terça-feira, 25 de abril de 2017

Hermenêutica e Argumentação Aula 10 - Teorias da Argumentação


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Hermenêutica e Argumentação - Aula 10

Processo familiar: Lei 13.431 tem longo caminho para ser efetiva sem causar injustiças

Por Giselle Câmara Groeninga

No prazo de um ano um novo sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente, vítima ou testemunha de violência, entrará em vigor com a Lei 13.431, sancionada em 4 de abril de 2017. Premente é a necessidade em normatizar e em organizar um sistema de garantia de direitos com a criação de mecanismos que proíbam e coíbam a violência. Isto, sobretudo, em um país como o nosso em que a violência — a invasão física e psicológica do corpo e da mente — é banalizada, fazendo de todos testemunhas/vítimas, nos níveis da organização familiar, social e institucional.

Grande é o mérito da nova Lei em dois aspectos. Um é o de ampliar o escopo da consideração da violência também às crianças e adolescentes que a testemunham, e o outro é o de especificar os tipos de violência: a física, a psicológica, a sexual, e a institucional.

No tocante à violência psicológica foram incluídos a exploração ou intimidação sistemática (o bullying), a alienação parental, a exposição a crime violento com relação a membro da família ou da sua rede de apoio. A violência sexual foi entendida também como o constrangimento em presenciar ato libidinoso, e a exposição em foto ou vídeo. E o mais inovador e louvável em muitos aspectos, embora merecedor de cuidadosa atenção, foi a inclusão da violência institucional que se constitui, sobretudo, como um tipo especial de violência psicológica, com procedimentos desconexos que causam novos traumas.

Mas, antes de mais nada, trago o alerta de que deve ser objeto de ponderação a dificuldade mesma em se identificar a violência psicológica, e também em quem são os agressores.

Já em seu artigo 2º, a lei deixa claro que a criança e o adolescente gozam de direitos específicos à sua condição de vítima ou testemunha, o que aqui obviamente não se discute. Mas, anterior aos direitos específicos de que bem trata a lei, trago à discussão aquele contraponto ao que é praticamente tomado quase como indiscutível: a ocorrência da violência.

Pergunto se a lei, no afã em proteger e coibir não estaria considerando a vulnerabilidade, que é inerente à criança e ao adolescente, com serem eles vítimas a priori? Embora ela traga algumas salvaguardas, do meu ponto de vista a sobreposição vulnerabilidade/vítima tende a ser o movimento central da Lei 13.431.

Assim, muitas vezes a tentativa em proteger, e atribuir direitos às vítimas, pode atropelar um primeiro passo a ser dado: o da identificação do problema, suas causas e agentes. Sendo que as peculiaridades da mente infantil e adolescente são complicadores em nada desprezíveis.

E não são desconsideráveis os riscos de injustiças neste sentido, não sendo a salvaguarda da capacitação e formação dos profissionais ou campanhas de conscientização contempladas na referida lei, ainda suficientemente convincentes para a necessária prevenção de erros e injustiças.

Inúmeros são os casos em que não só a violência, como identificada pela criança, pelo adolescente e pelos responsáveis, não só não ocorreu, como são tomadas medidas em relação ao suposto agressor, com seu afastamento e mesmo prisão. Nestas situações, a criança e o adolescente ficam ainda mais vulneráveis e, aí sim, vítimas quer de suas próprias fantasias que foram tomadas como se realidade fossem, quando não ficam à mercê daquele que pode ser efetivamente seu agressor.

Vejam-se, por exemplo, os artigos 13, 15, 21 e, sobretudo, o 22, parcialmente transcritos e grifados, da nova Lei:

“Art. 13. Qualquer pessoa que tenha conhecimento ou presencie ação ou omissão, praticada em local público ou privado, que constitua violência contra criança ou adolescente tem o dever de comunicar o fato imediatamente ao serviço de recebimento e monitoramento de denúncias, ao conselho tutelar ou à autoridade policial, os quais, por sua vez, cientificarão imediatamente o Ministério Público.
Parágrafo único. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão promover, periodicamente, campanhas de conscientização da sociedade, promovendo a identificação das violações de direitos e garantias de crianças e adolescentes e a divulgação dos serviços de proteção e dos fluxos de atendimento, como forma de evitar a violência institucional.”

