segunda-feira, 13 de março de 2017

“Reconheci a paternidade de um filho que não é meu, mas me arrependi. E agora?”

Publicado por Estevan Facure

O tema de hoje é “adoção à brasileira".

O nome do leitor que fez a pergunta não será divulgado.
A primeira pergunta a ser feita nesses casos é: “No momento do registro da paternidade, você (pai registrado) tinha conhecimento da verdadeira filiação da criança?”

Se a resposta para a pergunta acima for positiva, então não há de se falar em anulação do registro civil. Neste caso, acontece o fenômeno popularmente conhecido como “adoção à brasileira”.

No entanto, caso o genitor tenha sido induzido ao erro (vício de consentimento), é possível cogitar a possibilidade da anulação do registro, desde que observadas algumas condições.

Em primeiro lugar, o Ministério Público e o Juiz analisarão o lapso temporal de convívio do pai não biológico com a criança e se já se formou, entre ambos, um vínculo socioafetivo. Busca-se preservar, precipuamente, o bem estar da criança ou do adolescente.

Caso o filho já reconheça o autor da ação anulatória como pai, hipótese em que o vínculo paterno já está consolidado, é possível que o pedido de anulação seja indeferido (negado). Contudo, caso o registro seja recente, é mais provável que o pedido seja deferido, sob o argumento, inclusive, de que agora a genitora poderá buscar a verdadeira paternidade de seu filho.

A questão é controvertida e cada caso é um caso, mas observem as ponderações da jurista Maria Berenice Dias, em sua obra Manual de Direito das Famílias, pg. 444, 5ª edição:

Em muitos casos, rompido o vínculo afetivo dos genitores e findo o convívio com o filho, em face da obrigatoriedade de arcar com alimentos, o pai busca a desconstituição do registro por meio de ação anulatória ou negatória de paternidade. A jurisprudência, reconhecendo a voluntariedade do ato levado a efeito de modo espontâneo, por meio da expressa “adoção à brasileira”, passou a não admitir a anulação do registro de nascimento, considerando-o irreversível. Não tendo havido vício de vontade, não cabe a anulação. A lei não autoriza a ninguém vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento (CC 1.604). Ainda que dito dispositivo legal excepcione a possibilidade de anulação por erro ou falsidade, não se poder aceitar a alegação de falsidade do registro levada a efeito pelo autor do delito. Assim, o registro de filho alheio como próprio, em havendo o conhecimento da verdadeira filiação, impede posterior anulação. O registro não revela nada mais do que aquilo que foi declarado - por conseguinte, correspondente à realidade do fato jurídico. Descabido falar em falsidade.” (…)

Observem o julgado recentíssimo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul –TJRS, de 09 de março de 2017, que negou ao autor da anulatória de paternidade seu pleito, sob o fundamento de que não restou caracterizado erro ou vício de consentimento:

Ação negatória de paternidade. Não caracterizado erro ou vício de consentimento. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento, no registro de nascimento, é irrevogável. Inteligência do art. 1.609 do CC e art. 1º da Lei n. 8.560/92. A anulação do ato somente é admitida quando demonstrada a existência de coação, erro, dolo, simulação ou fraude, o que não se verifica na espécie. Inviável anular o registro civil do apelado realizado por livre vontade do apelante. O apelante exerceu a guarda do filho dos 12 aos 18 anos e por 37 anos não questionou a paternidade. Apelação desprovida. (TJRS, AC Nº 70071490841, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Sétima Câmara Cível, J. 09/11/2016).

Destaca-se os artigos utilizados pelo Ministro Relator no julgado acima:

O Código Civil Brasileiro, em seu art. 1.604, dispõe:

Art. 1.604, do Código Civil Brasileiro: “Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro”.

Artigo 1ºda Lei 8.560/92, que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento: Art. 1º O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável [...].

Portanto, conclui-se que o reconhecimento espontâneo da paternidade é irrevogável (regra), mas pode ser anulado em algumas situações (exceção), comprovando-se o erro ou vício de consentimento do homem que registrou a criança.

