sexta-feira, 4 de setembro de 2015

STJ definirá necessidade de comprovação de má-fé para repetição de indébito em dobro

A Corte Especial do STJ vai definir a necessidade de comprovação de má-fé na interpretação do parágrafo único do art. 42 do CDC, segundo o qual "o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".
A relatora de embargos de divergência, ministra Maria Thereza de Assis Moura, concluiu que a expressão "salvo hipótese de engano justificável" diminui o alcance do texto legal em prejuízo do consumidor, parte vulnerável na relação de consumo.
Sendo assim, deu provimento aos embargos para reformar o acórdão, no sentido de entendimento da 1ª seção do STJ (de que basta a configuração de culpa para o cabimento da devolução em dobro dos valores pagos indevidamente pelo consumidor na cobrança indevida de serviços públicos concedidos).
E, assim, considerando não ser necessária a comprovação da má-fé, determinou no caso concreto a devolução em dobro dos valores indevidamente cobrados por serviço de telefonia. Logo após, o ministro Noronha pediu vista dos autos.
O ministro Luis Felipe Salomão destacou a relevância do julgado, que tem o condão de alterar "substancialmente e com grande repercussão a jurisprudência no Direito Privado".
  • Processo relacionado: EAREsp 600.663
     
    http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI226410,31047-STJ+definira+necessidade+de+comprovacao+de+mafe+para+repeticao+de%20Cofins

STJ: Homem não é mais obrigado a dividir bens nem bancar a ex

A notícia de que o STJ (Superior Tribunal de Justiça)  decidiu que a partilha do patrimônio de casal que vive em união estável não é mais automática e que as partes vão ter de provar que contribuíram com dinheiro ou esforço para a aquisição dos bens vai mexer com a vida de muita gente. Essa mulherada que ainda acha que o que o homem tem de mais sexy é o cartão de crédito, o carro e o apartamento, vai acabar com uma mão na frente e outra atrás.
Se a bonita só entrar com a fachada na união estável, sem comprovar que suou a camisa (e não daquele jeito que vocês estão pensando), não terá direito ao patrimônio erguido só pelo cara. O mesmo, a princípio, deve vale para mulheres bem sucedidas. Caso seja ela a responsável exclusiva pela construção do patrimônio, se o fulano não comprovar que entrou com grana ou com esforço, vai ele para a rua da amargura.
No mínimo, é justo. Para se partilhar um patrimônio de casal que vive em união estável, o ideal é mesmo que cada  um prove que contribuiu com dinheiro ou esforço para a aquisição dos bens. Alguém aí pode berrar, dizendo que há muitas mulheres que abandonam a vida profissional para cuidar da família e dos filhos. A Justiça precisa olhar caso a caso, mas se dedicar exclusivamente ao lar não deixa de ser um baita esforço para o enriquecimento mútuo.
Por outro lado, acho que ex-marido pagar pensão à mulher pro resto da vida é uma aberração. O STJ vem, de fato, entendendo que a obrigação de pagar pensão alimentícia à ex-cônjuge é medida excepcional. Segundo a colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, em um um julgamento recente,  o STJ decidiu converter a pensão definitiva da mulher, de 55 anos, em transitória. Ela receberá quatro salários por apenas dois anos. Procurada, a assessoria de comunicação do STJ não tinha informações sobre o caso. Rosane Collor também teve de se contentar com uma pensão por apenas três anos paga pelo ex-presidente Fernando Collor.
As mulheres podem e devem bancar seu próprio sustento. No caso de Rosane Collor, ela teve direito a alimentos “compensatórios” por não ter trabalhado para seguir a vida política do ex. Mas até isso foi uma opção de vida dela. Depois não adianta chorar. É uma ótima lição para essa mulherada que quer viver à sombra do marido, achando que  é dele a obrigação de bancar a fofa a vida toda.