“Art. 15. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar serviços de atendimento, de ouvidoria ou de resposta, pelos meios de comunicação disponíveis, integrados às redes de proteção, para receber denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes.
Parágrafo único. As denúncias recebidas serão encaminhadas:
I - à autoridade policial do local dos fatos, para apuração;
II - ao conselho tutelar, para aplicação de medidas de proteção; e
III - ao Ministério Público, nos casos que forem de sua atribuição específica.”

“Art. 21. Constatado que a criança ou o adolescente está em risco, a autoridade policial requisitará à autoridade judicial responsável, em qualquer momento dos procedimentos de investigação e responsabilização dos suspeitos, as medidas de proteção pertinentes, entre as quais:
I - evitar o contato direto da criança ou do adolescente vítima ou testemunha de violência com o suposto autor da violência;
II - solicitar o afastamento cautelar do investigado da residência ou local de convivência, em se tratando de pessoa que tenha contato com a criança ou o adolescente;
III - requerer a prisão preventiva do investigado, quando houver suficientes indícios de ameaça à criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência;”

“Art. 22. Os órgãos policiais envolvidos envidarão esforços investigativos para que o depoimento especial não seja o único meio de prova para o julgamento do réu.”

Certo é que em seu Art. 3º, abaixo parcialmente grifado, a Lei diz que em sua aplicação e interpretação serão consideradas as condições peculiares da criança e do adolescente como pessoa em desenvolvimento: “Art. 3o Na aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, às quais o Estado, a família e a sociedade devem assegurar a fruição dos direitos fundamentais com absoluta prioridade.”

No entanto, como não poderia deixar de ser, a lei não tem a abrangência em tratar especificamente das peculiaridades da mente infantil e adolescente no que diz respeito à natural confusão entre fantasia e realidade, e mesmo sua vulnerabilidade em se deixar sugestionar. A esta peculiaridade haveria apenas menção indireta no artigo 4º, inciso II, b) que trata da alienação parental. Porém seria requerido o conhecimento específico da Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010, que aborda em seu texto inclusive as falsas denúncias.[1]

Cabe trazer também o exemplo da mesma Lei 12.318 quanto à avaliação que prevê a ampla a apuração e, também, defesa do acusado quer de alienação parental quer de denúncia de abuso. Um exemplo de avaliação ampla e não enviesada a ser seguido[2], mas não contemplado na lei em exame. Certo é que o artigo 22, supracitado, fala que os órgãos policiais envolvidos apenas envidarão esforços investigativos para que o depoimento especial não seja o único meio de prova para o julgamento do réu, mas não obriga e não especifica quais são os outros meios de prova.

Em minha experiência, nos casos de denúncia que envolvam crimes, em geral o valioso instrumental da psicologia não é utilizado em relação aos acusados, mas somente com relação às vítimas assim identificadas, e por vezes seus responsáveis.

Do meu ponto de vista, esta situação implica no cerceamento do amplo direito de defesa. E, no caso da lei em exame uma das formas de escuta da criança e do adolescente, a escuta especializada, não garante a necessária avaliação do contexto, como o prevê o procedimento citado da lei que versa a respeito da alienação parental.

Por outro lado, como uma salvaguarda, a Lei 13.431 enfatiza a necessidade de capacitação interdisciplinar, como no artigo 14, parágrafo 1º, inciso II: “As políticas implementadas nos sistemas de justiça, segurança pública, assistência social, educação e saúde deverão adotar ações articuladas, coordenadas e efetivas voltadas ao acolhimento e ao atendimento integral às vítimas de violência.
§ 1o As ações de que trata o caput observarão as seguintes diretrizes:
II - capacitação interdisciplinar continuada, preferencialmente conjunta, dos profissionais;”

Além de nas “Disposições Finais e Transitórias” estar prevista sua implementação por parte do poder público nos artigos 25, 26 e 27, estipulando prazos para atos normativos necessários à efetividade da Lei, e para que, no âmbito de suas competências, os Estados, Distrito Federal e Municípios estabeleçam normas sobre o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência.

