sábado, 16 de dezembro de 2017

Contrato de integração, o novo contrato típico agrário

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Desde maio de 2016, o Direito Agrário brasileiro conta com um novo contrato típico: o contrato de integração vertical ou contrato de integração. O processo de tramitação da nova lei foi bastante lento, pois o primeiro projeto sobre o tema data de 1998. Dois outros projetos foram apresentados, em 2010 e 2011. O último foi convertido no PL 6.459/2013, posteriormente aprovado e transformado na Lei 13.288, em 16 de maio de 2016[1]. Esse texto é introdutório ao tema e deixará a cargo das próximas colunas um detalhamento mais aprofundado.
Importante observar que, diferentemente dos contratos típicos já existentes (parceria e arrendamento), o contrato de integração não regula relações que têm como objeto central a cessão do imóvel rural, mas, sim, a matéria-prima, ou seja, as atividades que implicam o desenvolvimento de um ciclo biológico animal ou vegetal a suprir a demanda agroindustrial. Verifica-se claramente a consolidação jurídica da empresa agrária, que, neste caso, passa a ser integrante do agronegócio[2], ou seja, está envolvida com outra empresa responsável pelo processamento, distribuição e consumo dos produtos agropecuários in natura ou industrializados.
O fenômeno da integração pode ser resumidamente explicado como o fato de uma empresa passar a controlar operações a montante ou a jusante. Ou seja, o que a Lei 13.288/2016 regula é o fenômeno que os economistas chamam de “quase-integração” ou “integração contratual” e que corresponde ao meio-termo entre a integração e o livre mercado.
Por sua vez, a lei utiliza as expressões “integração vertical” ou simplesmente “integração” para designar o fenômeno econômico da quase-integração ou integração contratual e a conceitua como uma “relação contratual entre produtores integrados e integradores que visa a planejar e a realizar a produção e a industrialização ou comercialização de matéria-prima, bens intermediários ou bens de consumo final, com responsabilidades e obrigações recíprocas estabelecidas em contratos de integração”.
Já o contrato de integração é explicado como “contrato firmado entre o produtor integrado e o integrador, que estabelece a sua finalidade, as respectivas atribuições no processo produtivo, os compromissos financeiros, os deveres sociais, os requisitos sanitários, as responsabilidades ambientais, entre outros que regulem o relacionamento entre os sujeitos do contrato”[3]. A própria lei exclui a sua aplicação das relações entre cooperativas e seus associados, situação que é regulada por legislação específica aplicável às sociedades cooperativas.
A definição parece ter se aperfeiçoado em relação ao projeto de 1998, que, segundo Nunziata Paiva, não servia tecnicamente como conceito do contrato de integração vertical agroindustrial, pois somente descrevia o conteúdo que esses contratos deveriam ter. A definição, prevista no projeto de lei de 1998, atrelava à ideia de “parceria” a união de pessoas com fim comum, quando na verdade os interesses das partes integrantes não são comuns, pois a uma parte interessa receber constantemente a matéria-prima na quantidade e qualidade pré-estabelecidas, e à outra, receber o preço pela engorda dos animais, como se verifica no setor avícola ou da suinocultura[4].
As partes da relação contratual são designadas por produtor integrado e integrador. O produtor integrado é conceituado como produtor agrossilvipastoril, “pessoa física ou jurídica, que, individualmente ou de forma associativa, com ou sem a cooperação laboral de empregados, se vincula ao integrador por meio de contrato”. Kassia Watanabe et al. (2017, p. 110) ressaltam que a legislação brasileira somente fez menção a produtos primários, ligados à exploração dos recursos naturais (agricultura, pecuária, silvicultura e aquicultura), e questionam se estariam incluídos também os bens intermediários (por exemplo, farinha)[5].
Já o integrador é definido como “pessoa física ou jurídica que se vincula ao produtor integrado por meio de contrato de integração vertical, fornecendo bens, insumos e serviços e recebendo matéria-prima, bens intermediários ou bens de consumo final utilizados no processo industrial ou comercial”, possibilitando, dessa forma, a participação de cooperativas como parte do contrato[6], o que está excluída é a relação de integração vertical entre os membros da cooperativa e cooperativa[7]. Equiparam ao integrador os comerciantes e exportadores que celebram contratos de integração com produtores agrossilvipastoris[8].
Para encerrar a análise desta semana, é importante ressaltar duas observações feitas pela Lei 13.288/2016. A primeira referente ao pagamento pela entrega do produto à agroindústria ou ao comércio não caracterizar contrato de integração, excluindo, dessa forma, quaisquer dúvidas, principalmente em situações de contrato de fornecimento de produto. A segunda destaca que a situação regulada pela lei não configura prestação de serviço ou relação de emprego entre integrador e integrado, seus prepostos ou empregados.


[1] PL 4.378/98, PL 8.023/2010, PL 330/2011 – senadora Ana Amélia Lemos segue para a Câmara dos Deputados em 2013 – PL 6.459/2013.
[2] O termo agribusiness, definido por Davis e Goldberg, corresponde ao conjunto de todas as operações e transações envolvidas desde a fabricação dos insumos agropecuários, das operações de produção nas unidades agropecuárias até o processamento, distribuição e consumo dos produtos agropecuários in natura ou industrializados. GOLDBERG, Ray A. Agribusiness coordination: a systems approach to the wheat, soybean, and Florida orange economies. Boston: Harvard Business School, 1968.
[3] BRASIL. Lei 13.288, de 16 de maio de 2016. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 6 nov. 2017.
[4] Paiva, Nunziata. Revista da Faculdade de Direito de Goiás, V. 33, n. 2, p. 184-198, jul. / dez. 2009.
[5] Watanabe, Kassia et al. Contract farming in Brazil – an approach to Law and Economics. Revista Direito GV. São Paulo, v. 13, n. 1, jan.-abr., 2017.
[6] BRASIL. Lei 13.288, de 16 de maio de 2016. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 6 nov. 2017.
[7] No mesmo sentido, Watanabe, Kassia et alContract farming in Brazil – an approach to Law and Economics. Revista Direito GV. São Paulo, v. 13, n. 1, jan.-abr., 2017.
[8] BRASIL. Lei 13.288, de 16 de maio de 2016. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 6 nov. 2017.
Flavia Trentini é professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto. Doutora em Direito pela USP, com pós-doutorado em Administração/Economia das Organizações (FEA/USP). Atualmente é visiting professor na Scuola Universitaria Superiore Sant’anna (Itália). Tem experiência na área de Direito Privado, com ênfase em Direito Agroambiental.
Revista Consultor Jurídico, 10 de novembro de 2017, 8h05
https://www.conjur.com.br/2017-nov-10/direito-agronegocio-contrato-integracao-contrato-tipico-agrario

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