quinta-feira, 18 de junho de 2015

Responsabilidade civil por dano causado ao nascituro possibilidades de reparação no direito brasileiro


Sumário: 1. Introdução; 2. Visão geral sobre responsabilidade civil; 3. Responsabilidade extracontratual; 4.A tutela jurídica do nascituro; 4.1. Considerações gerais; 4.2. Correntes doutrinárias; 5. Dano moral e a questão do nascituro: possibilidades; 5.1. Fundamentos do dano moral; 5.2. Dano moral causado ao nascituro; 6. Entendimento jurisprudencial; 7. Conclusões; 8.Notas; 9.Referências bibliográficas.

1.INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo analisar a questão do dano moral causado ao nascituro, investigando sob que formas e em que casos este poderia ser indenizado. Não seria completo, no entanto, sem um estudo, ainda que breve, sobre a personalidade jurídica do nascituro. Dependendo da posição doutrinária adotada, a aplicação dos princípios da responsabilidade civil toma rumos díspares, variando entre pólos extremos.

Ao unir dois temas tão palpitantes, nos deparamos ora com o conservadorismo, ora com as interpretações leigas e não-jurídicas. A realidade jurisprudencial, ao invés de apontar caminhos seguros, também mostra uma série de contradições.

Enquanto a questão da reparabilidade do dano moral demorou anos para ser pacificada, a tutela dos direitos do nascituro no Brasil ainda esbarra em dificuldades criadas pela própria ordem jurídica. Embora surjam a cada dia novas idéias acerca da personalidade do nascituro e os avanços tecnológicos sejam crescentes, os tribunais brasileiros demonstram pouca flexibilidade para a mudança de seus entendimentos.

Havendo dano moral ao ainda não nascido, as incertezas aumentam assustadoramente. Não há qualquer intenção clara dos juízes em definir posicionamentos sobre a matéria, o que leva Silmara Chinelato e Almeida a afirmar que, "pelo menos no Brasil, a jurisprudência nega a indenização pela morte do nascituro, embora reconheça que a morte de animais, por culpa extracontratual ou culpa contratual, deva ser indenizada".(1)

Além de mostrar o atual pensamento doutrinário sobre o início da personalidade e a questão do nascituro, buscamos relacionar este tema com a possibilidade de indenização por dano moral no direito brasileiro, exemplificando o entendimento jurisprudencial dominante no país.
2.VISÃO GERAL SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL
As ordens jurídicas, em todas as épocas, e em grande parte das civilizações, depararam-se com a árdua missão de regular os fatos mais importantes da vida das coletividades. Pode-se dizer que, inicialmente, o Direito surge nas sociedades humanas como instrumento de coercitividade e poder, ainda que sob a égide de supostas influências divinas.
As condutas humanas, valorizadas positiva ou negativamente pelo corpo social, são objeto de julgamento pelos órgãos coercitivos, mesmo dispersos e não-organizados. Vemos que, na grande maioria das culturas, a vida sempre foi elevada ao status de bem jurídico máximo. Para sua proteção, foram criados regimes que, de forma essencialmente retributiva, puniam o homicídio com o banimento, suplícios ou a própria vida do ofensor.

Com a intensificação das relações privadas de comércio e a crescente valorização da propriedade, esta tornou-se também objeto de proteção jurídica. O dano a bens materiais, mesmo não atacando pessoalmente o dono, deveria ser punido. Daí advém, v.g. os ancestrais crimes de furto, usurpação e dano.

Desde legislações antiquíssimas como o Código de Hamurabi, e com maior intensidade no Direito Romano, construiu-se um princípio que orienta para a preservação tanto do outro como de seu patrimônio: o neminem laedere, ou seja, "não prejudicar a ninguém".(2) Sobre esta orientação, quase universal nos dias de hoje, fundamenta-se o instituto da responsabilidade civil.

Etimologicamente, o termo "responsabilidade" se origina do latim respondere, responder a alguma coisa.(3) Significa imputar a alguém as consequências de certos atos por ele praticados. Quando estão de acordo com a ordem jurídica não há questionamento mas, estando em oposição às normas, adquirem outra dimensão. É justamente a verificação de responsabilidade por atos ilícitos (ou defesos por convenção das partes) o tema principal do instituto em análise.

Todavia, a responsabilidade civil não se resume a imputar deveres jurídicos sucessivos, oriundos da violação da ordem(4), mas também a regular a indenização dos prejuízos advindos destas condutas. Logo, seus pressupostos máximos, tanto da modalidade subjetiva como da objetiva, são a ação ou omissão ilícita (ou contrária a acordo das partes), o dano a ser reparado e o nexo de causalidade entre ambos.

Note-se que sem a ocorrência do dano não há que se falar em responsabilidade civil do agente pois, segundo Vedel, esta consiste "na obrigação imposta, em certas condições, ao autor de um prejuízo, de repará-lo, quer in natura, quer em algo equivalente"(5)

Segundo a doutrina brasileira mais respeitada (Sílvio Rodrigues, Serpa Lopes, José de Aguiar Dias), a responsabilidade civil é, a grosso modo, o dever obrigacional de reparar o prejuízo causado. É uma forma de restabelecer, quando possível, o status quo antem. Quando não, a indenização tem caráter reparatório ou até mesmo compensatório, no caso de dano moral.

É importante salientar que a responsabilidade civil não se confunde com a penal. Esta considera o dano causado a outrem como agressão à paz social, sendo a sanção imposta em nome de toda a coletividade, sem caráter de reparação imediata. Já aquela é essencialmente privada, tendo a consequência do ilícito pouquíssima relevância para os que não estão diretamente envolvidos. As duas formas, penal e civil, podem se reunir num só caso (v.g. dano à propriedade alheia, erro médico que acarreta graves sequelas), mas não se fundem, como prevê textualmente o Código Civil, em seu art. 1.525. Pode, no entanto, o autor ser obrigado a reparar os prejuízos e, além disso, ser penalizado criminalmente.

Também relevante é a distinção entre responsabilidade civil subjetiva e objetiva. Funda-se na consideração ou não da culpa lato sensu como elemento essencial para a configuração do dever de restituir.

Num primeiro momento, grande parte dos doutrinadores consideraram que, para a formação da obligatiodecorrente, o ato deveria ser doloso ou culposo. Todavia, o desenvolvimento industrial e tecnológico criou situações que, mesmo acarretando prejuízos, não tinham amparo no conceito tradicional de culpa. A reação doutrinária a este dilema veio com a teoria revisionista da responsabilidade, que desconsiderava a visão subjetiva (incluindo a consideração da culpa). As noções objetivas de risco e perigo substituiriam a culpabilidade do agente, valorizando mais o nexo causal e o próprio dano.(6)

Não houve, no entanto, a substituição plena. Hoje a responsabilidade objetiva convive com a subjetiva, sendo aplicada em casos determinados, dada a impossibilidade ou deficiência da utilização da culpa como dado caracterizador da responsabilidade.