Esperamos que a capacitação seja feita levando-se em conta as dificuldades inerentes à questão. Estas tocam não só o conhecimento específico da psicologia infantil e adolescente, mas também a importância do autoconhecimento para que os pontos cegos do avaliador não interfiram de modo a impedir a necessária isenção. Ponto que acredito deve ser objeto de cuidadosa normatização com a efetiva participação das profissões para tanto especializadas, sobretudo a psicologia e mais ainda a especialização em psicanálise.

Esta situação — necessidade de apuração ampla, e justa, capacitação e formação dos profissionais — deve merecer maior atenção, conjugada com a tentativa em prevenir a violência institucional. No entanto, a ênfase em coordenar os procedimentos de apuração da violência institucional, centraram-se em duas formas de escuta da criança e do adolescente: a escuta especializada e o depoimento especial.

Certo é que, até o presente, o que era tido como violência (falsa ou verdadeira) em sua forma original costuma ser ecoada por um sem número de tentativas de apuração, em geral desconexas, bem como o é a capacitação dos profissionais.

Por bem intencionados que sejam os profissionais e os procedimentos, estes causam secundariamente traumas, revitimizando e retraumatizando, ainda com o risco em fixar na mente infantil e adolescente memórias que houvessem sido implantadas.

Não desprovido totalmente de razão, as vítimas, reais ou imaginárias, muitas vezes evitam o calvário do pedido de apuração ou utilizam a denúncia movidas por outros fins, mesmo que inconscientes.

Mas, se de um lado há uma dispersão vitimizadora e traumatizante, de outro lado, podem ser negativos um afunilamento e tentativa de centralização e de controle dos procedimentos, praticamente restringindo a avaliação na escuta especializada e no depoimento especial. A isto soma-se a confusão entre vulnerabilidade e a criança e o adolescente serem tomados como vítimas a priori.

Veja-se o artigo 13, supracitado (em é dever de qualquer pessoa que tenha conhecimento ou presencie ação ou omissão que constitua violência, a comunicação imediata ao serviço de recebimento e monitoramento de denúncias, ao conselho tutelar ou à autoridade policial, que comunicarão ao Ministério Público) em combinação com os artigos 7º, 8º e 11, abaixo transcritos, com alguns grifos:

“Art. 7o Escuta especializada é o procedimento de entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário para o cumprimento de sua finalidade.”

“Art. 8o Depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária.”

“Art. 11. O depoimento especial reger-se-á por protocolos e, sempre que possível, será realizado uma única vez, em sede de produção antecipada de prova judicial, garantida a ampla defesa do investigado.”
E, em especial, os
“§ 1o O depoimento especial seguirá o rito cautelar de antecipação de prova:
I - quando a criança ou o adolescente tiver menos de 7 (sete) anos;
II - em caso de violência sexual.”
“§ 2o Não será admitida a tomada de novo depoimento especial, salvo quando justificada a sua imprescindibilidade pela autoridade competente e houver a concordância da vítima ou da testemunha, ou de seu representante legal.”

Espero que a aplicação da lei, com a correlata normatização dos procedimentos e integração das instituições, somados ao difícil desafio de eficácia com o controle por parte do Estado quanto à capacitação dos profissionais, possam efetivamente minimizar as injustiças e diminuir a violência. Como exposto, há o risco de que a louvável tentativa em lidar com a violência institucional, possa ter como efeito colateral ainda outras violências. A experiência e o tempo o dirão.

[1] “Art. 2o Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;” (grifos meus).

[2] “Art. 5o Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial.

§ 1o O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor.”

Giselle Câmara Groeninga é psicanalista, doutora em Direito Civil pela USP, diretora da Comissão de Relações Interdisciplinares do IBDFAM, vice-presidente da Sociedade Internacional de Direito de Família, professora da Escola Paulista de Direito.