Agora, é bom que se diga e não custa lembrar: uma coisa é pensão para ex-mulher. Outra, muito diferente, é pensão para filho. Bancar a mulher não deve, mesmo, ser uma função do ex. Mas colaborar com o bem-estar das crianças que teve é, sim, obrigação do pai. Esse monte de homem que casa, faz filho, separa e se faz de morto na hora de pagar pensão para as crianças merece o que a lei destina a eles: cadeia.
R7

http://www.maispb.com.br/122232/homem-nao-e-mais-obrigado-a-dividir-bens-nem-bancar-a-ex-diz-stj.html

Ensino Religioso - Carta aberta ao ministro Barroso. (William Douglas)

Caro Ministro Luis Roberto Barroso
Tenho a honra de ser seu aluno, leitor dos seus livros, fã de sua visão e de sua oratória brilhante. Estou absolutamente convencido de seu desejo de fazer justiça em seu mais alto grau. No momento, tomo a liberdade de escrever esta carta aberta para V. Ex. A, pois estamos diante de um momento extremamente importante para o país, para o constitucionalismo e para a defesa do Estado Laico.
O tema que abordo já foi tratado por mim de forma resumida em matéria (intitulada Aula de tolerância) publicada no Jornal O Globo, no dia 25 de junho próximo passado, na página Opinião. Aqui, tomo a liberdade de pontuar as questões com mais vagar.
Estamos às vésperas de definir dois pontos cruciais:
1) o conceito correto de Estado laico;
2) se a interpretação do texto constitucional pelo STF tem o condão de eliminá-lo, ou seja, se a Corte Constitucional pode alterar a Constituição Federal (CF) sem o processo legislativo do art. 60, próprio de uma Carta que é rígida.
V. Ex. A, em artigo intitulado A fé, a razão e outras crenças, resumiu a questão:
De um lado, há os que defendem que o ensino religioso possa ser ligado a uma religião específica, sendo ministrado, por exemplo, por um padre, um pastor ou rabino. É o que se chama de ensino religioso confessional. De outro, há os que sustentam que o Estado é laico e que o ensino da religião tem de ser de caráter histórico e plural, com a apresentação de todas as principais doutrinas. Isto é: Não pode ser ligado a um credo específico.
Uma visão mais humanista e plural pode induzir alguém a entender que o chamado “ensino religioso não confessional” seria o melhor caminho a seguir. Quem fizer isso terá escolhido, usando o título do seu artigo, “a razão”, mas estará desprezando nesse assunto a escolha do constituinte, que optou pela “”. Essa decisão também afetará a assistência religiosa do art. 5º, VII, da CF.
Sim, Ex. A, este artigo é para dizer que será errado eliminar a fé no ensino religioso, pondo apenas a razão em seu lugar, pois esta é indispensável nas matérias em que é o foco. O verdadeiro Estado Laico pode e deve conviver com a fé.
A solução do “ensino religioso não confessional” é sedutoramente asséptica, mas viola o conceito de ensino religioso que a Constituição, para o bem ou para o mal, acolheu. A religião não é asséptica. Ela fala em céu e inferno, em pecado, culpa, perdão e também em regeneração e novas chances. O assunto salvação e perdição não tem nada de asséptico. Apesar de serem temas difíceis, para alguns desagradáveis, e até mesmo estúpidos para alguns outros, a religião trata a ambos. E a CF, no art. 210, § 1º, ao falar em “ensino religioso”, abriu mão da assepsia.
O “ensino religioso não confessional” é uma engenhosa criação para tirar a religião do ensino religioso. Ensino religioso não confessional pode ser aula de Ética, de Moral e Cívica, de História, de Filosofia... Mas não de Religião. A questão é se os que não gostam da religião têm o direito de negar vigência ao texto constitucional, fazendo uma escolha que, nem mesmo o poder constituinte derivado poderia fazer, em vista da estreita conexão entre o direito fundamental da liberdade de religião, do art. 5º, VI, e o art. 210, § 1º, configurando, no caso, uma cláusula pétrea, a teor do inciso IVdo § 4º do art. 60.