O Código Civil não fugiu a esta idéia, consolidando a teoria subjetiva em seu art. 159. O ponto de vista objetivo, ainda que não dominante, é utilizado em casos previstos por lei. Como exemplo, temos a responsabilidade objetiva em relação aos direitos do consumidor ( Lei nº 8.070/90, art. 12), e do Estado pelos danos causados por seus agentes (CF, art. 37, §6º).

3. Responsabilidade extracontratual

Ao conceituar e classificar a responsabilidade civil, uma distinção torna-se fundamental, pela série de implicações jurídicas que gera: a da responsabilidade contratual e extracontratual. Esta última é, e nisso procede a afirmação de Orlando Gomes, "o aspecto mais interessante da teoria dos atos ilícitos".(7)

A responsabilidade contratual está alicerçada, sem dúvida, no inadimplemento, na "quebra" de um acordo feito previamente. Preexiste neste caso um vínculo obrigacional, do qual o dever de indenizar surge como consequência do não-cumprimento. O ilícito tem uma dimensão restrita: é negocial, sendo o contrato a fonte do dever jurídico sucessivo.

Já na responsabilidade extracontratual, não há qualquer vínculo anterior que una o causador do dano (ou o responsável) à vítima. Há tipicamente a responsabilidade por ato ilícito, sem pré-constituição de fonte negocial. Como precisamente afirma Ricardo Pereira Lira, "ilícito extracontratual é, assim, a transgressão de um dever jurídico imposto pela lei, enquanto que ilícito contratual é violação de dever jurídico criado pelas partes no contrato.(8)

Embora haja, de forma discreta, uma teoria monista quanto à origem do dever de indenizar, predomina a tese dualista ou clássica, adotada pelo Código Civil brasileiro. Este reserva à modalidade extracontratual o art. 159, enquanto o art. 1.056 trata da responsabilidade oriunda dos contratos. Note-se que o primeiro situa-se em Título referente aos atos ilícitos, enquanto o segundo tem sua sede em Capítulo que trata da inexecução das obrigações. Não há, portanto, que se falar em identidade das duas categorias, embora teoricamente o estudo possa ser unificado.

4. A TUTELA JURÍDICA DO NASCITURO

4.1. Considerações gerais

A disciplina jurídica das pessoas (naturais ou jurídicas) sempre ocupou lugar de destaque na teoria geral do Direito Civil. É assunto que desde a Roma antiga atrai discussão e polêmicas, por seu caráter essencial na ordem jurídica. E, dentro deste campo de estudo, situa-se um tema dos mais árduos, com posições divergentes ao extremo e nenhuma perspectiva de solução: a personalidade (ou não) do nascituro.

Ao abordar a questão sob o viés da responsabilidade civil, diminuem substancialmente as possibilidades de obtenção de uma resposta segura. Unem-se dois grandes problemas: definir quando surge a personalidade jurídica do ser humano e, num segundo momento, avaliar as hipóteses de reparação de eventuais danos causados.

De início, é preciso conceituar o que seria o nascituro. Etimologicamente significa "o que está por nascer". Para Pontes de Miranda, seria "o concebido ao tempo em que se apura se alguém é titular de um direito, pretensão, ação ou exceção, dependendo a existência de que nasça com vida".(9) Silmara Chinelato e Almeida o define como "pessoa por nascer, já concebida no ventre materno (in anima nobile), a qual são conferidos todos os direitos compatíveis com sua condição especial de estar concebido no ventre materno e ainda não ter sido dado à luz.".(10)

Com o grande avanço experimentado na Biologia e principalmente na Engenharia Genética, vemos que hoje o conceito de nascituro é bem mais técnico. Engloba o feto, o embrião e, para alguns, o próprio zigoto.(11)

Dentre este leque de possibilidades, destaca-se o entendimento da Prof. Silmara Chinelato. Pare ela, o nascituro surge com o fenômeno da nidação, ou seja, da fixação do ovo na parede do útero materno. Com isso sua viabilidade estaria garantida, num estágio de sobrevida. Vale também salientar que esta posição não confere ao embrião fertilizado in vitro, mas ainda não implantado no organismo materno caráter de nascituro, já que a gravidez é elemento essencial para a configuração da viabilidade.(12)

Mais importante que definir o que seja nascituro é analisar sua proteção jurídica no decorrer da história. No Direito Romano, o início da personalidade jurídica se dava com o nascimento, não se considerando o não-nascido como sujeito de direitos. Era antes parte do corpo da mãe, portio mulieris vel viscerum.(13)

No campo do direito comparado, destacam-se alguns exemplos antigos e modernos de tutela jurídica do nascituro. Interessante, por exemplo, é a opção feita pelo Código Espanhol que, em seu art. 30, afirma que a personalidade só tem início se o recém-nascido tiver "forma humana" e viver por 24 horas (art. 30). Em certos casos não há que se falar em nascituro ou pessoa, mas em monstro, um ser aberrante e defeituoso. Esta exigência de "normalidade" vem sendo combatida veementemente, por criar situações absurdas (v.g. deficiente físico sem personalidade) e não aceitar os avanços da medicina no tratamento de malformações congênitas.

Já o Código Civil argentino, de forma extremamente progressista, afirma em seu art. 70 que a personalidade jurídica da pessoa humana se inicia com a concepção. No entanto, em outros dispositivos deste Código, percebe-se que o legislador não concedeu plenitude à "pessoa por nascer", vinculando sua existência ao nascimento com vida. Há, portanto, a aquisição condicional de direitos, sob a dependência do nascimento.(14)

4.2.Correntes doutrinárias

Para explicar a natureza jurídica do nascituro, surgiram diversos posicionamentos, variando entre pólos opostos. Tradicionalmente, a doutrina divide-se em três grandes grupos: natalista (defende que a personalidade tem início a partir do nascimento com vida), concepcionista (personalidade a partir da concepção) e da personalidade condicional (a personalidade começa com a concepção, sob a condição do nascimento com vida). Esta última é erroneamente chamada de concepcionista. Todas as correntes aqui citadas entram num conflito de hermenêutica, já que entendem de formas diversas o art. 4º do Código Civil brasileiro, de redação aparentemente contraditória.

A primeira, considerada conservadora, fundamenta-se na idéia de impossibilidade de "direitos sem sujeito", negando ao nascituro caráter de ser humano já formado. Hoje em desuso, esta posição teve em Bernard Windscheid seu maior representante.

A teoria da personalidade condicional, por seu caráter eclético e intermediário, acaba por atrair parte considerável da doutrina. É a posição de Clóvis Beviláqua, embora este aproxime-se bastante da teoria concepcionista.(15) Seus defensores sustentam que o nascituro tem personalidade, sob a condição de que nasça com vida. Sem este evento, aquela não se concretizaria. A grosso modo, esta vem sendo a orientação jurisprudencial dominante no direito brasileiro, principalmente em relação a direitos patrimoniais e ações de reparação.