Revista Consultor Jurídico, 23 de abril de 2017, 8h10
http://www.conjur.com.br/2017-abr-23/processo-familiar-lei-13431-longo-caminho-efetiva-causar-injusticas

Isenção do IR sobre a renda de servidores portadores de doença grave

Por  e 
O artigo 6º, inciso XIV, da Lei 7.713/1988 isentou do pagamento do Imposto de Renda “os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma”.
Como tudo o que depende de interpretação, instaurou-se uma controvérsia em torno do conectivo “e”. Essa conjunção transferia para os portadores das moléstias especificadas na lei a condição de também serem eles aposentados para gozar do benefício fiscal, ou a isenção foi concedida para os aposentados e também para os portadores de doenças, estivessem eles em atividade ou não?
A disputa tem sido decidida em favor da isenção aos trabalhadores em atividade portadores das doenças especificadas na Lei 7.713/88 porque, além de a interpretação gramatical, corretamente feita, estabelecer dois grupos de beneficiários da isenção, há outros princípios e normas que incluem o trabalhador contribuinte ativo em uma situação de destinatário desse favor fiscal.
A isenção teria, nesse contexto, a finalidade de assegurar maior capacidade financeira ao trabalhador doente, garantindo-lhe o mínimo essencial para suportar os custos do tratamento permanente ou enquanto perdurar a enfermidade, situação em que se enquadram aposentados e, igualmente, os trabalhadores em atividade.
Essa é a adequada interpretação que se deve conferir ao artigo 6º, XIV, da Lei 7.713/88, em conformidade com as garantias fundamentais de respeito à saúde (artigos 196 e 170, caput, da CF/88), e da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da CF/88), que se sobrepõem a qualquer regra de interpretação.
O princípio da isonomia deve ser destacadamente aplicado nos chamados hard cases, de acordo com a teoria de Dworkin: “Um juiz que aceitar a integridade pensará que o direito que esta define estabelece os direitos genuínos que os litigantes têm a uma decisão dele. Eles têm o direito, em princípio, de ter seus atos e assuntos julgados de acordo com a melhor concepção daquilo que as normas jurídicas da comunidade exigiam ou permitiam na época em que se deram os fatos, e a integridade exige que essas normas sejam consideradas coerentes, como se o Estado tivesse uma única voz”. (Dworkin, Ronald. O império do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins fontes, 1999. P. 263).
A jurisprudência, cuidadosa com o tema, tem admitido a isenção tributária, sob o manto da dignidade humana de acordo com o direito à saúde, pela constatação de que a moléstia grave reduz drasticamente a capacidade contributiva.
Em inúmeros casos nas perícias médicas oficiais não é reconhecido o direito à aposentadoria, e esse fato agrava o estado de saúde do servidor em atividade e enfermo.
Há de se admitir, por blindagem isonômica que ambos — servidor em atividade e servidor aposentado — carecem receber o mesmo tratamento por suportarem a amargura comum de patologias igualmente severas, onde o sacrifício é o mesmo.
Se um servidor aposentado e enfermo tem direito à isenção exatamente para suprir parte do prejuízo decorrente da doença, o que dirá o servidor em atividade, como o caso dos portadores de neoplasia maligna, que amargam a mesma enfermidade, somado ao emaranhado de sintomas e efeitos colaterais devastadores causados pela medicação e pela quimioterapia, dentre eles, crises de náuseas, quedas de cabelo, causa diminuição da imunidade e predisposição a infecções, baixa autoestima, indisposição física, mental e intelectual, e que mesmo assim, necessitam continuar trabalhando todos os dias.
Afora isso, por seu efeito devastador, a doença gera no servidor em atividade a dificuldade de se manter no trabalho, e pelas reiteradas ausências e licenças médicas, chega-se à trágica perda do emprego ou da função pública que exerce.
A isenção adota, como elemento justificador, a patologia, com amparo na redução ou perda da capacidade contributiva, direito em que, na visão de Carnelutti, por ser tão óbvio, não deveria ser discutido em juízo: "Os romanos denominavam a atividade do advogado no processo com o verbo “postular”. Dizem os léxicos que esse verbo significa pedir aquilo que se tem direito de ter. E isso é o que agrava o peso de pedir. Não se deveria ter necessidade de pedir aquilo que se tem direito de ter. (Carnelutti, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Ed. Leme CL EDIJUR, 2013. P. 28).
A literalidade do inciso IV do artigo 6º da Lei 7.713/88 afirma claramente que, dentre os rendimentos percebidos por pessoas físicas, são isentos os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, neoplasia maligna, e demais doenças especificadas em lei.
Não se trata de interpretação extensiva da norma de isenção de imposto de renda, mas sim de uma interpretação sistemática e de acordo com a finalidade social da lei, que é a de aumentar, com a isenção, a capacidade financeira do trabalhador para amainar os sofrimentos decorrentes das doenças de que é vítima. Essa finalidade social é pressuposto de interpretação de toda e qualquer norma, conforme determinação prevista na Lei de Introdução de Normas do Direito Brasileiro: Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