Não podemos imaginar que um palmeirense vá ensinar a um corintiano o hino do Corinthians, e isso possa fazer sentido. Muito menos podemos pegar todas as religiões, colocá-las no liquidificador, bater e extrair um suco que, a pretexto de harmonizar, tão somente tira a natureza de cada uma delas.
A audiência pública, mesmo tendo maioria de pessoas querendo o fim do ensino religioso, não pode justificar sua eliminação. Apenas uma emenda constitucional pode fazê-lo.
A hipótese da assistência religiosa revolve a falácia do “ensino religioso não confessional”. Sim, pois se para compatibilizar Estado Laico com religião é preciso criar um ensino unificado, então, por igual razão, teríamos que entender que a assistência religiosa do art. 5º, VII, deve ser feita com “caráter histórico e plural, com a apresentação de todas as principais doutrinas. Isto é: Não pode ser ligado a um credo específico” (repito as palavras que V. Ex. A escolheu para explicar a tese não confessional).
A CF diz que “é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva”. Se Estado laico é unificar tudo, então quem dará essa assistência religiosa não precisa ter fé. Teremos concurso para capelão sem que este precise ter fé para dar assistência religiosa, ou pode ser que até tenha religião, mas distinta da pessoa que demandar a assistência constitucionalmente assegurada.
Imaginem a cena: um militar ou um preso, em situação de internação coletiva, pede a assistência religiosa prevista no art. 5º, VII, da CF. Se for adotada a visão de que o ensino religioso deve ser “não confessional”, a mesma visão pode pretender que a assistência religiosa seja “não confessional” também. E isto revela o grande erro de se querer usar a “laicidade” para eliminar a religião que a CF, para bem ou para mal, agradando ou não, acolheu.
Imagine, V. Ex. A, mandar um capelão ateu para ajudá-lo em seus momentos mais difíceis. Pedindo uma oração, o capelão que o assiste informa que Deus não existe. Isso vai ajudar muito a cumprir a CF? Imagine um devoto de Maria ou de qualquer dos respeitáveis santos católicos querendo rezar o terço junto com um capelão evangélico. Ou, então, um umbandista sendo assistido por um muçulmano. Outra cena curiosa seria um interno evangélico, que não acredita em reencarnação, sendo consolado por um capelão espírita que lhe falará sobre seu carma. Não é preciso ir muito longe para ver o absurdo da tese de que “religião” pode ser reduzida a noções gerais de História, Ética etc. São matérias distintas.
Quer boa parte dos brasileiros goste ou não, a assistência religiosa está prevista no art. 5º da CF e a tese paradoxal do “ensino religioso não confessional” é revelada quando se percebe que o próximo passo humanista é, ao invés de mudar a CF, postular a “assistência religiosa não confessional”.

PRIMEIRO PONTO – O CONCEITO DE ESTADO LAICO
O Brasil ainda não sabe o que é, na verdade, um Estado Laico. Tenho esperança de que v. Decisão finalmente ilumine o tema. Não para V. Ex. A, que bem o sabe, mas para os demais leitores desta carta aberta, anoto que temos dois tipos de Estado:
A – Laico, onde todas as manifestações religiosas, incluindo o ateísmo, o ceticismo e o agnosticismo são respeitadas, sem que o Estado privilegie nenhuma religião nem dificulte seu exercício (vide art. 19, CF).
B – Confessional, onde um modo de ver a religião é acolhido em detrimento dos demais. Aqui, temos Estados confessionais católicos, islâmicos, protestantes ou ateus, entre outros.
Há um esforço de alguns não religiosos, ou humanistas, ou agnósticos ou ateus, de excluir do espaço público as manifestações da fé. Há uma propaganda equivocada que diz que no Estado Laico a fé deve ser reduzida à esfera privada. Ocorre que isso não é Estado laico, mas Estado confessional ateu.