Já a corrente concepcionista é bem mais radical. Seguida inicialmente por Teixeira de Freitas, Planiol e Rubens Limongi França, defende que, desde a vida intra-uterina (entenda-se vida viável, a partir da nidação) o nascituro é pessoa, sendo portanto titular de direitos. Para Silmara Chinelato, defensora desta idéia, a personalidade do nascituro é incondicional, não dependendo de nenhum evento subsequente, estando seus direitos personalíssimos (vida, liberdade, saúde) garantidos. No entanto, certos efeitos de certos direitos (como os patrimoniais) dependem do nascimento com vida. A titularidade dos direitos não seria discutida, havendo apenas incapacidade. Já em relação aos direitos patrimoniais, o nascimento sem vida funcionaria tão só como condição resolutiva.(16)

Baseado nesta linha de argumentação, o professor Sílvio Neves Baptista aponta os direitos a receber doação e herança como existentes desde a concepção, mas dependentes do nascimento com vida para a produção de efeitos. Além disso, o professor defende que o nascituro tem direito a alimentos, uma vez que é ser humano e necessita de refeições adequadas, tratamento pré-natal e assistência médica.(17)

Também neste grupo está Maria Helena Diniz. Para ela, "tem o nascituro personalidade jurídica formal, no que se refere aos direitos personalíssimos, passando a ter personalidade jurídica material, adquirindo os direitos patrimoniais, somente, quando do nascimento com vida. Portanto, se nascer com vida, adquire personalidade jurídica material, mas, se tal não ocorrer, nenhum direito patrimonial terá".(18)

Como argumento final dos concepcionistas, há o recurso ao Código Penal, que em seus arts. 124 a 126 considera crime o aborto. Neste caso, haveria uma ofensa à vida, bem jurídico do qual o titular é o nascituro. Vê-se aí, para os que defendem o concepcionismo, uma clara manifestação legal em prol da personalidade anterior ao nascimento.

5. DANO MORAL E A QUESTÃO DO NASCITURO: POSSIBILIDADES

5.1. Fundamentos do dano moral

Como diz o professor Sérgio Cavalieri Filho, "o dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil".(19) É elemento essencial, e principal caracterizador do dever jurídico sucessivo de indenizar (tornar indene). Podemos conceituá-lo como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza. Este conceito compreende as duas maiores formas de dano: patrimonial e moral.

O primeiro abrange os casos em que o bem atingido faz parte do patrimônio da vítima, tendo valor econômico definível. Via de regra, o dano patrimonial pode ser reparado através de prestação pecuniária. Esta modalidade pode ser dividida em dois grupos: o dano emergente e o lucro cessante.

Há dano emergente quando a diminuição do patrimônio é imediata e completa. É o desfalque propriamente dito, a lesão a um bem já determinado. Nestes casos o quantum debeatur é de fácil avaliação: corresponde ao valor econômico, à perda ou à quantia necessária para reparar os estragos causados ao bem.

Já os lucros cessantes correspondem a frustração da expectativa de ganhos futuros, rendimentos ou salários pela vítima. É necessário que esta previsão tenha o mínimo de certeza e razoabilidade, evitando assim a consideração de lucros imaginários e danos remotos. A mensuração pecuniária desta espécie depende essencialmente do prudente arbítrio do juiz, uma vez que não há dados empíricos que provem o "dano futuro". A fixação do quantum, de modo geral, é feita com a utilização de parâmetros (v.g. salário da vítima, média de faturamento diário, período médio de vida e trabalho), que orientam o arbitramento judicial.(20)

O dano moral, no entanto, difere enormemente do patrimonial. Refere-se a esfera pessoal da vítima, que é lesada em direito de valor inestimável. A ausência de determinação pecuniária do dano é o principal traço característico desta espécie. Além disso, atinge valores fundamentais da vida humana (integridade física, saúde, paz, alegria, reputação e a própria vida, entre outros).(21)

O conceito de dano moral extrapola os limites do mero subjetivismo, que considera apenas os prejuízos de ordem sentimental do homem. Hoje abrange os danos estéticos (lesões corporais, erros médicos), sociais (acusações injustas, difamação, ataques públicos à honra) e todos os direitos da personalidade, incluindo os fundamentais. Essa amplitude levou alguns doutrinadores a preferirem a expressão "dano não-patrimonial". José de Aguiar Dias resumiu esta questão afirmando: "Quando ao dano não correspondem as características de dano patrimonial, dizemos que estamos em presença do dano moral".(22)

A natureza jurídica da indenização, nestes casos, não é verdadeiramente reparatória, e sim compensatória. Afinal, a dor, o sofrimento e a humilhação provocados por uma deformação corporal, trauma psicológico ou pela perda de um filho são insuscetíveis de avaliação pecuniária. Todavia, não há que se falar em pretium doloris, mas de uma real compensação ao mal injustamente provocado à vítima. Para alguns, a reparação, além de compensar de alguma forma o dano, sanciona o agente, tendo caráter também punitivo.

A jurisprudência brasileira anterior à Constituição de 1988 rejeitava veementemente a possibilidade de indenização por dano moral. Acolhia a tese de sua irreparabilidade, já que não haveria formas de avaliar economicamente os prejuízos causados. Apenas em alguns acórdãos isolados e dissonantes foram arbitradas indenizações reconhecendo a tese da reparabilidade. Na década de 80 esta postura, outrora minoritária, foi ganhando relevo, e o arbitramento do dano moral passou a ser objeto de diversos julgados. Com o advento da Constituição Cidadã, a proteção foi definitivamente assegurada (art. 5º, X). Hoje vemos que o dano moral pode e deve ser indenizado, orientado pelo princípio da razoabilidade e pela prudência judicial.

Pode-se resumir esta questão de maneira enfática: o dano moral, que atinge a esfera não-patrimonial do indivíduo ou até mesmo da pessoa jurídica, é susceptível de reparação (ou compensação), devendo esta ser arbitrada razoavelmente pelo livre convencimento judicial.

5.2. Dano moral causado ao nascituro

Após esta breve introdução à matéria, atingimos uma grande discussão doutrinária e jurisprudencial: a possibilidade de consideração dos danos morais causados ao nascituro. Para isso, é fundamental que se adote uma das teses quanto a sua personalidade e, dependendo da opção, diversos entendimentos podem ser obtidos.

Caso a teoria natalista fosse adotada, seria criado um quadro interessante. O nascituro não poderia receber qualquer indenização, já que não é pessoa nem sujeito de direito. Se sua genitora viesse a falecer e este sobrevivesse, o dano moral (dor, sofrimentos futuros, desamparo) seria causado ao filho por nascer. Nesta hipótese, a ausência de personalidade quando do falecimento da mãe impediria, numa interpretação lógica, a pretensão do filho em obter qualquer indenização do que causou o dano.

O mesmo problema ocorreria se o nascituro fosse vítima de medicamento ministrado à mãe durante a gravidez, resultando em sequelas físicas terríveis (v.g. o famoso caso dos "filhos da talidomida"). O dano moral a ele causado dificilmente seria indenizado, já que à época do eventus damni não detinha a titularidade do direito à integridade física. Poderia ser tentada a indenização à mãe, que resultaria numa compensação reflexa e seguramente de menor valor pecuniário.

