domingo, 29 de janeiro de 2017

O que você precisa saber sobre a Remissão nos Planos de Saúde!


Alguns Planos de Saúde, com o objetivo de atrair maior número de clientes, oferecem em seus contratos o benefício da remissão. Você sabe o que é isso e como funciona?
A maioria dos consumidores não.
A Lei dos Planos de Saúde e suas Resoluções Normativas já garantem aos dependentes a permanência no contrato após a morte do titular, desde que assumam os pagamentos das mensalidades.
Pela cláusula de remissão, entretanto, em caso de falecimento do titular, o cônjuge e seus dependentes, adquirem o direito de permanência no plano de saúde sem a necessidade de pagamento das mensalidades, por períodos que variam de 03 a 05 anos, dependendo do contrato e da operadora.

PERMANECEM COM DIREITO A TODAS AS COBERTURAS CONTRATADAS E SEM PAGAMENTO DAS MENSALIDADES POR 03 A 05 ANOS? SERÁ MESMO?

Os contratos de planos de saúde são baseados na mutualidade dos riscos distribuídos entre todos os usuários, o que significa que os mais jovens e, em tese mais saudáveis e com maior capacidade de trabalho, pagam pela manutenção dos mais velhos (em tese, com menor capacidade de trabalho e menos saudáveis). 
Nesse post a informação sobre a mutualidade é importante apenas para que fique claro que não há gratuidade nenhuma no período de 03 a 05 anos de remissão oferecidos pelas operadoras, pois os valores que garantem essa remissão estão devidamente calculados desde a formação de preço dos contratos e são distribuídos por todos os usuários e em todas as faixas etárias, justamente em razão da mutualidade.

MAS AFINAL, O QUE É REMISSÃO?

Remissão significa perdão (diferente de remição com “ç”, que significa pagamento).
Pela remissão, o cônjuge e os dependentes que já participavam do plano de saúde quando do falecimento do titular, ficam perdoados do pagamento das mensalidades pelo período em que durar a remissão, mas mantêm todos os direitos, obrigações e garantias do contrato.
Atenção! Eu disse que a remissão é o perdão do pagamento das mensalidades pelo período estipulado. Apenas isso! O que significa que, durante esse período, o contrato continuará sofrendo reajustes anuais e por mudança de faixa etária normalmente, para que haja equilíbrio financeiro do contrato, ainda que perdoado o respectivo pagamento.
Ao término da remissão resta ao cônjuge a opção de assumir a titularidade do contrato e a responsabilidade pelo pagamento das mensalidades que foram atualizadas durante todo o período.
E é nesse ponto que se encontra uma das principais discussões sobre o “benefício” da remissão, já que o consumidor não é informado previamente de que seu plano de saúde permanecerá sendo reajustado e que, quando voltar a pagar as mensalidades, elas estarão devidamente acrescidas dos reajustes anuais e por mudanças de faixa etária havidas nesse mesmo período.
Este, entretanto, não é, nem de longe, o pior dos problemas, vez que pode ser facilmente corrigido passando-se a esclarecer prévia e detalhadamente o consumidor como manda o Código de Defesa do Consumidor.
Acreditem, há situações ainda piores que essa.
Já vimos que remissão não se trata, propriamente, de um “benefício” concedido “gratuitamente” pelas operadoras de planos de saúde, mas sim, de um “direito devidamente contratado”, na qual os custos foram previamente calculados, projetados e distribuídos por todos os usuários e em todas as faixas etárias em razão do mutualismo.
Muitas operadoras, entretanto, cancelam o contrato imediatamente após o término do período de remissão, infringindo norma expressa na Lei de Planos de Saúde que proíbe o cancelamento unilateral dos contratos.
Nos contratos coletivos empresariais e coletivos por adesão existem diferenciais que serão abordados mais adiante, mas nos contratos familiares, por exemplo, o cancelamento unilateral só pode ocorrer se houver fraude (e mesmo assim, somente após decisão em processo administrativo junto à ANS) ou por inadimplência superior a 60 dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de contrato, desde que o consumidor tenha sido prévia  e comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia.
Ora, acabamos de ver que a remissão é perdão para o pagamento durante determinado período, sendo ilógico considerar como inadimplência o mesmo período cujo pagamento foi perdoado em razão do próprio contrato. Portanto, o cancelamento unilateral do plano de saúde, logo após o término da remissão, é irregular, ilegal e considerado conduta abusiva das operadoras.
Há situações em que as operadoras vinculam a concessão da remissão à obrigação de os beneficiários assinarem previamente um pedido para a rescisão do contrato na data do falecimento do titular, mas para efetivo cancelamento em data futura, após o término da remissão.
Essa situação coloca o consumidor em ainda maior desvantagem, pois é coagido a pedir a rescisão do plano de saúde, mesmo não querendo rescindir, para poder beneficiar-se de um direito contratado e pelo qual, inclusive, pagou durante toda a vigência anterior ao falecimento do titular.
A cláusula contratual que vincula a concessão da remissão ao pedido prévio para rescisão futura, é abusiva e pode ser declarada nula judicialmente.