Espero ter esclarecido a dúvida do nosso leitor.
Até o próximo tema, pessoal.

https://estevanfg.jusbrasil.com.br/artigos/437412442/reconheci-a-paternidade-de-um-filho-que-nao-e-meu-mas-me-arrependi-e-agora?utm_campaign=newsletter-daily_20170313_4990&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Posso mudar meu nome? Cinco hipóteses em que é possível alterar o nome.


Garantido pelo art. 16 do Código Civil, o nome é um dos direitos da personalidade de qualquer pessoa. A principal função do nome de alguém é possibilitar a identificação e individualização do ser humano nas relações jurídicas.

Via de regra, quem escolhe o nome de uma pessoa são seus pais. Eles podem mudar de ideia quantas vezes quiserem antes de registrá-lo, pois o nome que vai valer será aquele levado ao registro, que acontece logo após o nascimento da criança. Na maioria dos casos, esse nome é o que acompanhará a pessoa por toda a vida porque, em regra, ele não pode ser alterado. Entretanto, a Lei permite que o nome de alguém seja modificado em algumas situações excepcionais. Vamos ver algumas delas:

i) Erro gráfico

Existe erro gráfico quando no registro do nome de uma pessoa ocorreu um engano ou equívoco na forma que foi escrito e, justamente por isso, é permitida a sua alteração para que o erro seja corrigido. Por exemplo, um pai deseja dar ao seu filho o nome de Juscelino, em homenagem ao ex-presidente. Entretanto, a criança foi registrada com o nome de Joselino. Ou então, em um segundo exemplo, um pai chamado João da Silva deseja que o nome de seu filho seja registrado como Mateus da Silva, mas, efetivamente, o registro foi “Mateus Silva”. Nessas hipóteses, é possível requerer a correção do erro com base no art. 109 da Lei n. 6.015/73.

ii) Exposição ao ridículo

Hipótese bem comum de mudança de nome é quando ele causa constrangimento e sentimento de exposição ao ridículo ao seu portador. São também casos que, para terem sucesso no Judiciário, precisam de um bom conjunto probatório. Não basta simplesmente iniciar um processo judicial afirmando que não se sente confortável com o próprio nome para conseguir a alteração. É efetivamente necessário demonstrar nos autos do processo as razões do motivo pelo qual o portador do nome se sente ridicularizado.

Nesses casos também é um pouco difícil conseguir o sucesso na demanda porque a alteração com base na exposição ao ridículo é fruto de uma construção jurisprudencial e doutrinária, a partir das normas do art. 55, parágrafo único, e art. 57 da Lei de Registros Publicos.

iii) Alteração do nome ao atingir a maioridade civil

Ao atingir a maioridade é possível, dentro do prazo de um ano, requerer a alteração do nome, desde que os apelidos de família não sejam prejudicados, conforme prevê o art. 56 da Lei de Registros Publicos.

Essa é uma hipótese bem interessante e excepcional de alteração de nome, pois ela não exige motivação. O indivíduo não precisa declarar por qual razão deseja mudá-lo, basta requerer a alteração. Creio que a maioria das pessoas não sabem desse direito quando completam 18 anos de idade (eu, por exemplo, quando tinha 18 anos, não fazia a menor ideia de que isso seria possível) e é um direito que tem um prazo muito curto, porque ele tem que ser exercido no primeiro anoapós atingir a maioridade - ou seja, até a pessoa completar 19 anos de idade.

É o típico caso em que, se o indivíduo não gostou do nome que recebeu dos pais, apesar dele não causar uma exposição ao ridículo e nem possuir erro gráfico, a mudança pode ser realizada para outro nome de sua escolha. Vale ressaltar que ele só vai poder fazer isso a partir dos 18 anos e antes de completar 19 anos de idade.

iv) Apelido público e notório

É um dos casos mais comuns no Brasil: uma pessoa tem um apelido público e notório e é mais conhecida por meio desse apelido do que pelo próprio nome. O art. 58 da Lei n. 6.015/73 permite que esse apelido seja integrado ao nome do indivíduo. Para tanto, é necessário que exista o uso reiterado do apelido, tornando-o público e notório. São as hipóteses em que a pessoa realmente adota o apelido como se fosse, na prática, o seu nome.