Adotando a teoria da personalidade condicional, a possibilidade de reparação estaria situada no mesmo patamar da personalidade: para que exista, deve haver o nascimento com vida. Caso este ocorra, o nascituro é considerado pessoa, e os danos morais a ele causados são passíveis de indenização. Todavia, sendo o nascimento frustrado, o agora natimorto seria juridicamente inexistente, sem nunca ter sido pessoa.

Como nos exemplos anteriores, a saída seria uma "reparação reflexa", exigível por seus ascendentes. Embora o natimorto não pudesse de forma alguma postular a reparação em nome próprio, vale salientar que o quantum debeatur certamente não será o mesmo. A indenização por um filho morto seguramente seria maior que pela morte de um feto que jamais teve o status de ser humano.

Se, de forma oposta, o nascituro for considerado pessoa em sua plenitude (teoria concepcionista), pode ele ser indenizado por danos morais ou, caso tenha falecido, seus ascendentes podem exigir a dita reparação. Nesta última hipótese, considerar-se-ia que o dano foi causado a filho menor, ampliando as possibilidades de indenização e, ainda que de forma indireta, do quantum indenizatório.

Para Benedita Inêz Lopes Chaves e Silmara Chinelato, ambas da corrente concepcionista, a indenização por dano moral causado ao nascituro é plenamente justificável, uma vez que este seria pessoa e titular de direitos. Nestes casos, o fundamento legal da responsabilidade, seja ela contratual ou extracontratual, seria exatamente o mesmo usado para os já nascidos.(23)

Chinelato leva o problema às ultimas consequências, ao afirmar que "no dano moral, sua reparação – que visa a uma compensação e não a um ressarcimento – faz-se pelos mesmos critérios que norteiam a indenização pela morte de filho menor."(24)

Este último exemplo provoca uma discussão ainda sem resposta. A Súmula 491 do STF, editada antes de 1988, consolidou uma posição jurisprudencial dominante à época, afirmando que "é indenizável o acidente que causa a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado". Nestes casos, parte dos tribunais confere aos pais da vítima uma pensão mensal, ainda que não haja perspectivas concretas de que o filho morto ajudaria financeiramente nas despesas do lar.(25) Sendo o menor nascituro, não haveria empecilhos legais para a concessão de pensão aos pais, uma vez que a matéria foi sumulada pelo Pretório Excelso.

Todavia, a referida pensão é uma indenização por dano patrimonial (perda de uma fonte de renda), e não moral. Além disso, a mesma professora Silmara afirma, no já citado artigo, que os direitos patrimoniais materiais dependem do nascimento com vida. Este último argumento nos leva a crer impossível a concessão, embora considerando o nascituro como filho menor. Infelizmente, a jurisprudência brasileira ainda não consolidou posicionamento quanto à relação entre a Súmula 491 do STF e o problema da personalidade do nascituro, sendo desconhecidos quaisquer julgados que versem sobre este tema.
6. O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL

Apesar da grande polêmica acerca da personalidade jurídica do nascituro e a possibilidade de reparação de danos morais a ele infligidos, o assunto não vem sendo abordado com muita frequência nos tribunais brasileiros. Grande parte dos julgados que envolvem este problema referem-se apenas a questões de herança, doações e vendas realizadas pelos pais em nome do ainda não nascido. Foram trazidos à colação justamente os que fugiam a estas abordagens, e centravam-se na questão das indenizações por dano moral.

Percebe-se que, nos acórdãos, há uma tendência do julgador em adotar as teorias natalista ou da personalidade condicional, considerando a "ausência de personalidade" como questão prejudicial. Exemplo típico é o julgado abaixo transcrito:

Responsabilidade civil – Acidente de trânsito – Seguro obrigatório de veículos automotores – Danos letais – Nascituro. Sumaríssima de reparação de danos letais causados à mulher gravida e a seu feto. Reconhecido que fora o direito ao seguro obrigatório, este reconhecimento não se estende ao nascituro, que não é pessoa nem sujeito de direito. (TACRJ, 1ª C., AC 81004/88, Rel. Juiz Fernando Pinto, 11.10.1988)

No entanto, alguns julgados optam por interpretações mais progressistas do tema, admitindo a personalidade do nascituro. Vale salientar que não há uma defesa acentuada do concepcionismo, sendo geralmente omitida qualquer consideração específica sobre a tutela jurídica do nascituro. Abaixo, vemos a ementa de um acórdão que concede indenização por dano moral, comprovando a possibilidade de reparação:

Responsabilidade civil - Acidente do trabalho - Indenização - Direito comum - Dano moral - Nascituro - Morte do seu pai - Termo inicial - Nascimento com vida. Devida é, a indenização, por dano moral, desde o nascimento, ao nascituro, que nasceu com vida, como reparo pela perda do genitor. (2º TACSP, 10ª C., Ap. c/ rev. 489.775, Rel. Juiz Adail Moreira, 29.10.1997)

A discussão em torno da pensão ao nascituro, exposta anteriormente, pode ser exemplificada nestas duas ementas subsequentes. A primeira mostra a posição típica da jurisprudência: concessão de pensão pela morte do filho menor, com prazo determinado pelo princípio da razoabilidade. No segundo julgado, o pedido de pensão é julgado improcedente. Ao contrário do que se possa imaginar, não houve uma resposta à discussão criada, já que adotou-se a idéia de "expectativa de direito" do nascituro. Esta posição retrata a jurisprudência dominante brasileira, pouco afeita às posições concepcionistas e arraigada aos antigos conceitos de personalidade.

Indenizável é a morte acidental de menor oriunda de ato ilícito, ainda que não exercesse ele trabalho remunerado, sendo sua família de condição econômica precária, fixando-se a pensão a partir do óbito até a data em que a vítima completaria 25 anos de idade" (TJSP, 2ª C., Ap., Rel. Cézar Peluso, 16.12.1996, RT 617/72)

Responsabilidade civil – Acidente de veículos - Invasão de preferencial - Morte da companheira e nascituro, bem como da avó das menores. Culpa inequívoca do preposto do apelante. Indenizações de ordem material e moral devidas. Legitimidade do companheiro em exigir indenização pela morte de sua companheira, sendo que a renda mensal da vítima-companheira é a constante de sua última indenização. Devida a indenização pela morte do nascituro, a título de dano moral, visto que a morte prematura do feto, em conseqüência do ato ilícito, frustra a possibilidade certa de que a vida humana intra-uterina plenificaria na vida individual. Pensão devida ao feto. Impossibilidade. Há uma expectativa de direito em relação ao nascimento do feto. Personalidade jurídica só inicia-se com o nascimento com vida. Art. 4º do CC. Correta a pensão fixada e destinada ao companheiro e filhas. O limite fixado para a cessação da pensão é de 69 anos, conforme nova orientação jurisprudencial. (TAPR, 3ª C., AC 106.201-3, Rel. Juiz Eugênio Achille Grandinetti, 01.08.1997)

7.CONCLUSÕES

Ante os diversos argumentos aqui expostos, tanto relativos à problemática do nascituro quanto a reparabilidade do dano moral a ela causado, constatamos que não há qualquer definição acerca do assunto. Embora a teoria concepcionista esteja mais adaptada às mudanças sofridas pela medicina nos últimos anos, não foi aceita plenamente no mundo jurídico. Vemos que apenas em decisões esparsas o nascituro é considerado pessoa, sem que para isto deva ele nascer com vida.