SE A LEI DOS PLANOS DE SAÚDE E SUAS RESOLUÇÕES NORMATIVAS JÁ GARANTEM A PERMANÊNCIA DOS DEPENDENTES QUANDO DO FALECIMENTO DO TITULAR, QUAL A REAL INTENÇÃO DA EXISTÊNCIA DA REMISSÃO?

A remissão surgiu nos contratos de planos de saúde muito antes da edição da Lei dos Planos de Saúde (1998) como um “benefício diferencial” de algumas operadoras e seu objetivo era, pura e simplesmente, captação de clientes no mercado.
Embora vendido como um “benefício” pensado para o momento crítico em que a família perde seu provedor, não se enganem acreditando que as operadoras de planos de saúde criaram um benefício movidas por pura solidariedade, pois são empresas e seu objetivo primordial é gerar e obter lucro.
Obviamente, como já abordado acima, os custos para a concessão da remissão estão devidamente calculados desde a formação de preço dos contratos e são distribuídos por todos os usuários e em todas as faixas etárias, justamente em razão da mutualidade.
Ocorre que a maioria das pessoas não lê os contratos de planos de saúde e não sabem a real extensão das coberturas contratadas e, em momentos de angústia pela perda de um ente querido, muito raramente se lembrarão que a cobertura para remissão existe, passando a assumir o pagamento das mensalidades imediatamente ou simplesmente cancelando o contrato de plano de saúde sem usufruir da cobertura contratada.
E é aí que as operadoras ganham. A cobertura para remissão não é automática e é concedida apenas para quem a solicitar. Os que não a solicitam, continuam pagando por ela em razão do mutualismo dos contratos, mas sem usufruir da cobertura.

E SE OS DEPENDENTES AINDA ESTAVAM CUMPRINDO CARÊNCIA QUANDO DO INÍCIO DO PERÍODO DE REMISSÃO?

Nada muda. A remissão é apenas o perdão para o pagamento das mensalidades por determinado período. Os beneficiários que estavam cumprindo carência permanecem na mesma situação até o cumprimento integral da carência, tendo direito à cobertura parcial temporária para os casos de emergência e/ou urgência.

COMO FICAM OS REAJUSTES DURANTE O PERÍODO DE REMISSÃO?

Como visto acima, os reajustes continuarão sendo aplicados regularmente nos contratos, durante todo o período de remissão. Apenas o pagamento é perdoado.

É POSSÍVEL INCLUIR BENEFICIÁRIOS NO PERÍODO DE REMISSÃO DO CONTRATO?

Depende. A lei garante a inclusão do cônjuge e filhos nascidos ou adotados durante a vigência do contrato e se durante a remissão o contrato está vigente, em tese pode haver inclusão sim, desde que nos limites do contrato. Por exemplo: se o contrato possuir cobertura obstétrica o parto dos dependentes estará coberto e o atendimento do recém-nascido também, desde que respeitados os limites do contrato e no prazo de 30 (trinta) dias do nascimento ou adoção. É importante lembrar, entretanto, que a maioria dos contratos impõe limites de idade para a condição de manutenção dos filhos dependentes e veda a inclusão de agregados (netos).

