quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Excluída por ex-marido, mulher consegue manutenção de plano de saúde


Por Tadeu Rover

Se a legislação reconhece que a viúva tem direito a continuar no plano de saúde familiar, em caso de morte do marido, não há porque tratar de maneira diferente a mulher em caso de divórcio. Esse foi o entendimento da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo ao reconhecer uma mulher como cotitular do plano de saúde familiar.

"Em ambos os casos o vínculo com o então titular do plano é extinto e o que se deve evitar é o desamparo de serviço essencial que é a assistência à saúde", explicou o relator, desembargador Alcides Leopoldo e Silva Júnior.

A mulher buscou o Judiciário depois de o ex-marido excluí-la como dependente do plano de saúde familiar. Representada pelo advogado Cláudio Castello de Campos Pereira, do Castello de Campos Sociedade de Advogado, a mulher alegou ter direito a manter o benefício pois seria, na verdade, cotitular.

Na inicial apontou, inclusive que foi ela quem assinou o contrato, tendo constado o nome do ex-marido como titular apenas por formalidade, uma vez que o formulário limitava apenas um cônjuge em tal posição. Como argumento jurídico, a mulher apontou que deveria ser considerada cotitular com base na igualdade entre os sexos constitucionalmente prevista.

Além disso, argumentou que o caso permite uma analogia com a resolução do Conselho de Saúde Suplementar que trata dos casos envolvendo a morte do titular. Diz o artigo 3º da Resolução Normativa 195/2009 da ANS que “a extinção do vínculo do titular do plano familiar não extingue o contrato, sendo assegurado aos dependentes já inscritos o direito à manutenção das mesmas condições contratuais, com a assunção das obrigações decorrentes”.

Em primeira instância o pedido de tutela antecipada foi negado com o entendimento de que o simples fato de ter assinado o contrato de adesão como representante de seu então marido não altera a titularidade do plano. Além disso o juiz considerou que a ação deveria ser movida contra o ex-marido, e não contra o plano de saúde. "A parte interessada deve focar naquilo que se considera equivocado e não mirar em terceiros a correção do erro", escreveu o juiz.

Inconformada, a mulher apresentou agravo ao TJ-SP, que reformou a decisão e deferiu a antecipação de tutela, obrigando o plano de saúde a manter o contrato com a mulher, nas mesmas condições de antes. No agravo, o advogado Castello de Campos afirmou que o entendimento do juiz a respeito da titularidade do contrato estava equivocado e, novamente, apontou que no caso deve ser aplicado o princípio da isonomia conjugal.

"Não se pode reduzir o papel da mulher coadministradora da sociedade conjugal a uma reles 'representante' de seu marido, tal como afirma a decisão recorrida, porque a relação em questão não é contratual — o mandato — mas de reconhecimento de um negócio jurídico firmado pela entidade familiar na qual a mulher atingiu a condição paritária do homem", destacou o advogado no agravo.

Ao julgar o recurso, o desembargador relator Alcides Leopoldo e Silva Júnior votou pela concessão da tutela antecipada, sendo seguido pelos demais integrantes do colegiado. Segundo o relator, aplica-se ao caso por analogia além da Resolução Normativa 195/2009 da ANS, a Súmula Normativa 13 da ANS, a qual dispõe que: "o término da remissão não extingue o contrato de plano familiar, sendo assegurado aos dependentes já inscritos o direito à manutenção das mesmas condições contratuais, com a assunção das obrigações decorrentes, para os contratos firmados a qualquer tempo".

Clique aqui para ler a decisão.
2138378-43.2016.8.26.0000

Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 30 de outubro de 2016, 7h55
http://www.conjur.com.br/2016-out-30/excluida-ex-marido-mulher-manter-plano-saude

Faltando confiança, cliente pode - sem pagar multa - revogar contrato de advocacia


Publicado por Espaço Vital

Mesmo existindo cláusula de irrevogabilidade do contrato estabelecido entre advogado e cliente, não é possível estipular multa para as hipóteses de renúncia ou revogação unilateral do mandato, independentemente de motivação, respeitado o recebimento dos honorários proporcionais ao serviço prestado pelo profissional.

O entendimento da 4ª Turma do STJ foi proferido em julgamento de recurso especial do advogado Aroldo Antonio Glomb. Ele foi contratado por dois clientes (Leda Luiza Losso Stange e outro), para atuar em inventário da família. Após seis anos de atuação, os clientes revogaram o contrato. O caso é oriundo do Paraná.