Já o dano moral, com a Constituição de 1988, adquiriu maior importância, e concretizou-se na jurisprudência. Hoje a situação é inversa: os pedidos de indenização por danos deste tipo crescem assustadoramente, incorrendo muitos deles em confusões grosseiras. Os danos causados a nascituros acabam por serem relegados a segundo plano, esvaziando-se o debate com a mera declaração de que "nascituro não é pessoa".

Concluímos, portanto, que o debate está longe de uma solução, seja ela conservadora ou progressista. Não há, entretanto, a perspectiva de adoção uniforme de qualquer teoria no futuro. Dado o atual estágio da evolução jurisprudencial, parece-nos mais provável que, a médio prazo, prevaleça a concepção da personalidade condicional. Em relação aos casos de responsabilidade civil, vemos uma tendência a maior valorização deste instituto no Brasil, e esperamos que isto se reflita nos casos que envolvem a problemática do nascituro.
8. NOTAS
1.Cf. ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e. O nascituro no Código Civil e no direito constituendo do Brasil. Revista de Informação Legislativa. Brasília: a. 25, n. 97, jan./mar. 1988, p. 182.
2. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 19.
3. Cf. STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 59.
4. Cf. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. Cit., pp.19-20.
5. Apud STOCO, Rui. Op. Cit., p. 63.
6. Cf. GOMES, Orlando. Obrigações. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, pp. 279-281.
7. GOMES, Orlando. Op. Cit., p. 278.
8. LIRA, Ricardo Pereira. Ato ilícito, Apud CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. Cit., p. 27.
9. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo I: Parte geral – Introdução, Pessoas Físicas e Jurídicas. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p. 166.
10. ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e. Direitos da personalidade do nascituro. Revista do Advogado. São Paulo: n. 38, dez. 1992, p. 21-30.
11. Para maiores detalhes sobre o aspecto biológico do nascituro, cf. LEITE, Eduardo de Oliveira. O Direito do Embrião Humano: Mito ou Realidade? Revista da Faculdade de Direito da UFPR. Curitiba: a. 29, n. 29, 1996, pp. 121-146.
12. Cf. ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e. Op. Cit., p. 182.
13. Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. I, 19ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 144.
14. Cf. CHAVES, Benedita Inêz Lopes. A tutela jurídica do nascituro. São Paulo: LTr, 2000, pp. 36-37.
15. Cf. CHAVES, Benedita Inêz Lopes. Op. Cit., p. 28.
16. Cf. CHINELATO, Op. Cit., pp.184-186.
17. Cf. BAPTISTA, Sílvio Neves. Alimentos: direitos do nascituro. Diário de Pernambuco. Recife: 14/03/1990.
18. DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 205.
19. Cf. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. Cit., p. 70.
20. Cf. CAVALIERI FILHO, Op. Cit., p. 72.
21. Cf. CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 20.
22. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, Apud STOCO, Rui. Op. Cit., p. 674.
23. Cf. CHAVES, Benedita Inêz Lopes. Op. Cit., pp.114-117.
24. Cf. ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e. Op. Cit., p.187.
25 "Morte de filho menor, com 16 anos. Além da pensão mensal equivalente a 2/3 do salário mínimo, é devida a indenização por dano moral" (STJ, 4ª Turma, REsp. 23.351, 01.09.1992).
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e. O nascituro no Código Civil e no direito constituendo do Brasil. Revista de Informação Legislativa. Brasília: a. 25, n. 97, jan./mar. 1988, pp. 181-190.

______. Direitos da personalidade do nascituro. Revista do Advogado. São Paulo: n. 38, dez. 1992, p. 21-30.

BAPTISTA, Sílvio Neves. Alimentos: direitos do nascituro. Diário de Pernambuco. Recife: 14/03/1990.

CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2000..

CHAVES, Benedita Inêz Lopes. A tutela jurídica do nascituro. São Paulo: LTr, 2000.

DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. São Paulo: Saraiva, 1994.

GOMES, Orlando. Obrigações. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

LEITE, Eduardo de Oliveira. O Direito do Embrião Humano: Mito ou Realidade? Revista da Faculdade de Direito da UFPR. Curitiba: a. 29, n. 29, 1996, pp. 121-146.

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo I: Parte geral – Introdução, Pessoas Físicas e Jurídicas. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. 1, 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

CHAVES, João Freitas de Castro. Responsabilidade civil por dano causado ao nascituro: possibilidades de reparação no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/524>. Acesso em: 18 jun. 2015.