Não é preciso dizer em quantos lugares a Constituição faz menção ao sentimento, à liberdade e à expressão religiosa, sendo esta última, como todos sabemos, parte do rol dos direitos humanos. A tolerância que todos desejamos não se realiza com a exclusão do fenômeno religioso, mas sim com a convivência harmônica e respeitosa entre todos os caminhos que esses sentimentos ou visões podem proporcionar.
V. Ex. A disse, com toda razão, que “a verdade não tem dono, e o papel do Estado é assegurar que cada um possa viver a sua convicção, sem a exclusão do outro”. O problema é que o desejo de impedir as manifestações da fé no espaço público é justamente isso: a exclusão do outro. As pessoas não deveriam se ofender porque alguém tem sua fé e a expressa no espaço público. Se alguém é, por exemplo, ateu ou humanista, basta que fale para seus filhos não irem à aula de religião; se quiserem, podem orientar seus filhos a assistirem um pouco das aulas oferecidas, sendo melhor do que ouvir religião de alguém que pode não ter nenhuma, como querem os que desaprovam o ensino religioso.
O não proselitismo que tanto se quer é assegurado pela presença facultativa na aula. Da mesma forma que poderá recomendar que o filho não assista a aula nenhuma, um pai poderá sugerir que o filho assista a um pouco de cada. Em qualquer caso, os que professam religião ou desejam participar de aulas sobre as mesmas devem ter respeitado o direito constitucionalmente assegurado a isso.
Quanto à tese de que o Estado deve abster-se de sustentar ou patrocinar qualquer fenômeno religioso (art. 19, CF), quem pensa assim deve promover proposta de emenda constitucional, a qual, por sinal, também pode eliminar os benefícios tributários das igrejas (art. 150, VI, b, CF). Até que essa emenda passe, o Estado deve arcar com todas as despesas que cumpram os dispositivos constitucionais em vigor, mesmo que antipáticos para uns ou outros.
Vivemos um contínuo ataque ao Estado Laico. Por exemplo, um grupo de ateus pretendeu impedir cultos religiosos cristãos em órgãos públicos e em universidades. Isto é equivocado. O que este grupo deveria fazer é pedir que o mesmo espaço também fosse disponibilizado para reuniões humanistas. Em outro caso, um cidadão quis impedir que uma placa religiosa estivesse na entrada de sua cidade. Ocorre que se o Lions e o Rotary colocam suas placas sem que isso cause estridência, os religiosos devem ter a mesma oportunidade. O desejo de retirar os crucifixos do espaço público, já rechaçados pela Corte Europeia de Direitos Humanos, é outro ponto. Imaginemos retirar o Cristo Redentor do Corcovado, assim como as centenas de outros monumentos semelhantes país afora? Iremos eliminar também os feriados religiosos e os nomes de rios, ruas, cidades e Estados? Santa Catarina, São Paulo, Espírito Santo e a Bahia de Todos os Santos devem ter seus nomes mudados?
Não esqueçamos quantas obras sociais dos religiosos dos mais variados matizes contribuem para a sociedade. Hospitais, orfanatos, escolas, casas de recuperação de viciados e de acolhimento a mendigos, entre outras instituições, existem entre católicos, espíritas, evangélicos, judeus etc. Como já foi dito por John Rawls, com eco em Barack Obama, o Estado não deve desperdiçar a energia religiosa quando esta contribui para a coletividade (RAWLS, John. O liberalismo político. Trad. João Sedas Nunes. Lisboa: Editorial Presença, 1997. Pp. 212-218).
A solução constitucional é a do Estado Laico. Nesse passo, merece citação que do Dique do Tororó, próximo ao Estádio da Fonte Nova, em Salvador, podem ser vistas oito imagens de Orixás, esculpidas por Tati Moreno. Assim, em um mesmo país podem e devem conviver os crucifixos com a imagem de Jesus, tipicamente católicos, as imagens dos Orixás e os iconoclastas evangélicos. Um precisa aprender a respeitar o outro. Evangélicos não podem chutar a imagem da Santa, nem invadir terreiros de umbanda, e assim por diante. Ateus e humanistas devem respeitar o sentimento e os símbolos religiosos, como preconiza o Código Penal. Há que haver paciência e tolerância com a diversidade. Nesse passo, o crucifixo, que a Corte Europeia menciona como símbolo da paz, é usado por cristãos e travestis para simbolizar a busca por Justiça e os riscos dos erros de julgamento.