E O QUE ACONTECE APÓS O TÉRMINO DA REMISSÃO NOS CONTRATOS COLETIVOS EMPRESARIAIS E NOS COLETIVOS POR ADESÃO?

Os contratos coletivos empresariais são aqueles em que a empresa paga o plano de saúde para seus funcionários e respectivos dependentes. O titular do contrato, portanto, é aquele que possuí vínculo trabalhista ou estatutário com a empresa.
No caso de morte desse titular, o vínculo trabalhista ou estatutário se perde e nesse caso só haverá possibilidade de permanência dos dependentes se o contrato de trabalho houver estabelecido esse benefício para os dependentes do trabalhador. Nessa situação, entretanto, haverá direito à portabilidade para outra operadora com aproveitamento integral das carências já cumpridas.
Já nos contratos coletivos por adesão, aqueles em que existe vínculo em relação à classe profissional (como conselhos regionais, sindicatos, associações de classe, etc.), é o próprio profissional quem paga a integralidade do contrato para si e seus dependentes diretamente à operadora ou à sua administradora.
Assim, existindo a cláusula de remissão no contrato, a cobertura poderá ser concedida aos dependentes nos mesmos moldes que em um contrato familiar, pois embora seja coletivo por adesão, o grupo familiar aderiu ao contrato. Ocorre que, ao término da remissão, os dependentes terão seus contratos cancelados se não possuírem vínculo com a mesma categoria profissional, pois ficarão inabilitados para assumir a titularidade do contrato.
E nesses contratos coletivos por adesão, muitas vezes, ocorre a situação de exigência de pedido prévio dos dependentes para rescisão futura do contrato para só então conseguirem a concessão da remissão, já que haverá impedimento para assumir a titularidade em razão da categoria profissional, o que também se revela prática abusiva.

SÚMULA 13, DE 03 DE NOVEMBRO DE 2010 DA ANS

Pensando nessas situações em que os beneficiários dependentes acabam sendo expulsos dos planos de saúde após a morte do Titular e término do período de remissão, e bem assim, nas garantias constitucionais da igualdade, dignidade da pessoa humana, liberdade, proteção e segurança jurídica e proteção da entidade familiar, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), considerando as hipóteses de manutenção de titularidade dos contratos previstas em suas resoluções normativas nº 186/2009 e nº 195/2009, editou a Súmula nº 13, de 03 de novembro de 2010 dispondo que
“O término da remissão não extingue o contrato de plano familiar, sendo assegurado aos dependentes já inscritos o direito à manutenção das mesmas condições contratuais, com a assunção das obrigações decorrentes, para os contratos firmados a qualquer tempo”.
Assim, se o grupo familiar é admitido no contrato, em qualquer modalidade de contratação do plano de saúde, o que representa aumento no número de beneficiários e, consequentemente, aumento de receita para a operadora, o mesmo grupo familiar tem direito a todas as coberturas contratadas e dispostas em Lei, tendo garantido também o direito de permanência de seus dependentes no caso de falecimento do titular.
Essa, porém, é uma discussão e tanto,  que na maioria das vezes, acaba sendo levada ao Judiciário.
Fique atento! Se o seu contrato possuir cláusula de remissão e você estiver em dúvida sobre como agir, consulte sempre um advogado com todos os documentos do contrato em mãos, e deixe que ele seja sua voz na luta pelos seus direitos.
WERSON, Alessandra. O que você precisa saber sobre a remissão nos Planos de Saúde!Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 22n. 495928 jan. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/55430>. Acesso em: 29 jan. 2017.

