Avesso a abordagem política, e guardião dos ensinamentos constitucionais, o professor Dalmo Dallari, explana com base na Constituição Federal as simulações que hoje permeiam os pedidos de impeachment.
Opinião Jurídica
Tendo
em conta a pretensão de proposição do “impeachment” da Presidente Dilma
Rousseff, manifestada por vários militantes políticos, apoiando-se, em
alguns casos, em pareceres de juristas, foram-me dirigidas perguntas
relativas ao tema, que passo a responder.
Desde logo, entretanto, ressalto que a matéria é expressamente normatizada no texto da Constituição brasileira
vigente, que, conforme o ensinamento do eminente mestre José Joaquim
Canotilho, é “norma superior e vinculante”, condicionando todas as
intepretações e aplicações dos preceitos jurídicos brasileiros.
1 – Em primeiro lugar, quanto à responsabilidade, pergunta-se qual o alcance do artigo 86, parágrafo 4o, da Constituição Federal.
Indaga-se, especificamente, se para fins de eventual responsabilização
por impedimento, em hipótese, se reeleição presidencial, pode-se cogitar
de continuidade de mandato ou são mandatos autônomos. Em síntese, a
indagação é se pode haver responsabilização no segundo mandato por
conduta eventualmente ocorrida em mandato anterior.
O artigo 86, parágrafo 4o, da Constituição,
tem redação muito clara quando dispõe: “o Presidente da República, na
vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos
estranhos ao exercício de suas funções”. Aí está mais do óbvio que a
intenção do legislador constituinte foi excluir a hipótese de
responsabilização do Presidente por atos que não tenham sido praticados
no exercício do mandato corrente, ou seja, na vigência do mandato que
esteja exercendo. Assim, pois, a eventual circunstância de o Presidente
já ter exercido mandato anterior não tem qualquer relevância para a
correta aplicação do preceito do parágrafo 4o. O que importa,
exclusivamente, é que o ato questionado tenha sido praticado durante a
vigência do mandato corrente, ou seja, como estabelece a Constituição,
durante a vigência de seu mandato. Se a mesma pessoa tiver exercido
mandato anteriormente trata-se de outro Presidente e outro mandato e não
do mandato vigente.
Em conclusão, não pode haver responsabilização no segundo mandato por conduta eventualmente ocorrida em mandato anterior.
2 – Pergunta-se em seguida se, tendo em conta o disposto no artigo 86, “caput”, da Constituição,
poder-se-ia admitir que o plenário da Câmara dos Deputados, por maioria
simples, acolhe-se recurso contra a decisão de arquivamento de
denúncia, do Presidente da Casa. Indaga-se, também, se no caso de
acusação da prática de eventual crime de responsabilidade o Presidente
da República poderá responder tanto por conduta comissiva quanto
omissiva e se o Presidente pode ser responsabilizado apenas por
modalidade dolosa ou também por culposa.
Em primeiro
lugar, quanto à possibilidade de decisão por maioria simples da Câmara
dos Deputados contrário ao arquivamento da denúncia a resposta é que,
nos termos expressos do referido artigo 86, “caput”, as decisões
admitindo a acusação devem ser adotadas por dos terços dos membros da
Câmara, devendo, portanto, ser exigido o mesmo quorum qualificado para
eventual recurso contra o arquivamento.
O segundo ponto é
referente à possibilidade de responsabilização do Presidente da
República por modalidade culposa. Isso foi suscitado porque houve quem
emitisse parecer afirmando que a omissão do Presidente também daria base
para o enquadramento por crime de responsabilidade. Para responder a
esse ponto basta a leitura atenta e desapaixonada do artigo 84 da Constituição,
no qual está expresso e claro que são crimes “os atos” do Presidente.
Assim, para que se caracterize o crime é indispensável a intenção, a
prática de um ato que configure um crime. Não havendo esse ato, essa
intenção expressamente manifestada, não se caracteriza o crime.
3
– Por último, pergunta-se se o Presidente da República e seu
Vice-Presidente podem ter o mandato cassado por decisão do Tribunal
Superior Eleitoral em ação de impugnação de mandato eletivo, ao arrepio
dos artigos 85 e seguintes da Constituição.
Na realidade, a pergunta já contém a resposta, pois o artigo 85 da Constituição
dispõe, especificamente, sobre as hipóteses de cassação do mandato do
Presidente da República e ali não se dá competência ao Tribunal Superior
Eleitoral para decidir sobre a cassação. Além disso, é oportuno
lembrar, ainda, o disposto no parágrafo 4º do artigo 86 da Constituição,
que é absolutamente claro quando dispõe que “O Presidente da República,
na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos
estranhos ao exercício de suas funções”.
Em complemento a isso, indaga-se também se a ação de investigação judicial eleitoral e a representação prevista no artigo 30-A da Lei nº 9504/97
podem ensejar a cassação dos mandatos do Presidente e do
Vice-Presidente da República. A resposta, sem a mínima dúvida, é não. E
para eliminar qualquer tentativa de simulação de fundamentação jurídica
basta reproduzir aqui o que dispõe expressamente o artigo 14, parágrafo 10º, da Constituição:
“O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no
prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas
de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude”.
São essas, portanto, as respostas às questões formuladas, que tomaram por base, sobretudo, o que dispõe a Constituição, “norma superior e vinculante”, e que se orientaram por critérios essencialmente jurídicos.
Esse é o meu parecer.
Prof. Dr. Dalmo de Abreu Dallari Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Advogado – OAB/SP 12.589
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