A tentativa de impedir a menção a Deus ou a qualquer forma de religião ou culto tem sido recorrente, havendo quem queira impedir até que existam bancadas religiosas no Parlamento. Veja o absurdo: as pessoas podem votar por qualquer motivo, por ser o candidato comunista, ruralista, vascaíno, artista ou até palhaço, mas querem impedir que alguém vote porque o candidato comunga com sua fé e, logo, com um conjunto de valores que o eleitor quer prestigiar. Não podemos esquecer que, exercendo o direito constitucional que lhes assiste, o ateísmo não é uma opção neutra, mas uma dentre as várias opções religiosas. Daí, atender ao postulado humanista de degredar a fé do espaço público é tornar o Brasil não um estado laico, mas confessional.
A solução laica é a convivência, não o banimento.
Nesse passo, eu, protestante e, por formação, avesso às imagens esculpidas, vejo a imagem de Nossa Senhora na mesa de minha diretora de secretaria e um Buda na mesa de outra servidora, e nem por isso me sinto ofendido. Ao contrário de sufragar a ditadura dos ofendidos, saúdo os católicos, os budistas e os ateus, a liberdade de culto e de religião, a formação histórica desse país e, mais do que tudo, o fato de viver num Estado laico, onde não sou obrigado a me curvar perante as imagens; mas jamais seria honesto (ou laico, ou cristão, ou jurídico) se me incomodasse com o fato de elas estarem ali.
O ensino religioso só será religioso se for ministrado por quem tem fé. A fé é a marca da religião. O que distingue o fenômeno religioso do intelectual é justamente o que os judeus chamam de Shekinah, a presença de Deus. Ouço umbandistas, católicos, evangélicos, espíritas etc. Descreverem esse sentimento. Isso é religião e é esse sentimento que faz as pessoas se doarem ao próximo e mudarem de vida, serem honestos ou abandonarem os vícios. É essa possibilidade, que repercute na solidariedade e na ética, que se quer prestigiar. E, com todo respeito, a Filosofia e a História são maravilhosas, mas não trazem isso em seu DNA. Tirar o elemento da fé do ensino religioso é o mesmo que acabar com a norma. Como V. Ex. A mesmo afirmou, a religião vive da “verdade revelada”, de modo que tirar a crença na revelação daquele que ensina a religião é o mesmo que tornar a religião sem graça alguma. Uma aula de religião proferida por alguém que não tem o ânimo do espírito e da revelação divina é, no final das contas, uma aula de ateísmo.
O Estado deve providenciar o cumprimento da Constituição e garantir que as minorias tenham suas aulas também. Nesse passo, teremos aulas católicas, evangélicas, espíritas, de matriz africana, budistas, muçulmanas etc., na medida em que houver número razoável de seguidores e de acordo com o princípio da realidade e o bom senso. Não se espera que um isolado seguidor da Igreja da Maconha, recentemente legalizada nos Estados Unidos, queira um professor exclusivo para si, mas que isso não impeça que a imensa massa de cidadãos de outras linhas religiosas tenha seus direitos respeitados, ou seja, ensino religioso que seja religioso, e não mera aula de História ou Ética, matérias importantes, que devem ter seu espaço adequado no currículo escolar.

SEGUNDO PONTO – DA TENTATIVA DE ELIMINAR O ENSINO RELIGIOSO PELA VIA INADEQUADA
A interpretação não pode ter o condão de produzir norma que elimine texto constitucional expresso. E é exatamente eliminar o texto o desejo de muitos. E, por mais numerosos que sejam os descontentes com a CF, cabe ao STF preservar sua higidez.