Dificuldade em vender fração de imóvel leva bem herdado a leilão

Por meio do processo de inventário, vamos usar o exemplo de uma situação em que o imóvel indivisível passa a pertencer a quatro herdeiros, sendo que cada um fica com 12,5% (doze virgula cinco por cento) do bem. Muitas vezes, o que ocorre após essa situação, um dos herdeiros demonstra interesse em adquirir a parte dos demais herdeiros, e como todos já vimos, nem sempre isso ocorre de forma a existir o consenso entre todos, porque um deles não deseja se desfazer de sua respectiva parte, simplesmente por não demonstrar qualquer interesse na venda.
Essa situação gera sempre um desconforto, especialmente, se o imóvel é utilizado por apenas um dos herdeiros, que geralmente é o que demonstra ainda mais interesse na aquisição. A dissenção entre todos acaba por afastar as partes e dificulta a se chegar a um bom termo. O correto é que se possa chegar a uma convergência para que se preserve o mais importante, que é a harmonia familiar.
Se o imóvel não pode ser utilizado por mais de um herdeiro, como fica? O imóvel deve ser vendido para apenas um deles, ou vendido a terceiros? O interessado na compra poderá notificar os herdeiros, apresentando oficialmente e por escrito seu real interesse na compra das respectivas partes de herança sobre o imóvel e concedendo um prazo razoável (30 dias) para que os demais herdeiros respondam?
E se ninguém responder, ou não tiverem interesse?
Se ninguém responder ou mesmo a resposta não for positiva, o herdeiro interessado poderá ter a saída de ingressar com um procedimento judicial de extinção de condomínio para a venda judicial do bem comum indivisível.
E o que diz a Lei?
Consta no artigo 730 do Novo Código de Processo Civil que: Nos casos expressos em lei, não havendo acordo entre os interessados sobre o modo como se deve realizar a alienação (venda) do bem, o juiz, de ofício ou a requerimento dos interessados ou do depositário, mandará aliená-lo (vendê-lo) em leilão, observando-se o disposto na Seção I deste Capítulo e, no que couber, o disposto nos arts. 879 a 903.
Isso mesmo, a venda se dará por leilão e os condôminos poderão ter o direito de adquirir o bem em iguais condições de propostas realizadas por terceiros estranhos ou também, para os herdeiros que tiverem comprovadamente realizado benfeitorias de maior valor. Não havendo exercido as preferências, a venda pelo leilão será normalmente realizada e com possibilidade de compra por terceiros estranhos ao processo.
Sem sombra de dúvidas que o melhor caminho para resolver essa situação é que os herdeiros busquem uma solução que atenda a sua vontade, ou seja, que entrem em acordo e façam o que melhor for para a maioria dos herdeiros. Muitas vezes, apenas um cria um embaraço. Logicamente, que nem sempre a maioria é detentora da razão, mas logicamente que a venda judicial poderá piorar a vida de todos, pois, após passar por um processo judicial desnecessário, fará com que todos tenham despesas e prejuízos, e o pior, prejudicará ainda mais a harmonia.
É importante que todos tenham conhecimento dessa situação, pois, muitas vezes, acabam por adotar comportamentos sem saber suas consequências, sendo, portanto, oportuno tomar conhecimento do tema antes de tomar decisões equivocadas, que podem ser evitadas e trazer o resultado positivo na forma mais breve, adotando o caminho da sabedoria divina!
Giovani Duarte Oliveira é advogado especialista em Direito Processual Civil e em Gestão Estratégica de Empresas.
Revista Consultor Jurídico, 23 de dezembro de 2016, 10h46
http://www.conjur.com.br/2016-dez-23/dificuldade-vender-fracao-imovel-leva-bem-herdado-leilao

E então o STF decidiu o destino do artigo 1.790 do CC? (parte 2)