A visão moderna atribuída pelo magistrado, acobertada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, consolidado mediante a prevalência do outro princípio constitucional entrelaçado, a isonomia, ambos, com caráter de direitos fundamentais, autorizam o Poder Judiciário conceder a isenção tributária a todos os trabalhadores portadores de patologias incapacitantes, ainda que estejam em atividade.
Katiuscia Alvim é advogada da Associação Nacional dos Servidores da Justiça do Trabalho (Anajustra) e do Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no Distrito Federal (Sindjus/DF). Membro do Ibaneis Advocacia e Consultoria.
Luísa Hoff Pignatti é advogada da Associação Nacional dos Servidores da Justiça do Trabalho (Anajustra) e do Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no Distrito Federal (Sindjus/DF). Membro do Ibaneis Advocacia e Consultoria.
Revista Consultor Jurídico, 20 de abril de 2017, 6h34
http://www.conjur.com.br/2017-abr-20/isencao-ir-renda-servidores-portadores-doenca-grave

Inconstitucionalidade da atual guarda compartilhada (parte 1)

Por 
Os institutos jurídicos, enquanto produtos culturais, sofrem alterações funcionais, ao mesmo tempo em que têm suas estruturas preservadas. Tais processos decorrem da atividade de interpretação do direito, realizada pela doutrina e, sobretudo, pelos tribunais, para que se ofereçam respostas às novas necessidades sociais. Contudo, nem sempre isso ocorre com perfeição. Significados antigos podem causar interferências nos novos significados, gerando incertezas e conflitos que não precisavam eclodir.
Esse problema parece acontecer com o conceito de guarda. Diretamente relacionado ao poder dos genitores sobre os filhos, tal instituto jurídico sofreu importantes modificações com o passar do tempo, sem que se alterasse a sua estrutura ou, no caso, a sua terminologia.
O Código Civil de 2002, em sua redação original, estabelecia, no artigo 1.583, que, em caso de separação judicial por mútuo consentimento ou divórcio consensual, a decisão de atribuição da guarda dos filhos seria definida pelos pais. Em caso de dissenso entre eles, no artigo 1.584, caput e parágrafo único, ordenava-se que a guarda fosse atribuída ao genitor que tivesse melhores condições de exercê-la, ou, excepcionalmente, uma terceira pessoa, levando-se em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade, observada a legislação específica.
Por meio da Lei 11.698/2008, inseriu-se no direito brasileiro o instituto da guarda compartilhada, definida na parte final do novo artigo 1.583, § 1º, do Código Civil de 2002 como “responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns” e que apresenta essa hipótese como recomendação aos genitores no artigo 1.584, § 2º, ao usar a expressão “sempre que possível”.
Posteriormente, pela Lei 13.058/2004, inseriu-se o parágrafo segundo ao artigo 1.583, estabelecendo que “o tempo de convívio deve ser dividido de forma equilibrada com o pai e com a mãe, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”. Assim, impôs-se a aplicação compulsória do regime de guarda compartilhada, modificando-se a redação do artigo 1.584, § 2º, ao defini-la como regra, sendo unilateral somente se um dos genitores declarar expressamente que não deseja a guarda do menor.
O legislador estabeleceu a obrigatoriedade do convívio entre ambos os genitores, porque a psicologia sustenta a importância das figuras paterna e materna para a formação da personalidade, além de permitir, por meio desse convívio, que a criança ou o adolescente tenha melhores e mais frequentes experiências de vida de forma saudável e feliz, assegurando-se o seu livre desenvolvimento enquanto pessoa.