A Subprocuradora-geral da República Deborah Duprat, em matéria publicada na Folha de S. Paulo, deixa clara sua predileção. Indagada sobre se “defenderia o fim do ensino religioso”, respondeu:
Eu defenderia como militante. Como operadora do Direito, não posso.
Ou seja, está claro o seu modo de ser e pensar: é militante e deseja o fim do ensino religioso. Impedida pelo texto constitucional de obter o seu fim (o banimento do ensino religioso), elege uma tese que torna o ensino religioso um ser amorfo e inócuo. A mesma matéria confirma que a ilustre subprocuradora deseja que os professores de religião sejam “recrutados mediante concurso público, sujeitos a plano de carreira, e não recrutados em ambiente religioso”.
Querer que qualquer pessoa, tenha fé ou não, ensine sobre a fé significa matar a fé. Tirar o ensino religioso das escolas significa introduzir uma linha específica: a desconstrução da fé e o banimento da expressão religiosa do ambiente público, postulado, repito, do Estado confessional ateu. Mais que isto, tira do espaço público a diversidade que nos caracteriza como raça humana e também como nação brasileira. Tudo isso em nome de um conceito totalmente equivocado de Estado laico, construído para lograr os objetivos do Estado ateu: eliminar a fé do espaço público.
É óbvio que deve haver um concurso público, mas não se pode eliminar a chancela religiosa. O concurso cuidará das habilidades não religiosas (Didática, Português etc.), mas não pode o Estado querer dizer quem está apto a ensinar religião. O Estado não entende de religião e quando tenta disciplinar a fé as consequências são péssimas. O que o Estado tem que fazer é respeitar as diversas religiões. Desprezar o requisito lógico da fé resultará em colocar para dar aula de Religião um não religioso. Existem cargos suficientes nas cadeiras de Filosofia e História que possam acolher os excelentes professores não religiosos que temos no país. O que não faz sentido é que alguém que não tem fé ensine sobre ela. Repito: será como colocar vascaínos para ensinarem o Hino do Flamengo.
O Conselho Nacional de Educação (CNE), como se vê em matéria da Folha de S. Paulo, ao invés de aplicar a CF, prefere que o ensino religioso seja banido da grade curricular de alunos do ensino fundamental público. Como essas aulas estão previstas na própria Constituição, elas devem, então, ter caráter não confessional, sem priorizar uma ou outra religião.
Luiz Roberto Alves, Conselheiro do CNE diz, na mesma matéria, e usando todas as letras, o seguinte:
Espera-se, pois, que chegue logo o dia em que a LDB [Lei de Diretrizes e Bases} será escoimada [libertada] do componente escolar ensino religioso.
É evidente que o objetivo é ESCOIMAR o ensino religioso. O CNE deveria cumprir a CF, mas, movido por opiniões ideológicas, prefere eliminar o ensino religioso. Não podendo fazer isso por emenda constitucional, abraçou a tese do ensino religioso não confessional, que é o mesmo que eliminar o ensino religioso.
Ainda na mesma matéria, cita-se o Professor Virgílio Afonso da Silva, da USP, que diz:
O Estado tem que tomar as rédeas desse processo. O ensino religioso está em situação de tensão – e não de harmonia – com o Estado laico.
O Estado não pode esquecer que o titular do Poder Constituinte determinou que houvesse ensino religioso. O Estado tomar as rédeas do ensino religioso é que viola o Estado laico. Voltando ao conceito de laicidade: a harmonia não decorre da unificação do pensamento (que é impossível em uma sociedade plural como a nossa), mas da convivência harmônica entre as diversas correntes de pensamento religioso (assim como político etc.). As diferenças religiosas e políticas geram tensão sim, mas a harmonia decorre da coexistência, não da fixação de uma visão única. Até porque essa visão única seria necessariamente a escolha do Estado confessional ateu, que deseja excluir as religiões do espaço público.