v) Outras possibilidades de alteração do nome

Além das hipóteses elencadas acima, existem outras em que o nome de alguém pode ser alterado por conta como, por exemplo: i) adoção e reconhecimento de filho fora do casamento; ii) casamento, separação divórcio e união estável; iii) proteção às testemunhas e vítimas.

vi) Procedimento para alteração de nome no Judiciário

Nos casos em que é necessário provocar o Judiciário para conseguir a alteração do nome (que, infelizmente, são a grande maioria), deverá ser dado início a uma ação judicial que, conforme o Código de Organização Judiciária do Tribunal de Justiça de Pernambuco, é de competência das varas de família. O procedimento é bastante simples. Após o início do processo, é feito o juízo de admissibilidade, depois o ministério público é provocado para se manifestar favorável ou contra a alteração, e, após, os autos voltam conclusos ao juiz para que seja proferida a sentença. Caso o juízo entenda necessário ou haja requerimento por parte do interessado, pode ser marcada uma audiência para produção de provas como, por exemplo, escutar o depoimento de testemunhas.

Por Raphael Fraemam - Advogado em Recife e Sócio do escritório Fraemam & Guerra Advocacia.

https://raphaelfraemam.jusbrasil.com.br/artigos/437368390/posso-mudar-meu-nome?utm_campaign=newsletter-daily_20170313_4990&utm_medium=email&utm_source=newsletter

A moral e o envenenamento do judiciário

Publicado por Marcelo Albuquerque da Cruz

Sabe-se que no Direito a análise do caso concreto é norteadora para a aplicação da lei. Sendo assim, quando propagam-se essa ideia, o intuito do ensino (a grosso modo) é dizer que há uma moldura já pronta (lei), mas o conteúdo da imagem ou fotografia a ela anexada (caso concreto), será diferente, porém, com as mesmas dimensões – não podendo extrapolar o que a moldura limita.

Portanto, analisando o cenário atual do judiciário brasileiro, percebe-se que, por algum motivo (necessário tratar), a referida moldura parece desaparecer para uns, mas para outros, além de existir, é rígida e de madeira tão mais sólida.

Em análise substancial, perceptível e bastante nítido que as decisões e atuações judiciais estão cheias de concepção moral, tornando a referida moldura inócua. Eis que surge os seguintes questionamentos:

MORAL – DE QUAL ESTAMOS FALANDO?

Salienta-se, inicialmente, que não vem a jogo abordagem a respeito das mais absurdas decisões proferidas por centenas de magistrados ao longo do território. Até porque, seria afirmar um utópico pensamento de que nós, brasileiros, somos os únicos acometidos por essa enfermidade. Mas mais do que isso, análogos aos cientistas médicos, precisamos buscar as causas que nos levaram a essa abrupta e violenta doença que, hoje, tornou-se um câncer para o judiciário nacional.

Quando um cidadão sem formação jurídica (sem excluir até mesmo muitos juristas) escuta que não se pode deixar que a moral corrompa o judiciário, a expressão espantosa em seu olhar é nítida e contínua, o questionamento seguinte é deveras comum: “Como não? Um judiciário pautado pela moral é fundamental, pois, o contrário disso é a imoralidade! ”. O problema aqui encontra-se resguardado em nosso leigo entendimento sobre “moral”.

Como leciona Sánchez Vásquez¹, estando estrechamente vinculados, no se identifican los problemas teóricos morales con los problemas prácticos, tampoco pueden confundirse la ética y la moral.

Percebe-se, portanto, que ao falar de “moral” se faz necessário reconhecer variadas formas de manifestação e um amplo leque de estudos, porém, não sem razão, acabamos por caminhar para o apaixonado conceito que temos de “moral-administrativa”, abordada como: um padrão de conduta que deve ser necessariamente observado pelos agentes públicos como condição para uma honesta, proba e íntegra gestão da coisa pública, dem odo a impor que estes agentes atuem no desempenho de suas funções com retidão de caráter, decência, lealdade, decoro e boa-fé².