terça-feira, 9 de junho de 2015

Estado de convivente

As pessoas que vivem em união estável, sejam elas solteiras, separadas de fato ou judicialmente, viúvas ou, ainda, divorciadas, guardam o seu estado civil anterior; ou seja, a entidade familiar do companheirismo não tem sido entendida como um novo estado civil.
Essa condição, todavia, tem o pressuposto lógico de um novo estado civil, a saber tratar-se de “uma qualidade de pessoa” condizente com suas atuais relações de união, de onde se extraem, por ditado da própria lei, direitos e deveres.
Nessa toada, tem-se, de logo, para fins de obrigações recíprocas, o que preconiza o artigo 1.724 do Código Civil, segundo o qual “as relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos”. Com efeito, referidas relações que conferem direitos e deveres, faz exsurgir a concepção própria, para os fins legais, de um estado civil específico.
Mais ainda: o direito sucessório, a seu turno, demonstra o convivente com o atributo próprio de um estado civil, ao reconhecê-lo participante da sucessão do outro, nas condições que estabelece (art. 1.790, Código Civil), deferindo-lhe a administração sucessiva da herança, até quando o compromisso do inventariante, (art. 1, 797, I, CC), com tratamento legal similar ao do cônjuge.
Para além de o direito sucessório definir a sua concorrência na herança, o companheiro também adquire direitos patrimoniais, a saber do regime de comunhão parcial de bens, no que couber (art. 1.725, CC), certo que outro regime poderá ser instituído, por contrato escrito. Demais disso, a realidade desse estado civil recomenda que, em escrituras públicas de compra e venda, o vendedor declare, sob as penas da lei, não se achar em união estável com terceiro, em resguardo ao comprador como terceiro de boa-fé.
De efeito, a proteção jurídica dos conviventes sob união estável, como entidade familiar, surge visível no novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015, de 16 de março) ao indicar outras exigências legais em proveito deles, mencionando-os ao longo da codificação.
A comunhão de vida e de interesses (compartilhamento essencial), a satisfação do amor recíproco na ínsita ideia de uma família constituída, sob a égide da “affectio maritalis” já íntrinseca nas núpcias romanas, equiparam, em substancia, o companheirismo ao casamento. No ponto, a união estável, sob os parâmetros do artigo 1.723 do Código Civil objetivamente será, mais ainda, um “casamento de fato”. O novo texto do CPC indica, nessa linha, avanços significativos. Agora, o parágrafo 3º do art. 73 do CPC/2015 exige que o companheiro necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário (artigo 1.647, II, CC). Também a confissão do companheiro não valerá sem a do outro (artigo 391, parágrafo único, CPC/2015).
Assim, a necessidade de vênia do (a) companheiro (a) para as ações reais imobiliárias, significa, segundo Flávio Tartuce, um novo instituto jurídico, o da “outorga convivencial”, equipotente ao da “outorga conjugal (art. 1.647, II, CC) Mas não é só. Tem-se por certo, que para a validade de determinados negócios jurídicos, a necessidade de “outorga convivencial” afigura-se idêntica, aos atos de alienação de bens imóveis ou de gravames de ônus real sobre eles (art. 1.647, I, CV). Impõe-se, à sua falta, a anulabilidade deles (art. 1.649, CC). Em outra latitude, o direito a alimentos do companheiro tem sido consagrado sem discrepâncias, a tanto valendo referir a um iniludível estado civil.
Sergio Gischkow Pereira (2007) bem o demonstra, doutrinando: Quem era viúvo, por exemplo, e estabeleceu convivência com outrem, como se casado fosse, deixa de ser viúvo e passa a ser companheiro. Terminada a união de fato, volta a ser viúvo, já que não é nominada a condição de ex-companheiro.
A jurisprudência constrói idêntico entendimento: “A existência de união estável implica alteração do estado civil, pois esta figura jurídica, ao lado do casamento, é constitucionalmente considerada uma entidade familiar protegida pelo Estado” (TJRS – 7ª Câmara Cível - Apelação Cível nº 70010045045, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos). Suficiente observar que o permissivo da adição do patronímico do companheiro no registro civil torna inconteste a ocorrência de um estado civil de companheiro.
Projeto de Lei nº 1773/2003 na Câmara Federal, dispondo sobre o estado civil dos companheiros na união estável, alterando o Código Civil, e que tramitou por mais de dez anos, foi agora desarquivado (19.02.2015). Fica agora ao legislador dizer, com exatidão, que o estado de convivente é um estado civil, na dignidade de ser um direito de personalidade reconhecido ao companheiro.

JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), onde coordena a Comissão de Magistratura de Família.

http://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/195529208/estado-de-convivente?utm_campaign=newsletter-daily_20150609_1280&utm_medium=email&utm_source=newsletter