Eis a posição do Instituto dos Advogados Brasileiros:
A posição assumida pelo IAB é a de que o STF interprete o decreto à luz da Constituição Federal e da Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional (LDB). Em seu art. 33, a LDB estabeleceu que "o ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil e vedadas quaisquer formas de proselitismo". Para o IAB, a única forma de compatibilizar o caráter laico do Estado brasileiro com o ensino religioso nas escolas públicas consiste na adoção de modelo não confessional. A disciplina deve ter como conteúdo programático a exposição das doutrinas, práticas, história e dimensões sociais das diferentes religiões, incluindo posições não religiosas, sem qualquer tomada de partido por parte dos educadores.
Esta posição, mais uma vez, não trata a laicidade em seu conceito adequado, como já expus. Mais que isso, pretende que os professores não tomem partido de qualquer linha. Ocorre que não tomar partido de qualquer linha já é adotar uma linha! Repito: se a laicidade for interpretada assim, a assistência religiosa prevista no art. 5º, VII, da CF será tudo, menos religiosa. Afinal, é da natureza da religião ter uma visão específica e individualizada da vida. Repisando, a vedação do proselitismo, que não é texto da CF, mas apenas do art. 33 da LDB, é assegurada pelo caráter facultativo das aulas.
Eu sou cristão protestante. A CF assegura ensino religioso. Se a aula de “religião” for dada sem definição de credo eu não vou querer que meu filho a assista, e explico a razão. Tenho todo o respeito pelos católicos e seus santos, pelos espíritas, pela umbanda e pelos ateus. Porém, se qualquer professor for dar a aula de religião, é enorme a possibilidade de (aí sim!) haver proselitismo. Provavelmente um professor ateu vai dizer para meu filho que existem muitos deuses e que nenhum é seguro; um professor espírita vai falar em reencarnação, um professor budista falará que o único deus que existe é o nosso interior, e assim por diante. De fato, seria mais simples que a CF não falasse em ensino religioso, mas ela fala, e se fala há que haver respeito aos credos.
O IAB chega ao cúmulo de defender que sejam expostas as “posições não religiosas”. Isso é ignorar o texto da CF. Por mais que isso possa desagradar a não religiosos, o ensino “religioso” é que tem sede constitucional. O ensino “não religioso” é respeitável, protegido pela laicidade, mas não está previsto como obrigatório. Será que o STF tem o poder de reescrever a CF para agradar aos não religiosos? Não é a emenda o caminho correto para isso? Seria legítimo substituir o quórum exigido para uma emenda por seis votos no STF?
Volto a citar V. Ex. A:
Há três grandes valores em questão. O primeiro é a liberdade de religião, a possibilidade legítima de se professar uma crença e pretender conquistar adeptos para ela. O segundo é o dever de neutralidade do Estado, que deve se abster de promover qualquer religião, bem como de dificultar o seu exercício. O terceiro valor envolve o papel da religião na educação e no espaço público, no âmbito de um Estado democrático e de uma sociedade multicultural.
Concluindo, a neutralidade do Estado não significa simplesmente “se abster de promover qualquer religião”, pois quando concede benefícios tributários está fazendo exatamente isso. A neutralidade se revela em não se dar a uma visão religiosa precedência sobre as demais. Nesse sentido, querer unificar o ensino da religião e permiti-lo a quem não a professa equivale a tirar a alma da religião e o multiculturalismo da sociedade. Só seremos multiculturais se aprendermos a lidar com várias confissões.
É certo que o caminho eleito pelo constituinte traz diversos desafios ao administrador público. Igualmente, preferia que cada religião cuidasse do seu ensino. Todavia, outras escolhas do constituinte, como o concurso público e as licitações, também são de difícil implementação. A questão é que não podemos, por não simpatizar, ou não ser fácil sua materialização, desprezar o texto constitucional.
Enfim, os concursos devem ser feitos, os cuidados com o material didático, tomados, a preocupação com o espaço para as minorias religiosas, redobrada, o que não se pode fazer é tirar a fé do ensino religioso, nem o ensino religioso da Constituição.
Com a admiração do seu aluno e leitor,
William Douglas, juiz federal/RJ, professor e escritor.

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