pelos funcionários", explica o subprocurador-geral da República Oswaldo José Barbosa Silva.
Depois de três meses suspensa por decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF)- na qual o ministro Ricardo Lewandovski, decidiu sozinho pela suspensão imediata da lista durante o recesso de final de ano da corte, a chamada "lista suja" do trabalho escravo volta a ser publicada, após uma manobra do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH). O Ministério e a Secretaria assinaram uma nova Portaria Interministerial que atualiza as regras para a publicação da lista, tornando ineficaz a anterior, que foi afetada pela liminar do STF.
Presume-se que hoje, em nosso país existam de 25 a 40 mil pessoas em situação de escravidão rural. Delas, 40% estão no Maranhão. Com pequena diferença vem Minas Gerais, Pará, Bahia e Goiás.
Na verdade a escravatura deveria ser considerada um crime hediondo. Por 15 anos correu no Senado a PEC do Trabalho Escravo. Se por um lado muitos ruralistas diziam que havia exagero por parte dos fiscais e que muitas das infrações trabalhistas não configuravam cerceamento de liberdade, por outro, entidades defendiam uma punição exemplar quando houvesse flagrante desrespeito à dignidade do trabalhador, que muitas vezes é e era tratado como uma coisa e não como um ser humano. A batalha também foi travada no Congresso. Quinze anos após ser apresentada, a chamada PEC do Trabalho Escravo ainda estava aguardando para passar pelas duas últimas votações. A proposta de emenda à Constituição alterava seu artigo 243, determinando que as propriedades rurais e urbanas de qualquer região do país onde for flagrada a exploração de trabalho escravo sejam expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Além disso, prevê que todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência dessa exploração seja confiscado e revertido a fundo especial. Seria uma maravilha, se fosse logo votada e aprovada e colocada em execução. Mas o que vimos é que interesses escusos a empurraram, ano após ano, para não ir a plenário. Vejamos: Em 18 de Junho de 1999, a PEC foi protocolada pelo senador Ademir Andrade. Demorou dois anos para chegar ao Congresso, onde, em 31 de Outubro de 2001, foi aprovada em segundo turno, por unanimidade. Onze (!) anos depois, em 22 de maio de 2012, ela foi aprovada, com mudanças no texto original em segunda votação na Câmara. Três dias após a aprovação, ela foi enviada de volta ao Senado, após a inclusão das propriedades urbanas dentre as que devem ser confiscadas. Foi aí que se transformou na PEC 57-A. Desde 25 de março de 2014 estava aguardando inclusão na ordem do dia. Finalmente em 06 de Junho foi aprovada, transformada em emenda constitucional nº 81, mas de pouca aplicação por enquanto, pois ainda depende de apreciação.
Deputados federais e senadores, eleitos por nós, ficam discutindo acerca do termo “trabalho escravo”. Enquanto uns acham que sua definição é muito clara em nossas leis, outros acham que ela dá margem a interpretações errôneas dos fiscais, nas operações de libertação. E assim a coisa foi rolando, ano após ano, ao mesmo tempo em que deputados como Moreira Mendes afirmam que “essa história de trabalho escravo no Brasil é discurso ideológico. Precisamos colocar isso às claras pois estão destruindo empresas e pessoas injustamente”. Que estão destruindo pessoas, eu concordo. Principalmente tratando-os de forma degradante e utilizando-os como simples ferramentas de trabalho.
A PEC 57-A acabou sendo votada, como já disse, no ano passado, num momento histórico, em que a chacina de Unaí completava dez anos. Transformou-se na Emenda Constitucional 81. Na chacina, funcionários do Ministério do Trabalho – três auditores fiscais e um motorista – foram mortos numa emboscada quando investigavam denúncia de trabalho escravo em fazendas da região. Os acusados de serem os mandantes do crime, fazendeiros do local, não foram julgados até hoje. Dos nove indiciados, apenas três foram condenados. Os outros curtem sua liberdade e ameaçam novas equipes de fiscalização. O caso fez com que a segurança dos grupos móveis de fiscalização, criados em 1995, fosse colocada em xeque. Compostos de auditores fiscais e procuradores do trabalho, eles dificilmente saem hoje sem o apoio de policiais federais ou rodoviários federais. E libertam crianças que trabalham de forma escrava em carvoarias no interior de São Paulo e Mato Grosso, bolivianos que trabalham 18 horas ininterruptas em confecções, haitianos que se esfalfam nas construções e no desmatamento amazônico, chineses que são obrigados a vender artigos contrabandeados, e por aí afora. E a PEC 57-A, apesar de ter virado emenda constitucional, não contém a escravidão.
Dos setores que mais utilizam trabalho escravo, a construção civil lidera largamente essa área. Isso tem acontecido nos últimos anos, quando houve o “boom” do setor. Aí, passou-se a libertar 56% de pessoas em áreas urbanas e 44% em áreas rurais, informa a Comissão Pastoral da Terra que combate largamente a escravidão. Segundo Xavier Plassat, coordenador do combate ao trabalho escravo da CPT, “O trabalho escravo não acabou no meio rural. O que começou na zona urbana foi uma atenção maior da fiscalização a diferentes cadeias produtivas críticas, um investimento e um olhar mais aguçado para identificar as condições degradantes do trabalho”. Vemos que houve uma inversão, com as áreas urbanas arregimentando mais escravos que a rural.
Estima-se hoje que 300 mil bolivianos, 70 mil paraguaios e 45 mil peruanos estejam vivendo na região metropolitana de São Paulo, a maioria sujeita a condições de trabalho análogas à de escravo. Um total de 128 bolivianos e um peruano foram resgatados no Estado de São Paulo, que concentra o maior contingente de trabalhadores estrangeiros do país. Todos eles foram encontrados em oficinas de costura ilegais, terceirizadas por confecções contratadas por marcas conhecidas, como Zara, Cori, Emme e Luigi Bertolli.
Segundo Renato Bignami, coordenador do programa de Erradicação do Trabalho Escravo da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em São Paulo, o número de estrangeiros resgatados no Estado vem aumentando.
Mas se bolivianos, paraguaios e peruanos são maioria por aqui, no Acre os haitianos dominam a paisagem. Segundo Luiz Machado, Coordenador Nacional do Programa de Combate ao Trabalho Forçado e Tráfico de Pessoas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o número de estrangeiros resgatados não ilustra a realidade porque esses trabalhadores têm medo de serem encontrados, o que resulta em poucas denúncias. “É só a ponta de um iceberg”, diz Machado. E Bignami concorda com ele ao declarar: “Era só uma questão de tempo. Esses trabalhadores de países pobres com problemas recentes, como o terremoto no Haiti, acham que o Eldorado é no Brasil. Já sabíamos que essa mão de obra estava sendo muito aproveitada pela construção civil, mas para confecção ainda não”, afirma o auditor fiscal. E complementa: “O fato de o trabalhador ser estrangeiro alimenta o sistema, porque se baseia na vulnerabilidade da pessoa, que fica escondida, não reclama”. Até agora, cinco grandes redes varejistas têxteis foram responsabilizadas diretamente por trabalho em condição análoga à de escravo: Lojas Marisa, Pernambucanas, Gregory, Zara e Gep. A Zara recebeu ontem, dia 12 de maio, nova multa no valor de R$ 840 mil, por manter peruanos e bolivianos trabalhando em condições precárias. A informação foi veiculada pelo Jornal Valor Econômico.
E assim, atropelando a Constituição Federal, o Código Penal e a CLT, vamos empurrando a vida, fazendo vista grossa à exploração do trabalho escravo, mesmo sabendo que 46.478 pessoas haviam sido libertadas até 2013, conforme dados do MPT.
Mas sabemos também que a cada dia, mais de cinco pessoas são libertadas, em média, no país. Dados do Ministério do Trabalho tabulados pelo Portal G1 mostram que nos últimos cinco anos, Minas Gerais lidera a lista de estados com resgates (2.000), seguido por Pará (1.808), Goiás (1.315), São Paulo (916) e Tocantins (913). Triste realidade brasileira. Devíamos nos lembrar sempre do art. 149 do Código Penal que define claramente o que determina a condição de trabalho análogo ao de escravo: condições degradantes de trabalho (situações que colocam em risco a saúde e a vida do trabalhador); jornada exaustiva; trabalho forçado e servidão por dívida. Ou nos calarmos ao cantar o Hino da Independência, composto por Evaristo da Veiga e D. Pedro I, principalmente na parte que diz: “Já raiou a Liberdade, Já raiou a Liberdade, No Horizonte do Brasil.” Devíamos nos ater à parte que fala sobre “os grilhões que nos forjava da perfídia astuto ardil.” E nada mais diante de tão degradante situação. Então, hoje é dia 13 de maio, o que temos para comemorar?