segunda-feira, 8 de junho de 2015

A alienação parental não está adstrita apenas ao âmbito familiar

A alienação parental, como já amplamente esclarecido é praticada pelos guardiães, sendo este, na grande parte das vezes, um processo iniciado de forma intra família, tendo o genitor alienador como intenção excluir o genitor alienado da vida do filho comum, confundindo os conceitos de conjugalidade com parentalidade. Habitualmente esse comportamento não se restringe ao âmbito familiar, pois utilizar-se do círculo extenso da família e dos amigos é comportamento comum do alienador para trazer aliados que confirmem e apoiem sua forma de agir.
Fazer de familiares e amigos próximos e comuns ao ex-casal, cúmplices de sua jornada, é o primeiro passo para a extensão direta da alienação parental, enganando-se quem pensa que a alienação só se dá com o filho comum. Transforma-se em um apartheid, uma divisão entre meus e seus. Minha família X sua família, meus amigos X seus amigos, profissionais de minha escolha X profissionais de sua escolha.
Neste jogo perverso o alienador se utiliza ainda das instituições próximas do menor para de alguma forma auxiliá-lo no afastamento do outro, podendo algumas ser nomeadas como a escola, os médicos, psicólogos e outras, como se verá a seguir:
A escola é o local, longe de casa, onde as crianças mais tempo passam. Teoricamente um local neutro, sem provocações, sem disputas, sem a ostensiva necessidade de escolha entre um e outro genitor. No entanto, na prática, não é dessa forma que acontece.
Independentemente do tipo de guarda que se pratique, seja a unilateral, a compartilhada ou a alternada, existe tanto com a instituição de ensino, como com cursos extra curriculares um contrato que é assinado na maioria das vezes por um único genitor. E aí se inicia o problema.
O contrato de prestação de serviços e de responsabilidade financeira, transforma-se em uma arma nas mãos do genitor mal intencionado quando o mesmo afirma junto a instituição de ensino, que todas as informações referentes ao menor só podem ser passadas a ele sob pena de retirar o filho daquele local.
E assim se inicia a alienação parental praticada pelo estabelecimento de ensino. Talvez por desconhecimento, a maioria das escolas informa ao genitor que não detém a guarda física do filho, não poder passar informações sobre o mesmo sem autorização do guardião ou determinação judicial. Ledo engano, já que ninguém pode alegar em sua defesa o desconhecimento da lei.
As instituições de ensino tem por obrigação legal prestar informações a ambos os genitores dos menores matriculados, sem distinção de serem eles conviventes ou não com o filho comum. Neste caso, desimportante é o tipo de guarda existente, já que, a não ser por decisão judicial, o poder parental de ambos os genitores é mantido, e dele advém diversos direitos e deveres, sendo um deles a guarda dos filhos.
O poder familiar ocorre em virtude do vínculo da paternidade e da maternidade. A Constituição da República como o Código Civil estabelecem que os “pais” tem o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, artigo 229 da Constituição Federal e no artigo 1.634 do Código Civil, deixando-se de lado o entendimento de que o homem era, em priscas eras, o provedor do lar, enquanto a mulher, a mera cuidadora. Hoje, ambos são iguais perante a Lei e assim deve ser entendido o direito ao exercício pleno da parentalidade.
A Lei 9.394/96 de 20 de novembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases do Ministério da Educação e Cultura, estabelece as diretrizes da educação nacional, apresentando os direitos e deveres, dentre outras, dos estabelecimentos de ensino. No ano de 2009, o artigo 12 da referida lei, em seus incisos VI e VII, foi modificado pela Lei 12.013 passando a obrigar as instituições de ensino a fornecer informações a ambos os genitores, conviventes ou não com seus filhos.
Ou seja, a modificação do inciso VI da referida lei, em mais um passo para a formalização da igualdade parental, trouxe para as instituições de ensino a determinação de respeito a valoração de ambos os genitores de forma igualitária.
A Lei 13.058 de 22 de dezembro de 2014 que modificou o regramento em relação ao compartilhamento parental da guarda acresce ao artigo 1.583 o parágrafo 6º. Que afirma que os estabelecimentos públicos ou privados são obrigados a prestar informações a quaisquer dos genitores sob pena de multa diária pelo não atendimento à sua solicitação.
As instituições de ensino têm por obrigação informar a ambos os genitores e responsáveis pelas crianças matriculadas seu desempenho, questões relativas à sua conduta, datas de reuniões e festividades, progressos realizados, e tudo o que disser respeito as mesmas. Entretanto, mesmo cientes da obrigação de prestar informações aos genitores, muitas instituições de ensino hesitam em fazê-lo, o que obriga o genitor ao ajuizamento de ações de obrigação de fazer, denunciar o comportamento dos responsáveis ao Ministério Público e outros mais que permitam ao pai/mãe exercer sua paternidade/maternidade na plenitude, e garantam o direito do menor.
Como anteriormente mencionado, a atuação do guardião no sentido de desqualificar o genitor não residente vai além da fala dirigida ao menor, amigos, sua família e até mesmo à escola. Um instrumento muito utilizado pelos genitores que pretendem, de forma maldosa afastar o outro do filho menor, é a utilização de alguns profissionais da área de saúde para tanto.
A utilização de laudos, declarações e pareceres médicos e psicológicos para justificar o pedido de afastamento do genitor ao judiciário virou lugar comum entre os processos que envolvem alienação parental. Esses profissionais, cujos laudos não refletem a realidade, vem sendo punidos de forma exemplar por seus órgãos de classe. Vale ressaltar que nem todos os profissionais procurados por pessoas de má fé coadunam com esse comportamento, mas o genitor alienador consulta vários especialistas até encontrar um que apoie suas ideias e pensamentos.
O trabalho dos psicólogos no deslinde dos processos judiciais envolvendo questões familiares é de suma importância desde que realizado de forma isenta e baseada nas normas e regulamentações de seu conselho.
O Código de Ética da profissão trata de forma bastante clara das responsabilidades do profissional, e, várias resoluções específicas norteiam o atuar dos psicólogos. Dentre elas podemos citar as Resoluções 07/2003, 08/2010 e 17/2012. Todas as regras contidas nas resoluções acima citadas e enumeradas visam o desempenho de forma idônea do profissional da área de psicologia de forma que seu atuar, especificamente em questões que envolvam processos judiciais na área de família, não colaborem de forma alguma com qualquer tipo de alienação parental praticada por um dos genitores ou guardião.
Importante ressaltar que a elaboração de laudos ou pareceres que serão utilizados por uma das partes impõe ao psicólogo uma grande responsabilidade: a de analisar e avaliar o contexto familiar das pessoas que estão envolvidas no litígio, para só assim apresentar qualquer documento ao contratante.
A não observação a esse princípio poderá fazer com que a utilização do documento em um processo judicial enseje decisões que nem sempre resguardam as partes envolvidas, sendo que o mau uso de documentos ambíguos emitidos por psicólogos pode dar início a um processo de alienação parental, firmar a crença de uma falsa acusação por abuso moral, sexual, físico, tortura psicológica ou outros.
Para evitar que isso ocorra, o profissional deve se assegurar de ter ouvido as várias versões da mesma história. A entrevista com os envolvidos na vida da criança e que façam parte do seu cotidiano é de suma importância para que o documento lavrado assegure a expressão da verdade e não a visão unilateral de um dos envolvidos.
Visando essa imparcialidade e preocupados com a grande quantidade de profissionais punidos pelos Conselhos Regionais e Federal em razão da não observação dos princípios preconizados no regramento específico, o Crepop (Centro de Referência Técnica de Psicologia e Políticas Públicas), em conjunto com o Conselho Federal de Psicologia elaboraram manual contendo Referências Técnicas para Atuação do Psicólogo em Varas de Família.
Com a leitura atenta do documento mencionado se verifica que há a preocupação do órgão regulador em garantir que a avaliação do caso seja feita de forma global e muitas vezes de maneira  multidisciplinar. Vale lembrar que não só os profissionais da área médica sofrem com a possibilidade, voluntária ou involuntariamente, de serem envolvidos, auxiliando, ou não, em um processo de alienação parental. Os operadores do direito também, com seu atuar, podem se deixar levar e até mesmo serem responsáveis pela manutenção ou agravamento de processos de alienação parental.
O advogado, primeiro filtro de apresentação do caso ao judiciário, deve sempre ter em mente que nem sempre a verdade do cliente corresponde a verdade dos fatos, já que sua versão dos mesmos vem impregnada com suas vivências do relacionamento fracassado, suas opiniões pessoais e sua visão particular de todo o ocorrido.
Tudo isso sem contar com a possibilidade real da vontade da parte de efetivar uma desqualificação do outro provocando o afastamento ou a extinção da relação paterno filial. A ética que cerca a profissão faz com que o operador do direito contratado para defender os interesses do cliente não o faça de forma a ir de encontro com o preceitos morais e éticos preconizados nas normas da Ordem dos Advogados do Brasil.
Os processos envolvendo crianças em varas de família devem ser cuidados de forma a proteger os direitos fundamentais dos menores, mormente aos que dizem respeito a necessidade da convivência do mesmo com ambos os genitores. As medidas de afastamento de um dos genitores só devem ser requeridas em situações extremas e diante da certeza absoluta de sua necessidade. A correta avaliação do processo e as provas a ele carreadas pelo profissional que o apresentará à Justiça, pode evitar o início do processo de alienação parental e, posteriormente, sua instalação e manutenção.
Após o ajuizamento da ação, o juízo a quem o pedido é dirigido deve analisar com as cautelas necessárias os pedidos e as provas dos autos. Vale lembrar que nenhuma parte faria prova contra si mesma, ou seja, enquanto não há a citação da parte contrária para manifestação, a verdade absoluta advém de um único ponto de vista, de uma única parte interessada.
Certo é que sob qualquer análise o melhor interesse da criança deve ser buscado e preservado. Vale dizer que a não ser em situações extremas e de risco absoluto ambos os genitores devem permanecer exercendo seu poder parental.
A tomada de uma decisão precipitada de afastamento de um dos genitores trará ao menor a certeza de que aquele que o desqualifica está com absoluta razão, tanto assim que o judiciário coaduna com sua opinião.
Havendo dúvida da segurança do menor, o que se espera do Judiciário é que o proteja, sem contudo fazê-lo sofrer com o afastamento de um dos genitores a quem ele ama. Essa proteção pode se dar através da convivência assistida ou de outra forma que entender correta o magistrado. O que não se pode fazer é afastar de forma absoluta a criança do pai ou mãe.
Em razão da morosidade dos processos judiciais, as decisões não podem ser tomadas de forma imediata, como deveriam ser, ou seja, a determinação de afastamento, que deveria ser temporária se perpetua no tempo trazendo maiores prejuízos ao menor e ao genitor alienado.
Este tipo de decisão contribui para a instalação e manutenção do processo de alienação parental, sendo este um exemplo claro de quando o judiciário é copartícipe do processo narrado, tornando-se um braço ativo do alienador.
O tempo é aliado do alienador e o maior inimigo da criança. Ou seja, a alienação parental não está adstrita, na grande maioria das vezes, ao âmbito familiar. Ao contrário. Como se vê, o alienador busca cúmplices, conscientes ou não, de seus atos, seja na escola, nos profissionais de saúde ou até mesmo no judiciário.