Por 
“To be or not to be, that is the question”
Em nossa última coluna nesta ConJur, analisava eu os argumentos contidos no voto do Ministro Barroso (RE 878.694/MG) para reconhecer a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC.
O primeiro argumento foi que (a) não é legítimo desequiparar casamento e união estável para fins sucessórios, pois a hierarquização é incompatível com a Constituição Federal. Vamos ao segundo argumento.
(b) “Diferenciação legítima ou arbitrária, eis a questão”
O voto reconhece que a ampliação do conceito de família não implicou equiparação absoluta entre casamento e união estável. Diferenças existem quanto à criação, comprovação e extinção. Logo, é possível que o legislador crie regimes diferentes para os institutos. A diferença não é, por si, inconstitucional.
Contudo, a questão é saber se a diferenciação é legítima ou arbitrária (item 42 do voto). Segundo o Ministro Barroso, são esses adjetivos que caracterizarão a inconstitucionalidade: se a diferenciação for legítima ela é constitucional, mas se arbitrária será inconstitucional. O Ministro exemplifica como legítima a diferença quanto aos requisitos para comprovação dos institutos (item 44).
Então vem a questão: como podemos saber se a diferenciação feita pela lei é ou não arbitrária? A dúvida de Hamlet passa a ser a dúvida de todos os juízes ao aplicarem o Código Civil e demais leis em matéria de união estável.
Da leitura do voto do Ministro Barroso percebe-se uma linha condutora. Só é constitucuonal a diferença quando da criação, comprovação e extinção, logo, em termos de efeitos, união estável e casamento não podem ser diferenciados, sob pena de arbitrariedade e consequente inconstitucionalidade.
b.1) Diferenças na criação são legítimas, logo constitucionais
O casamento passa pelo ritual de habilitação, celebração e registro no livro B do Registro Civil e a união estável é um simples fato da vida: união pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituir família. É legítima e constitucional a diferença.
Assim, não se exige “procedimento de habilitação” para os companheiros iniciarem sua união estável, nem que ocorra “celebração da união estável”, muito menos seu registro no livro E do do Registro Civil. A criação da união estável prescinde de contrato escrito.
b.2) Diferenças na comprovação são legítimas, logo constitucionais
O casamento se comprova pela certidão de casamento, já que este é registrado no livro B do Registro Civil. A certidão é a prova essencial de sua existência. Já a união estável pode ser comprovada por simples prova testemunhal, por contrato escrito ou mesmo escritura pública.
É verdade que mesmo o casamento admite a prova do estado de casado em casos de perda ou destruição do livro em que o casamento está registrado. Nessa hipótese, os cônjuges conjunta ou isoladamente podem promover uma ação para provarem a existência do casamento e seu início.
Também deve-se frisar que com os avanços tecnológicos no sistema registral e notarial dificilmente essa situação se verifica na atualidade, mormente para os casamentos mais recentes. Essas diferenças são constitucionais.
b.3) Diferenças na extinção são legítimas, logo constitucionais.
O casamento válido só termina pela morte de um do cônjuges (velho adágio pelo qual mors omnia solvit), pela invalidade (seja o casamento reconhecido como nulo ou anulável) ou pelo divórcio.
A separação de fato não põe fim ao casamento. Isso não significa dizer que a separação de fato não produz qualquer efeito. O STJ há algum tempo reconhece que a separação de fato põe fim ao regime de bens e aos deveres dos cônjuges, mormente a fidelidade conjugal.
Aliás, o próprio CC reforça a importância da separação de fato ao permitir a união estável de pessoas que se encontram nessa situação (art. 1.723, p. único do CC).
Todavia, se divórcio não hover não será possível novo casamento, sob pena de bigamia (art. 1.521, VI do CC). Assim, é a sentença ou escritura pública de divórcio que põe fim ao casamento. Seus efeitos são ex nunc, não retroativos.