Mesmo com o esforço da doutrina para o esclarecimento da guarda compartilhada em manuais e artigos, além dos diversos enunciados das Jornadas de Direito Civil, promovidas pelo Conselho da Justiça Federal, com os quais se ofereceram sugestões interpretativas sobre esse tema,[1] existem outras situações que merecem ser analisadas para que se corrijam distorções no relacionamento cotidiano entre pais e filhos que não vivem sob o mesmo teto. Essa é a proposta deste texto: apontar as inconveniências decorrentes da interpretação sobre guarda compartilhada na prática e demonstrar inclusive a inconstitucionalidade das regras atuais.
A definição do conceito de guarda exige a análise prévia do conceito do poder dos genitores sobre seus filhos. Desde o direito romano até não muito tempo atrás, esse poder cabia ao homem e denominava-se pátrio poder. Inicialmente absoluto, foi sendo atenuado para combater os abusos praticados contra os filhos. Na redação original do artigo 380 do Código Civil de 1916, atribuía-se o exercício do “pátrio poder” ao marido e, na sua falta ou impedimento, à mulher.
No século XX, o princípio do melhor interesse da criança, ainda que não estivesse explicitamente declarado na legislação, proporcionou a primeira mudança paradigmática nessa matéria, pela ideia de que os pais não tinham um poder, mas um dever para com os filhos, cujo cumprimento era fiscalizado pelo Estado, o que tornava até mesmo mais adequado o uso do termo “pátrio dever”[2] em vez de “pátrio poder”.
Esses deveres estavam elencados no artigo 384 do Código Civil de 1916 e mantiveram-se com a mesma redação até 2014 no artigo 1.634 do Código Civil de 2002. Dois merecem atenção. O primeiro continua na nova redação do artigo 1.634 e consiste em “dirigir-lhes a criação e a educação”. O segundo consistia em “tê-los sob sua guarda e companhia” e, na nova redação de 2014, consiste em “exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do artigo 1.584”.
A guarda, numa primeira acepção, é o dever dos genitores de conferir proteção de fato da pessoa dos filhos em termos de vigilância e cuidado. Esse entendimento também está presente na definição de guarda no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069/1990) no tocante à família substituta. No artigo 33, caput, estatui-se que “[a] guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais”. Trata-se, pois, da situação em que o não detentor de poder familiar o exercerá como se fosse genitor. O termo “guarda”, nesse contexto, está em consonância com o texto do Código Civil, porque neste se usa “guarda” com o significado de proteção e cuidado de fato, como nos casos de guarda da coisa no comodato, depósito, penhor, herança, bem como de livros e escriturações contábeis.
Tanto o artigo 384, VI, do Código Civil de 1916 quanto o artigo 1.634, VI, do Código Civil de 2002 — renumerado em 2014 como artigo 1.634, VIII — estabelecem que guarda é também o direito de os pais terem os filhos em sua companhia, ao atribuir o poder de “reclamá-los de quem ilegalmente os detenha”. Inclusive a violação desse direito é o crime de subtração de incapazes, tipificado no artigo 248 do Código Penal.
Ademais, o Estatuto da Criança e do Adolescente consagra a convivência familiar como um dos direitos fundamentais destes. A partir daquela data, a criança e o adolescente passaram a ter direito de conviver com os seus genitores, tal como disposto no Capítulo III do Título I desta Lei, especialmente nos arts. 19 e 23, complementando o que já havia no Código Penal desde 1940 em termos de subtração de incapazes. Por essa razão, a atribuição da guarda, nos termos do artigo 33. § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, visa à regularização dessa situação de fato, para que o guardião não genitor não seja incurso nesse tipo penal.
Dessa forma, o conceito de guarda desdobra-se em dois: enquanto proteção da pessoa dos filhos e enquanto convivência familiar com eles.