O acordo tinha cláusula que previa multa de R$ 20 mil em caso de rescisão unilateral e injustificada por parte dos contratantes. O advogado então ajuizou ação de cobrança requerendo o pagamento da multa convencionada e dos honorários pelos serviços prestados.

No STJ, o advogado argumentou que a qualificação dos serviços advocatícios não exclui a exigibilidade da cláusula penal em razão da “força obrigatória dos contratos, não havendo falar em direito potestativo de rescindir o contrato”.

O relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, assinalou que os artigos 44 e 45 do CPC de 1973, correspondentes aos artigos 111 e 112 do atual código, estabelecem que o advogado tem direito potestativo de renunciar ao mandato e, ao mesmo tempo, tem o cliente de revogá-lo, “sendo anverso e reverso da mesma moeda, ao qual não pode se opor nem mandante nem mandatário”.

O julgado lembrou que a própria OAB reconhece que “os mandatos judiciais não podem conter cláusula de irrevogabilidade por contrariar o dever de o advogado renunciar a eles caso sinta faltar a confiança do mandante”.

Segundo o relator, só se pode falar em cláusula penal, no contrato de prestação de serviços advocatícios, “para as situações de mora e/ou inadimplemento e, por óbvio, desde que os valores sejam fixados com razoabilidade, sob pena de redução”, conforme indicam os artigos 412 e 413 do Código Civil.

Para o ministro Salomão, a possibilidade de revogar ou renunciar mandato, inclusive, faz parte da relação entre advogado e cliente. “Não seria razoável exigir que a parte permanecesse vinculada à outra, mantendo íntima e estreita relação, por temor de ser obrigada a pagar a multa, devendo esta ficar restrita aos casos de mora ou inadimplemento do cliente ou do seu patrono” - afirmou. (REsp nº 1346171 – com informações do STJ e da redação do Espaço Vital).

http://espaco-vital.jusbrasil.com.br/noticias/400818469/faltando-confianca-cliente-pode-sem-pagar-multa-revogar-contrato-de-advocacia?utm_campaign=newsletter-daily_20161101_4292&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Posso deserdar um filho?

Publicado por Paulo Henrique Brunetti Cruz

Esse tema é muito corrente nos filmes e nas novelas, mas será que na realidade eu posso deserdar um filho?
Não é pouco comum aquele filho mau e “mauricinho” da novela ser ameaçado pelo pai de ser deserdado. Nos filmes americanos, a questão também recebe enfoque especial, notadamente porque lá há uma maior liberdade para se excluir alguém por testamento.
Na verdade, não só é possível deserdar um filho, como qualquer outro herdeiro necessário, desde que presentes os requisitos legais.
Por mais motivos que a pessoa possa ter, não é qualquer um que autorizará a deserdação. O Código Civil limitou as hipóteses a situações predeterminadas, o que significa que se nenhum desses motivos existe no seu caso, por mais que você se sinta no direito de deserdar um parente, juridicamente não será possível fazê-lo.
Para se fazer a deserdação, é preciso que o interessado manifeste essa vontade através de testamento, constando a causa de deserdar(art. 1.964 do CC).



Assim, após a morte do autor da herança, o herdeiro que for instituído pelo testador para substituir o deserdado (quando aplicável)[1], ou o herdeiro a quem aproveitar a deserdação[2], terá a incumbência de provar que a causa alegada pelo testador é legítima sob o ponto de vista legal.
Mas afinal, em que situações é permitido deserdar alguém?Basicamente, quando o herdeiro faz algo de ruim contra aquele cuja herança um dia por lei receberia.
Assim, podem ser deserdados o descendente, o ascendente e o cônjuge[3]. Contudo, há razões em comum e outras diferentes para cada um deles poder ser deserdado.
1) Causas de deserdação comuns ao descendente, ao ascendente e ao cônjuge



Antes de qualquer coisa, cumpre gizar que o cônjuge é o único que não tem perante a legislação motivos em separado para poder ser deserdado pelo seu par.
Portanto, as causas de deserdação do cônjuge sempre coincidem com algumas que já existem para se deserdar ascendente e descendente. A recíproca não é verdadeira, de modo que existem motivos que só existem para o ascendente e outros que só valem para o descendente.
1.1) Cometimento de homicídio tentado ou consumado contra o autor da herança ou de seus parentes



Aqueles que tiverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso tentado ou consumado contra o autor da herança, ou contra seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente, poderão ser deserdados (arts. 1.814, I, 1.962, caput, e 1.963, caput, Código Civil).
1.2) Acusação caluniosa em juízo contra o autor da herança e crime contra a honra deste ou de seus parentes