Alexandra Ullmann é advogada, graduada em Direito pela PUC /RJ, sócia do escritório Ullmann e Advogados Associados.
Revista Consultor Jurídico, 5 de junho de 2015, 6h07

http://www.conjur.com.br/2015-jun-05/alexandra-ullmann-alienacao-parental-alem-ambito-familiar

Faculdade só pode ter até 50 alunos em suas aulas de Direito

O serviço que desobedece normas regulamentadoras é considerado inadequado. Com este fundamento previsto no Código de Defesa do Consumidor (artigo 20, parágrafo 2º), o juiz Régis Régis Adriano Vanzin, da 3ª Vara Cível de Rio Grande (RS), obrigou a Faculdade Anhanguera a limitar em 50 alunos o tamanho das salas do curso de Direito.
A decisão, em caráter liminar, vale a para o segundo semestre deste ano e estipula multa diária de R$ 5 mil em caso de descumprimento. A Ação Civil Pública foi movida pelo Ministério Público gaúcho, sustentando que a instituição de ensino desobedeceu o Parecer 151/2005, do Ministério da Educação, que fixou o número máximo de 50 alunos por sala de aula — a regra foi expressa na portaria que autorizou o funcionamento do curso.
O Inquérito Civil aberto pela Promotoria comprovou a presença de mais de 100 cadeiras por sala. Além da confirmação das determinações constantes na medida liminar, o promotor pede, quando for analisado o mérito da ACP, que a Anhanguera seja condenada indenizar os alunos matriculados por prestação de valor depreciado. 
‘‘Somente resta à demandada a readequação do tamanho de suas turmas ou, num segundo plano, buscar o trâmite de pedido administrativo a que seu ato administrativo a autorizar o funcionamento seja emendado", explicou o promotor.
Para o juiz, houve verossimilhança nas alegações do MP-RS. "Quanto maior o número de alunos da sala de aula mais difícil é a transmissão do conteúdo didático de forma eficaz e o atendimento das demandas de questionamentos dos discentes", disse o juiz ao conceder a liminar.

Clique aqui para ler a íntegra da ACP.
Clique aqui para ler a liminar.


Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 5 de junho de 2015, 16h52
http://www.conjur.com.br/2015-jun-05/faculdade-50-alunos-aulas-direito

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Editora indenizará aluna da rede pública por site pornográfico em livro didático

A 2ª câmara de Direito Civil do TJ/SC confirmou a condenação de uma editora e uma distribuidora de livros para a rede pública de ensino de município da Grande Florianópolis ao pagamento de R$ 30 mil, a título de indenização por danos morais, a uma aluna do ensino fundamental. Em 2010, aos 11 anos, ela cursava a 6ª série e, ao utilizar o livro didático, distribuído pela Secretaria Municipal de Educação, em atividade de interpretação de texto, deparou com endereço eletrônico de site pornográfico. Ao acessar o conteúdo na internet, a menina foi surpreendida pelo pai, o que lhe causou grande constrangimento.
Ao confirmar a decisão, o relator, desembargador Monteiro Rocha, afastou o argumento da editora de que o conteúdo é de responsabilidade dos autores do livro. Para o magistrado, há solidariedade passiva entre o autor intelectual do texto, que produziu o conteúdo, e o próprio veículo de divulgação, e cabe ao ofendido o direito de escolher a quem irá demandar, se um, outro, ou ambos. Assim, ele afastou a ilegitimidade passiva defendida pelas rés. O magistrado referendou, ainda, o ponto destacado na sentença de que não é porque se banalizam, hoje, os apelos à violência e ao sexo, inclusive em período diurno e em horários nobres da mídia televisiva, que se passará a tomá-los como aceitáveis.
Segundo o relator, não é admissível que em toda a produção do material, da edição à distribuição nas escolas, nenhum editor, revisor, educador, secretário de educação ou professor tenha atentado para o conteúdo impróprio do texto analisado. "A conclusão premente a que se chega, lamentavelmente, é de que houve gritante omissão, pois não é preciso ser um pedagogo ou um educador de estirpe para constatar, sem qualquer esforço, que o texto 'Meninas na linha www...' constitui verdadeiro atentado à seriedade pedagógica que se espera estar refletida num material distribuído à rede pública de ensino", concluiu Monteiro Rocha.

Fonte: TJ/SC
http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI221447,101048-Editora+indenizara+aluna+da+rede+publica+por+site+pornografico+em

É possível inventariar direito sobre imóvel adquirido por promessa de compra e venda ainda não registrada É possível inventariar direito sobre imóvel adquirido por promessa de compra e venda ainda não registrada

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitiu a inclusão em inventário dos direitos oriundos de um contrato de promessa de compra e venda de lote, ainda que sem registro imobiliário.
Seguindo o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, a Turma reconheceu que a promessa de compra e venda identificada como direito real ocorre quando o instrumento público ou particular é registrado no cartório de imóveis, o que não significa que a ausência do registro retire a validade do contrato.
Em seu voto, o ministro relator observou que compromisso de compra e venda de um imóvel é suscetível de apreciação econômica e transmissível a título inter vivos ou causa mortis, independentemente de registro. Trata-se de um negócio jurídico irretratável, tal qual afirma a Lei 6.766/79.
Da mesma forma como ocorre nessa lei, o Código Civil classifica como um direito real o contrato de promessa de compra e venda registrado em cartório. Entretanto, “a ausência de registro da promessa de compra e venda não retira a validade da avença”.

Outras instâncias
No caso, a mãe do falecido, herdeira, pediu o arrolamento dos direitos sobre um lote em condomínio, objeto de contrato de promessa de compra e venda, nos autos de inventário de bens deixados pelo filho. O pedido foi negado. Ela interpôs agravo de instrumento, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) negou o recurso.
O tribunal mineiro entendeu que, “estando o bem imóvel de forma irregular, em nome de terceiro, não há que se falar em arrolamento de direitos, ainda que decorrentes de contrato de promessa de compra e venda; vez que o imóvel somente se transmite em propriedade por escritura/registro, para, só então, proceder-se ao arrolamento/inventário para transmiti-Ia aos herdeiros, em partilha”.
A herdeira recorreu ao STJ sustentando que o Código Civil atribuiu ao contrato de promessa de compra e venda caráter de direito real. Também invocou o Código de Processo Civil, na parte em que diz que deverá constar das primeiras declarações a relação completa de todos os bens e direitos do espólio. Sustentou que os direitos decorrentes de um contrato de promessa de compra e venda de bem imóvel se incluem no conceito de direitos a serem inventariados.

Equívoco
O ministro Salomão afirmou que o TJMG equivocou-se ao desprezar a validade do contrato de promessa de compra e venda, negando o pedido de inclusão dos direitos oriundos dele. Esclareceu que “é facultado ao promitente comprador adjudicar compulsoriamente imóvel objeto de contrato de promessa de compra e venda não registrado”.
Além disso, afirmou, a Lei 6.766 admite a transmissão de propriedade de lote tão somente em decorrência de averbação da quitação do contrato preliminar, independentemente de celebração de contrato definitivo, por isso que deve ser inventariado o direito daí decorrente.

Fonte: Direitonet