Até não muito tempo atrás, o legislador, motivado por questões morais e religiosas, punia o cônjuge responsável pelo desfazimento da família, privando-o da guarda, entendida como convívio com os filhos, por causa do preconceito existente de que o genitor considerado culpado era inapto ao exercício dos poderes decorrentes da condição de pai ou de mãe, além de sua presença ser considerada perniciosa, devido à sua imoralidade legalmente presumida. Nos termos da redação original do artigo 326 e seus parágrafos do Código Civil de 1916, a guarda era atribuída ao genitor inocente e, na hipótese de culpa dos dois genitores, filhos de ambos os sexos permaneciam com a mãe, mas o menino, a partir dos seis anos de idade, passava à guarda do pai. Admitiam-se disposições em contrário em casos de desquite amigável ou no melhor interesse da criança e assegurava-se ao genitor sem guarda o direito de visitas aos filhos, conforme disposto no artigo 327 do Código Civil de 1916.
O Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/1962) alterou o artigo 380, para definir que o pátrio poder era dos pais, exercido pelo marido com a colaboração da mulher. Modificou parcialmente a regra do artigo 326 do Código Civil de 1916, para que, em caso de culpa de ambos os cônjuges pelo fim do casamento, o melhor interesse da criança fosse mais bem atendido com a permanência dela com a mãe, salvo se, desse fato, resultasse prejuízo moral a elas.
A partir do Código Civil de 2002, houve a adequação dos direitos e deveres entre cônjuges na lei ordinária por força da Constituição Federal, estabelecendo-se a igualdade entre eles, abolindo-se do texto as antigas regras de deveres do marido e deveres da mulher. Isso resultou em mais uma importante modificação paradigmática em matéria de guarda dos filhos, para que o poder exercido em face dos filhos não fosse mais exercido pelo pai, ainda que com a colaboração da mãe, mas que ambos o exercessem em igualdade de condições, denominando-se, agora, poder familiar. Defende-se o uso dos termos “autoridade parental” e “responsabilidade parental”[3] ou até mesmo “função familiar”, uma vez que função é o exercício de poderes exercidos no interesse de quem sofre seus efeitos, e não no interesse de quem os exerce. As funções de genitores são indelegáveis e cessam somente com a maioridade civil.
Com a igualdade entre os cônjuges e a adoção do conceito de poder familiar, em substituição ao de pátrio poder, a guarda dos filhos tornou-se necessariamente compartilhada entre os genitores, ainda que, na redação original do Código Civil de 2002, inexistisse o termo “compartilhada” em qualquer de seus artigos. É, evidentemente, unilateral, quando um dos genitores não puder nem desejar exercê-lo, como nos casos de força maior, ou de suspensão ou perda do poder familiar.
Pelo fato de guarda também significar direito à convivência familiar em decorrência do direito de os pais terem os filhos em sua companhia, e estes terem a convivência com seus pais, a criança e o adolescente necessitam de um local onde exercerão tal direito. Esse local é o domicílio, onde residirão com ânimo definitivo, e, no caso, o domicílio dos filhos é o dos pais, nos termos do artigo 76, parágrafo único, do Código Civil de 2002.
Na próxima semana, tratarei dos problemas relativos à aplicação do regime da guarda compartilhada e apontarei a inconstitucionalidade das regras atuais.
*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFBA e UFMT).


[1] Desde a I Jornada de Direito Civil há enunciados sobre guarda compartilhada. Especialmente, na VI Jornada de Direito Civil, realizada em setembro de 2015, em Brasília, aprovaram-se cinco enunciados sobre o tema (Enunciados 601 a 606), o que evidencia a enorme dificuldade na sua aplicação prática da maneira correta.
[2] Washington de Barros Monteiro. Curso de Direito Civil. 1ª edição. São Paulo: Saraiva, 1952. p. 227
[3] Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias. 10ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 461
Eduardo Tomasevicius Filho é Professor Doutor do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP.
Revista Consultor Jurídico, 24 de abril de 2017, 8h01
http://www.conjur.com.br/2017-abr-24/direito-civil-atual-inconstitucionalidade-atual-guarda-compartilhada-parte