Se o herdeiro esteve envolvido em processo judicial contra o autor da herança e se excedeu nas acusações que fez contra este, aquele o poderá deserdar.
O mesmo ocorrerá se o sucessor tiver cometido crime contra a honra(calúnia, difamação ou injúria[4]) daquele de quem pretende herdar, ou contra o cônjuge ou companheiro (a) deste (vide arts. 1.814, II, 1.962, caput, e 1.963, caput, CC).
1.3) Obstáculo a que o autor da herança faça seu testamento



Caso o herdeiro tente, seja por violência, seja mediante fraude, inibir ou colocar obstáculo para que o autor da herança não faça seu testamento, ou que o modifique, também poderá tal sucessor ser deserdado (cf. Arts. 1.814, III, 1.962, caput, e 1.963, caput, Lei Federal nº. 10.406/2002).
2) Causas de deserdação comuns ao descendente e ao ascendente



Existem algumas ocasiões específicas que podem ensejar a deserdação tanto do descendente quanto do ascendente.
As situações diferentes para um e para outro serão abordadas mais à frente.
2.1) Ofensa física contra o autor da herança



Bater em quem irá futuramente propiciar-lhe o recebimento de uma herança definitivamente não é uma boa opção.
Com muito acerto o autor da herança pode deserdar quem lhe tenha ofendido em sua integridade física (arts. 1.962, I, e 1.963, I, do Código Civil).
2.2) Injúria grave



É importante salientar que não é qualquer xingamento que irá autorizar a deserdação. De fato, se chamar alguém de “bobo” pudesse tirar do indivíduo o direito à herança, estaria instalada uma gravíssima insegurança jurídica.
O Direito reconhece, por outro lado, que ser aviltado por palavras de baixo calão, trazendo dor, angústia, sofrimento e humilhação, é razão bastante para, aí sim, retirar do rol de herdeiros a pessoa responsável por tamanha injúria.
Assim sendo, a injúria grave (não é qualquer injúria) proferida por herdeiro contra o autor da herança pode lhe trazer a deserdação (ver arts. 1.962, inc. II, e 1.963, inciso II, do CC).
3) Causas específicas de deserdação de descendente



Como dito, algumas causas de deserdação são específicas para a hipótese de descendente, diferindo daquelas existentes no caso de ascendente.
3.1) Relações ilícitas com a madrasta ou o padrasto



Trata-se de situação semelhante ao incesto, porém não configura este tipo de caso, eis que o incesto se constitui pela relação afetiva/sexual entre ascendente e descendente.
Quem não se lembra da recente minissérie “Verdades Secretas”[5], quando o tema entrou em voga?
A madrasta ou o padrasto não são ascendentes de seus enteados ou de suas enteadas, por isso não se fala em incesto.
A despeito disso, moralmente a situação não deixa de ser repreensível (não tanto quanto no incesto, mas parecida). Por isso, a lei não exclui de sua incidência esse tipo de devassidão ética.
Desse modo, se o filho do autor da herança vem a se relacionar com a esposa deste, sua madrasta, esposa de seu pai, o genitor pode deserdar o filho despudorado (cf. Art. 1.962, III, CC).
3.2) Desamparo do ascendente com alienação mental ou grave doença



Aqui a lei quis garantir que a pessoa pudesse deserdar descendente seu que lhe abandonasse em momento de necessidade de cuidados básicos.
Andou muito bem o Código Civil nesse ponto. O abandono em casos de dificuldade de saúde é repulsivo. Ora, se o descendente não está presente para ajudar quando necessário, por que haveria de se fazer presente para receber herança?
Por isso, a possibilidade de deserdar o descendente que abandonou o ascendente é de muito bom alvitre (CC, art. 1.962, IV).
4) Causas específicas de deserdação de ascendente



São semelhantes às causas de se deserdar o descendente, no entanto, estão adaptadas às situações em que quem protagoniza as ilegalidades é o ascendente, não o descendente.
Não obstante, a motivação encontrada é a mesma da vista para a deserdação do descendente.
4.1) Relações ilícitas com o genro/nora, ou com o cônjuge do neto/neta



Novamente uma prática moralmente detestável é repelida pela legislação brasileira.
Seria um contrassenso esperar que um pai que veio a se relacionar ilegalmente com a esposa de seu filho não pudesse ser deserdado por este.
Dessa vez a lei vai além: estende o alcance da regra às relações entre avós e cônjuges dos netos (art. 1.963, III, Código Civil).[6]
4.2) Desamparo do filho ou neto[7] com deficiência mental ou grave doença



Novamente a ideia é combater o abandono. Só que agora a questão é do desamparo de ascendente no que toca ao descendente.
Assim sendo, se o pai, a mãe, o avô ou a avó deixam ao relento o filho, a filha, o neto ou a neta, poderão ser deserdados, conforme o caso (vide art. 1.963, IV, do CC).