Já a união estável, como simples relação de fato, começa e termina de maneira informal. A separação de fato põe fim à união estável e se decisão judicial houver, apenas declara um fato já ocorrido. Seus efeitos são ex tunc, logo retroativos. Essas diferenças são constitucionais.
b.4) Diferenças quanto aos efeitos são ilegítimas, logo inconstitucionais
A aparente simplicidade da questão até o momento não deve iludir o leitor. A partir de agora, vem um cipoal, uma emaranhado de problemas que decorrem do voto do Ministro Barroso.
Em matéria de efeitos, o CC desiguala em diversos dispositivos a união estável do casamento, o que então conduziria à inconstitucionalidade dos dispositivos a saber:
i) Todas as regras sucessórias aplicáveis aos cônjuge se aplicam aos companheiros.
Assim, na redação do artigo 1.829, onde se lê atualmente “cônjuge” se lerá “cônjuge ou companheiro”. Essa leitura se espraia por todo o livro de Sucessões.
Dúvida não há que cônjuge e companheiro terão direito real de habitação em caso de falecimento do outro (art. 1.831 do CC).
Todos os dispositivos de concorrência sucessória se aplicam igualmente aos companheiros: art. 1.832 (concorrência com descedentes) e art. 1837 (concorência com ascendentes). O companheiro exclui o colateral da sucessão (art. 1.838). Assim, o cônjuge e o companheiro são herdeiros necessários fazendo jus à legítima (art. 1.845 do CC).
O companheiro retorna à situação sucessória existente antes da vigência do CC/02 em que tinha idênticos direitos sucessórios se comparados aos cônjuges.
ii) A presunção pater is est do artigo 1.597 se aplica à união estável. O filho da mulher casada ou da companheira se presume filho de seu marido ou companheiro a partir da decisão do STF.
Assim, basta que a companheira leve ao Registro Civil seu contrato de união estável, por instrumento público ou particular, para que a presunção se aplique.
O leitor, já em pânico, pode se perguntar: e se a união estável já tiver sido dissolvida, ou se o contrato for falso, como fica a paternidade? Caberá ao pai impugná-la, pois se trata de presunção simples.
Aliás, mesmo problema ocorre com o casamento. Se os cônjuges estiverem separados de fato a presunção relativa poderá ser afastada pelo marido em ação própria.
iii) A outorga conjugal se aplica também à união estável, pois seria arbitrária a sua exigência apenas para o casamento
Como a união estável pode nascer sem qualquer instrumento que a comprove, temos que distinguir as situações fáticas. Se as pessoas se declaram eum união estável, as regras da outorga uxória e marital se aplicam in totum a elas, nos exatos termos do art. 1.647 do CC. É o caso de uma aquisição de imóvel em que o vendedor se declara “solteiro em união estável”.
Se houver um contrato de união estável ou sentença registrados no 1º Registro Civil de Pessoas Natural, em seu livro E, os efeitos são idênticos[1].
Se a união estável não contar com essa comprovação documental, se for simplesmente um fato da vida, haverá sim a incidência das regras referentes à outorga conjugal, mas não perante terceiros de boa-fé, que desconheçam a existência de união estável. Seus efeitos se limitam à relação entre os companheiros.
iv) Quanto ao contrato de união estável temos a regra do art. 1.725 pela qual as partes devem convencioná-lo por escrito, seja por escritura pública, seja por instrumento particular. Para o casamento, o pacto antenupcial terá sempre a forma pública (art. 1.653).
Com a decisão do STF sobre diferenças legítimas e arbitrárias, não há razão para se permitir uma forma menos rígida (instrumento particular) para a união estável e outra mais rígida (escritura pública) para o casamento.
O contrato de união estável necessitaria da forma pública para ter validade, já que a diferença é arbitrária, logo inconstitucional.
Resta uma questão: a mudança de regime de bens no casamento exige um procedimento judicial e determinados requisitos (art. 1639, par. 2º do CC). O mesmo se aplicaria aos companheiros que pretendessem alterar seu regime de bens? A questão exigirá reflexão mais profunda que será feita em momento futuro.