Publicado por Guilherme Credidio
http://guilhermecredidio.jusbrasil.com.br/artigos/188195745/hoje-faz-127-anos-que-escravatura-foi-abolida-no-brasil-mas-ela-esta-ai-levando-a-atrocidades-como-a-chacina-de-unai?utm_campaign=newsletter-daily_20150514_1165&utm_medium=email&utm_source=newsletter 

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Viajante que perde voo por fazer check-in tarde não será indenizado

Passageiro que perde vôo internacional por não ter feito check-in com duas horas de antecedência, conforme recomendado pela companhia aérea, não deve ser indenizado.
Com esse entendimento, o 2º Juizado Especial Cível de Brasília (DF) julgou improcedente o pedido de indenização de passageiro que se registrou quando faltava 1h15 para o voo, mas o perdeu pela ocorrência de overbooking. Ele havia comprado uma passagem da companhia TAM.
A juíza entendeu que o passageiro deverá se apresentar no check-in com, no mínimo, duas horas de antecedência ao horário previsto para a partida da aeronave, para voos internacionais, e caso não se apresente para o voo ou chegue atrasado para o check-in ou embarque, perderá seu bilhete, ou poderá remarcá-lo para outra data, de acordo com regras aplicadas na tarifa.
Com isso, a juíza decidiu que o autor descumpriu as regras estabelecidas pela companhia aérea, e deve “responsabilizar-se pelas consequências do seu atraso”. Cabe recurso da sentença. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-DF.

Clique aqui para ler a decisão.
Processo 0702781-12.2015.8.07.0016
Revista Consultor Jurídico, 3 de maio de 2015.
http://www.conjur.com.br/2015-mai-03/viajante-perde-voo-check-in-tarde-nao-indenizado