[1] Essa situação só ocorre em situações específicas. Não se pode substituir herdeiro necessário por outro, por exemplo.
[2] Verbi gratia, se são dois irmãos disputando a herança, ao irmão que não foi deserdado é que aproveitará a deserdação do outro.
[3] Os demais herdeiros, chamados de não necessários, ou apenas de legítimos, não precisam de uma causa para sofrerem a exclusão do direito à herança. Basta que a pessoa faça um testamento contemplando seu patrimônio a outra pessoa (art. 1.850 do CC). O mesmo não acontece em relação às figuras do descendente, do ascendente e do cônjuge (art. 1.845, CC), que não podem ser excluídos por mera disposição testamentária (inteligência do art. 1.846 do Código Civil).
[4] Art. 138 e ss. Do Código Penal.
[5] Teledramaturgia produzida e veiculada pela Rede Globo de Televisão.
[6] Não vejo motivo para não se ter feito a mesma extensão no caso de se deserdar descendente que se relacione com o cônjuge do avô ou da avó. Pode parecer impossível, entretanto, não o é.
[7] Discordo desta limitação na descendência. Por que não ir até o bisneto, ao tataraneto, ou até onde necessário for? O Direito é uma ciência em que o pouco provável sempre acontece e tem lugar. Suponha que A e B, com 18 anos, tenham tido um filho, C. Por sua vez C e D, também com 18 anos, deram vida a E. E e F, igualmente aos 18 anos, geraram G. Tendo G apenas 1 ano de idade, numa excursão de família a van em que A, B, C, D, E, F e Gestavam capota, morrendo todos, exceto A, agora com 55 anos, e G. Ora, Aé bisavô de G. Ocorre que, pela redação do Codex Substantivo Civil (art. 1.963, inciso IV), se G estiver acometido por doença grave e A não lhe der qualquer amparo, G não poderá deserdá-lo. Imagine que aos 18 anos Gfaleça sem deixar descendentes nem cônjuge. Então A, com 72 anos de idade, irá herdar todos os bens de G, seu bisneto, porque G não pudera fazer a deserdação de seu bisavô de índole questionável.


http://brunetti.jusbrasil.com.br/artigos/400832393/posso-deserdar-um-filho?utm_campaign=newsletter-daily_20161101_4292&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Herança de companheira e a decisão do STF (Zeno Veloso)


Publicado por Flávio Tartuce

O engenheiro Damião estava divorciado há quatro anos quando na bela praia do Farol, em Mosqueiro (esquecida, deslembrada pelos paraenses e uma das mais belas do Brasil, com a Ilha dos Amores no seu entorno), conheceu a jovem bancária e estudante de turismo Antonella, de família do baixo-amazonas, cujos antecedentes vieram da Itália. O namoro começou logo e evoluiu para uma relação mais íntima. Passaram a viver juntos, debaixo do mesmo teto, embora Damião se recusasse a casar, apesar da insistência de sua mulher, alegando que não queria ter uma segunda experiência matrimonial, considerando que a primeira havia desmoronado.

Estavam os dois, assim, numa união estável, cumpridos todos os requisitos do art. 1.723 do Código Civil, sendo o regime de bens dessa entidade familiar o da comunhão parcial de bens. Passaram-se cinco anos.

Damião já tinha três apartamentos e era titular de quotas de empresa antes de começar seu envolvimento com a companheira. Durante a existência da convivência, adquiriu o apartamento em que viviam e os dois tinham uma conta conjunta bancária no valor de cem mil reais.

O companheiro veio a falecer, em fevereiro passado, vítima de uma doença cruel e insidiosa, diagnosticada apenas seis meses antes. Não tinha filhos, seus pais já haviam falecido, de forma que, nos termos do art. 1.790 do Código Civil, que regula a sucessão dos que constituem família na modalidade união estável, a companheira sobrevivente só tem direitos hereditários sobre os bens adquiridos onerosamente durante a convivência.