[1] Provimento 37 do CNJ.
José Fernando Simão é advogado, diretor do conselho consultivo do IBDFAM e professor da Universidade de São Paulo e da Escola Paulista de Direito.
Revista Consultor Jurídico, 25 de dezembro de 2016, 9h07
http://www.conjur.com.br/2016-dez-25/processo-familiar-entao-stf-decidiu-destino-artigo-1790-cc-parte

E então o STF decidiu o destino do artigo 1.790 do CC? (parte 1)


Por 
Quousque tandem Catilina
abutere patientia nostra
?
I – “Prossiga-se o julgamento!”. The show must go on.
Quando Cícero desferiu seus severos e eficazes ataques contra Lucio Sérgio Catilina, que para ele representava o que a República romana tinha de pior, sua peroração junto ao Senado se iniciava com uma pergunta: “até quando Catilina abusarás de nossa paciência?”
A condenação de Catilina representava uma tentativa de salvar a República de uma crise política sem precedentes. Os destinos de Roma seriam traçados pelo julgamento, segundo Cícero.
No presente momento histórico, a constitucionalidade do artigo 1790 do Código Civil é que está em jogo. O Supremo Tribunal Federal está prestes a mudar o destino de milhares de famílias formadas por uniões estáveis em que um dos companheiros faleceu e os bens foram transmitidos pelo princípio da saisine [1].
Já e chegada a hora de o ministro Dias Tofolli permitir o prosseguimento do julgamento do Recurso Extraordinário 8.786.94-MG em que sete ministros já manifestaram seu entendimento pela inconstitucionalidade do dispositivo.
O povo brasileiro clama pela celeridade do ministro Tofolli neste momento. Prioridade à finalização do julgamento é que se quer!
II – Uma breve nota histórica: desequiparou-se o que estava equiparado.
Antes da vigência do atual CC, duas leis regulamentavam a união estável no Brasil: Lei 8.971/94 e 9.278/96. As leis surgem para regulamentar o artigo 226, parágrafo 3º da CF pelo qual a família decorrente da união estável passou a ser protegida.
É importante frisar que por opção do legislador da década de 1990, os efeitos sucessórios do casamento (artigo 1611 do CC/16) e da união estável (artigo 2º da Lei 8.971/94 e artigo 7º da Lei 9.278/96) eram idênticos. Para fins sucessórios, casar ou se unir estavelmente produziam iguais efeitos. Assim:
a) deixando o falecido descendentes, o cônjuge ou companheiro supérstite tinha apenas o usufruto de ¼ dos bens (artigo 1611, §1º do CC/16 e artigo 2º, I da Lei 8.971/94);
b) deixando o falecido ascendentes, o cônjuge ou companheiro supérstite tinha apenas o usufruto de 1/2 dos bens (artigo 1611, §1º do CC/16 e artigo 2º, II da Lei 8.971/94);
c) se o falecido não tivesse descendentes, nem ascendentes, o cônjuge ou companheiro do falecido herdava a totalidade dos bens (artigo 1603, III do CC/16 e artigo 2º, III da Lei 8.971/94);
d) o direito real de habitação em favor do cônjuge do falecido quando casado por comunhão universal de bens decorria da previsão do artigo 1611, §2º do CC/16 e em favor do companheiro decorria do parágrafo único do artigo 7º da Lei 9.278/96.
Com o CC de 2002, a igualdade sucessória foi perdida por força do artigo 1790 do CC. O sistema harmônico e socialmente aceito passou por um abalo que, conforme reflexões várias que fiz anteriormente [2], gerou desconforto ao julgador e à sociedade. Assim:
a) enquanto o cônjuge concorre com os descendentes em regra, salvo em certos regimes de bens (artigo 1829, I); o companheiro só concorre quanto aos bens onerosamente adquiridos no curso da união estável (artigo 1790, caput);
b) o cônjuge tem a reserva da quarta parte se for ascendente dos herdeiros com quem concorrer [3] (artigo 1832); já o companheiro terá quinhão igual se for ascendente dos herdeiros [4] ou meio quinhão se não o for (artigo 1790, I e II);
c) o cônjuge sempre concorre com os ascendentes do falecido e receberá 1/3 da herança se concorrer com o pai e mãe do morto, ou 1/2 se concorrer com os demais ascendentes (artigo 1.837 do CC); já o companheiro sempre receberá 1/3 da herança (artigo 1790, III);
d) o cônjuge exclui os colaterais da sucessão recebendo a totalidade da herança caso não haja descendentes, nem ascendentes (artigo 1829, III e 1838 do CC); já o companheiro concorre com os colaterais e recebe 1/3 da herança (artigo 1790, III);
e) o cônjuge tem direito real de habitação garantido em caso de morte do marido ou da mulher (artigo 1.831 do CC); já o companheiro não por ausência de menção legal [5].
Nesse sentido, iniciou-se verdadeira batalha pela declaração de inconstitucionalidade do dispositivo. Em razão da reserva de plenário, vários tribunais se manifestaram quanto o tema e suas decisões revelam o desconforto gerado pelo desarmônico artigo 1790.
Enquanto os tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul, São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais e Distrito Federal declararam o dispositivo constitucional, os tribunais de Justiça do Paraná e do Rio de Janeiro o declararam inconstitucional.
Então, após quase 14 anos de vigência do CC, o STF iniciou o julgamento do Século em matéria de sucessões: o artigo 1790 é efetivamente inconstitucional?
III – Voto do ministro Barroso — fundamento da inconstitucionalidade
Os fundamentos do voto foram vários e dois merecem nota.
(a) Não é legítimo desequiparar casamento e união estável para fins sucessórios, pois a hierarquização é incompatível com a Constituição Federal.
(b) a diferenciação entre casamento e união estável pode ser legítima ou arbitrária.
A equivocada hierarquização.
A parte final do artigo 226, § 3º da CF prevê “devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Essa locução levou alguns autores e o próprio STJ em diversas decisões a um equívoco na interpretação do dispositivo. Não criou a CF uma hierarquia entre as formas de família: casamento não é melhor, nem pior que união estável.
Assim, argumentos utilizados em profusão pelas decisões do STJ tais como o regime de separação obrigatória deve ser imposto aos septuagenários em união estável, sob pena de o casamento ser pior que a união estável, demonstram que há um equívoco interpretativo grave do texto constitucional.
Na realidade, a Constituição apenas determina ao legislador que não dificulte a conversão da união estável em casamento, mas não determina ao cidadão que se case. E nem poderia fazê-lo, pois é vedada a interferência do Estado nas decisões quanto ao planejamento familiar.
União estável e casamento são formar distintas de constituição de família, mas não há hierarquia entre elas: não há uma melhor, nem uma pior.
O fato de não haver hierarquia, conforme leciona Barroso em seu voto, implica igualdade de tratamento? É isso que responderemos em nossa próxima coluna da ConJur.