Quando dizemos que a moral não pode corromper o judiciário, claramente, ainda nas palavras do saudoso professor Vázquez, trata-se daquela denominada de “problema prático-moral”, que: Si al indivíduo concreto se le plantea em la vida real uma situación dada, el problema de como actuar de manera que su acción pueda ser buena, o sea, valiosa moralmente, tendrá que resolverlo por sí mismo con ayuda de una norma que él reconoce y acepta intimamente.³ (grifo nosso)

Portanto, trata-se de íntima convicção do indivíduo, ligada a uma norma interior que carrega consigo, fruto do aprendizado rotineiro da vida e convivência sociais.

QUAL O PROBLEMA DA MORAL NO JUDICIÁRIO?

Imaginem que um par de homossexuais desejam reconhecer sua união, porém, no judiciário do Estado existem duas Varas responsáveis pelas demandas, onde o juiz de uma não aceita, por concepção moral própria, a referida união, mas o outro, sim.

O leitor provavelmente deve pensar: mas o juiz é imparcial e existe todo um ordenamento para permitir isso.

Ora, é exatamente isso que é dito quando o judiciário é saudável e apartado de convicções íntimas dos atuantes profissionais.

Agora, por mais absurdo que pareça, o mesmo casal deverá contar com a sorte neste caso, pois, nas mãos de um magistrado, eles conseguirão; noutro, não será possível – é exatamente isso que se tornou comum no Brasil.

Saindo da esfera civil e migrando para a penal, nesta, existem uma gama de leis regulamentando condutas profissionais de autoridades policiais, promotores, defensores, magistrados e etc.

O que se busca (não só na esfera penal, mas no Direito uno) é o que chamamos de segurança jurídica, não somente aquela das decisões judiciais, mas em toda e qualquer atuação, tendo a plena convicção de que haverá tratamento igualitário (formal e material, mas regulados por lei ou amparados por forte jurisprudência) a qualquer cidadão que assim ingresse na atuação do Estado-investigador-julgador-punidor.

Essa moldura existe para impedir que os cidadãos estejam condenados a uma vida de “atuação da sorte”.

As cortes superiores brasileiras estão infestadas de decisões contraditórias, tratadas de formas diferentes em situações bastante semelhantes, mas não por análise minuciosa dos detalhes (o famoso cada caso é um caso), contudo por fundamentações pautadas (pelo que parece) pelo humor no dia do julgamento.

Parece um jogo de loteria ingressar com um Habeas Corpus ou Mandado de Segurança. A sensação é de estar dentro de um cassino quando uma audiência é marcada. Não se sabe como será a atuação e a conduta profissional no dia; a lei parece já não ter mais aplicabilidade, mas mais do que isso, a moral de quem está na sala será norteadora das práticas.

Se fazemos da moral particular a moldura de atuação do judiciário, para que servem as leis?

Um juiz pode simplesmente assumir o papel de acusador? Ou de defensor?

O mais preocupante é que dado o elevado conhecimento dos juristas brasileiros, parece que estão sempre buscando se esconder em argumentos fortes e que realmente fazem sentido, v. G., “mas o magistrado tem o desejo de esclarecer os fatos”, fazendo disso motivo para rasgar o Código de Processo Penal.

Conclusão

Não cabe ao juiz gostar da lei, mas aplica-la. O Poder Judiciário não tem função legislativa (típica) para manusear instrumentos ao bel-prazer criando normas alheias a vontade do Legislativo. A culpa aqui não é exclusiva daquele Poder (o Judiciário), mas de uma sociedade que carece de informação e atuação democrática, deixando a elaboração de leis nas mãos de irresponsáveis que espalham aos outros Poderes uma sensação de “confusão” profissional, v. G., são tantas leis desnecessárias e contraditórias entre si, que os operadores do direito se veem perdidos, recorrendo a moral interior.

É como dizer que “quem não sabe para onde ir, qualquer caminho lhe será bom”.

Referências

1 – Sánchez Vásquez, Adolfo; A Ética; Editora Crítica; 4ªEdição, 1984, pág. 24
2 – Cunha Júnior, Dirley da; Curso de Direito Administrativo; Editora jusPODIVM, 14ª Edição, 2015, pág. 39
3 – Sánchez Vásquez, Adolfo; A Ética; Editora Crítica; 4ªEdição, 1984, pág. 19

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