Apareceram, imediatamente, três irmãos do falecido - com os quais, por sinal ele mantinha um relacionamento distante, quase protocolar - e propuseram fazer com Antonella o inventário e partilha extrajudicial da herança, seguindo o que prescreve o aludido art. 1.790 do Código Civil. Em síntese, os irmãos do "de cujus" ficariam com os três apartamentos e com todas as quotas da empresa, bens que ela já tinha antes de se relacionar com Antonella. Por sua vez, quanto ao apartamento que foi comprado durante a convivência, e ao dinheiro que estava no banco, a companheira era titular da metade (como meeira) e a outra metade desses bens (que representa a herança) seria dividida entre ele e os irmãos do falecido, na proporção de uma terça parte para a companheira e duas terças partes para os três irmãos. Realmente, o art. 1.790 é tenebroso!

Desde que o Código Civil foi promulgado, em 2002, tenho declarado, em vários escritos, que esse art. 1.790 do Código Civil representa uma barbaridade. É preconceituoso, injusto, desumano, trata a família constituída informalmente como se fosse de segunda classe, estando fulminado de uma flagrante inconstitucionalidade. Mas está em vigor por todos esses anos, causando injustiças gritantes.

Os irmãos de Damião acertaram com a companheira sobrevivente a elaboração de uma escritura pública de inventário (extrajuducial) em que promoveram a partilha dos bens naquela forma acima mencionada. Antonella ficava com uma parte bem pequena, uma quantidade diminuta dos bens deixados pelo companheiro. Mas, até porque não tinha emprego nem rendas, estava muito ansiosa, carente, precisava pagar algumas dívidas e iria receber dos cunhados uma importância relativa ao dinheiro a que tinha direito, a companheira, no dia 30 de agosto deste ano, uma terça-feira, acompanhada de seu advogado (um primo que resolveu ajudá-la, gratuitamente), compareceu ao cartório para assinar a aludida escritura, realizando a partilha e fechando o inventário dos bens deixados pelo falecido. Mas os outros herdeiros não apareceram e, angustiada, ela telefonou para um deles, que, com insolência e altivez, respondeu: "tivemos um compromisso mais importante e não vamos assinar nada hoje. Pode ir embora. Vamos avisar quando poderemos assinar a escritura".

Na quinta-feira, 1º de setembro, logo de manhã, cedinho, o irmão que havia dado aquela resposta arrogante, com voz doce e simpática, agora, informou que todos estavam resolvidos a assinar a escritura, convidando Antonella para comparecer às 10 horas, no Cartório. A mulher ficou intrigada, mas emocionada com a inesperada gentileza. Então, ligou para o seu primo, advogado, e foi surpreendida com o que ele disse: "Você não assistiu ao"Bom Dia Brasil", hoje? Pois fique sabendo que ontem, quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal começou o julgamento da ação que pretende que o art. 1.790 do Código Civil seja declarado inconstitucional. A decisão foi adiada por um pedido de vistas, mas já sete dos onze ministros anteciparam seus votos pela inconstitucionalidade, o que parece irreversível, e a sucessão dos companheiros, segundo definido, seguirá as regras do art. 1.829 do Código Civil, que disciplina a sucessão dos cônjuges. Isso vai mudar a sua situação de forma radical e para muito melhor".

Quando o irmão do falecido - já ele aflito, nervoso - voltou a telefonar para Antonella, dizendo que estavam todos os três irmãos aguardando por ela no cartório, orientada pelo advogado, respondeu: "Peçam aí um cafezinho para o notário, e esperem sentadinhos, confortáveis, que não vou mais assinar coisa alguma. Aguardo a decisão final da ação que o Supremo está julgando, como devem estar sabendo. A se confirmar o que já disseram sete dos onze Ministros, eu serei a única herdeira de Damião e vocês, parentes colaterais dele, ficarão afastados da herança. E passem bem".

P. S. Meu amigo professor Emílio Nobre passou uma semana em Portugal, ciceroneado pelo procurador e também professor Frederico Oliveira, fazendo contatos com vistas ao curso de doutoramento na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, uma das mais prestigiadas da Europa. Teve a gentileza de me trazer os livros de Direito de Família e de Direito das Sucessões, enviados por meu amigo e civilista eminentíssimo, ex-diretor daquela Faculdade, Jorge Duarte Pinheiro. Vou dizer no jeito lusitano: obrigadíssimo.

Por Zeno Veloso. Doutor Honoris Causa pela Universidade da Amazônia. Diretor do IBDFAM para a Região Norte. Professor da UFPA e da UNAMA. Tabelião em Belém.

http://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/400614177/heranca-de-companheira-e-a-decisao-do-stf-artigo-de-zeno-veloso?utm_campaign=newsletter-daily_20161101_4292&utm_medium=email&utm_source=newsletter