1 At. 1784. Le mort saisit le vif. O morto se prende ao vivo ou em linguagem com certa dose de ironia: o último suspiro do morto é o primeiro sorriso do vivo.
2 Por todas, “em busca da harmonia perdida” publicada na obra “Decisões e julgamentos emblemáticos” da Atlas.
3 Segundo orientação da doutrina majoritária, apenas se for ascendente de todos os herdeiros com quem concorrer (Enunciado 527 do CJF).
4 Também segundo doutrina majoritária, apenas se for ascendente de todos os herdeiros com quem concorrer

5 A doutrina salvou o dispositivo por meio de interpretação sistemática e teleológica para garantir tal direito aos companheiros no que foi amplamente seguida pelos Tribunais, inclusive pelo STJ.
José Fernando Simão é advogado, diretor do conselho consultivo do IBDFAM e professor da Universidade de São Paulo e da Escola Paulista de Direito.
Revista Consultor Jurídico, 4 de dezembro de 2016, 8h00
http://www.conjur.com.br/2016-dez-04/processo-familiar-entao-stf-decidiu-destino-artigo-1790-cc-parte

Novas teses sobre direitos sucessórios 2016


Direitos sucessórios

O Supremo Tribunal Federal definiu que a pessoa criada e registrada por pai socioafetivo não precisa abrir mão da paternidade biológica e, portanto, nem de direitos como pensão e herança. Segundo o relator, ministro Luiz Fux, a Constituição Federal de 1988 rompeu com o conceito tradicional de família e não permite que o ser humano seja visto como mero instrumento “dos esquadros determinados pelos legisladores”. A corte definiu a seguinte tese, com repercussão geral reconhecida: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”. 

Revista Consultor Jurídico, 27 de dezembro de 2016, 16h48
http://www.conjur.com.br/2016-dez-27/retrospectiva-2016-setembro-teve-novas-teses-sucumbencia-direitos-sucessorios