sexta-feira, 19 de maio de 2017

Reconhecimento extrajudicial da parentalidade socioafetiva (parte 2)

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Em nossa última coluna da ConJur, explicamos que o Tribunal de Justiça de Pernambuco, de maneira pioneira, admitiu o reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva e que o provimento 9 de 2013 foi copiado por diversos Tribunais do Brasil.
É de se ressaltar que o Tribunal de Justiça de São Paulo, na contramão do Direito de Família da atualidade, ignorando a realidade decorrente da socioafetividade, criou um procedimento assistencial sem qualquer base jurídica denominado “apadrinhamento afetivo” e “apadrinhamento financeiro”. O provimento CG 36 de 2014[1] dispõe que:
Artigo 2º - Apadrinhamento afetivo é um programa para crianças e adolescentes acolhidos institucionalmente, com poucas possibilidades de serem adotados, que tem por objetivo criar e estimular a manutenção de vínculos afetivos, ampliando, assim, as oportunidades de convivência familiar e comunitária.
§ 1º: O apadrinhamento afetivo pressupõe contato direto entre o “padrinho” e o “apadrinhado”, inclusive com autorização para atividades fora do serviço de acolhimento.
§ 2º: Tratando-se de crianças e adolescentes com pouca ou nenhuma perspectiva de adoção, eventual interesse adotivo por parte do “padrinho” não deverá ser considerado burla ao cadastro de pretendentes à adoção, que consultado anteriormente resultou em resposta negativa.
Sobre o apadrinhamento financeiro temos:
“Artigo 3º- Apadrinhamento financeiro consiste em contribuição econômica para atender as necessidades de uma criança ou adolescente acolhidos institucionalmente, sem criar necessariamente com ela vínculos afetivos.
Parágrafo único: O apadrinhamento financeiro não pressupõe contato direto entre “padrinho” e “apadrinhado”, podendo, a critério do “padrinho” ser convertido em apadrinhamento afetivo, com ou sem prejuízo do apadrinhamento financeiro”.
Note-se que os institutos não têm natureza jurídica, não geram efeitos jurídicos, são atos de solidariedade humana transmutados em Provimento da Corregedoria. E mais. Tais atos sempre existiram e nunca precisaram de “regulamentação” por Provimento da Corregedoria. O fato de o artigo 2º prever que se houver interesse do padrinho em adotar o menor isso não implica burla ao cadastro de adoção (parágrafo 2º) é indicação, apenas, de que, na adoção, prevalece o melhor interesse do menor. A orientação do STJ é pacífica: na adoção o que efetivamente prevalece é o melhor interesse da criança, ainda que em detrimento do Cadastro de Adoção[2]
O que pretende o TJ-SP é estabelecer política pública de cuidado de menores que estão em Instituição de Acolhimento (Provimento CG 40 de 2015).[3] Quanto à socioafetividade, a única regra que existe no Provimento 36 de 2014 trata do procedimento judicial que correrá na Vara da Infância e da Juventude.[4]
Note-se que em razão da disciplina que os Tribunais, em regra, deram ao tema, o Conselho Nacional de Justiça, atendendo a um pedido de providências de autoria do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, em 14 de março de 2017, decidiu[5]
“Em analogia ao disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (arts.
42, caput e §§ 1º da Lei n. 8069/1990), revela-se imprescindível que o reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva somente seja possibilitado aos maiores de dezoito anos de idade, não podendo realizar o mencionado procedimento os ascendentes e os irmãos do adotante, sob pena de gerar confusão entre os graus de parentesco.
Os pretensos pai e filho, ainda, devem guardar diferença de idade mínima de 16 anos, à semelhança do que dispõe o art. 42, § 3º, da Lei nº 8.069/1990 (“O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho que o adotando”).
O reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva, dependerá, ademais, do consentimento da mãe e do filho maior de doze anos, consoante inteligência dos arts. 45, caput e seu § 2º, da Lei n. 8.069/90).
Em caso de falecimento ou circunstância especial que impeça o
expresso consentimento da mãe ou do filho (a exemplo da incapacidade), o procedimento deverá seguir o trâmite judicial.
Dispensar-se-á, por óbvio, estagio de convivência com a criança ou adolescente. Exigir-se-á, contudo, a demonstração inequívoca da existência de relação de pai e filho baseada na afetividade”.
É de se perguntar então se, por orientação do CNJ seguiremos os mesmos requisitos da adoção para o reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva, quais seriam as diferenças entre os institutos?
A adoção será utilizada quando a criança ou adolescente não tiver convívio com os futuros pais adotivos. Na hipótese de pessoas cadastradas no Cadastro Nacional de Adoção em que se buscam menores para adoção, em que não há convívio prevalece o processo judicial de adoção. Não se reconhece paternidade socioafetiva nas situações em que não há afeto ou convívio.
E se a criança já conviver com aquele homem e/ou aquela mulher na qualidade fática de filho, mas sem ter sido registrado como tal? Nessa hipótese os pais podem optar pela adoção tradicional ou reconhecimento da paternidade socioafetiva extrajudicial. O vínculo de afeto já está formado. Contudo, há uma ressalva que passo a explicar.
A adoção rompe os vínculos com a família biológica, salvo para fins de impedimentos matrimoniais. Assim, se houver adoção pressupõe-se que haverá destituição do poder familiar quanto aos genitores biológicos e isso exige necessariamente um procedimento judicial. Não se pode destituir alguém do poder familiar sem contraditório e ampla defesa. A criança ou adolescente ganha uma nova família e se desliga da antiga. E mais, para que haja a destituição devem haver fortes motivos tais como violência doméstica, abuso de diversas ordens ou o mais completo abandono e total rompimento por parte daquele que perderá o poder familiar.
Se houver reconhecimento de parentalidade socioafetiva pode haver uma soma, sem qualquer substituição. Foi o que admitiu o STF com a Repercussão Geral 622. Assim, a criança ganha um pai ou uma mãe além dos biológicos. Há apenas uma adição. Nessa hipótese, como não há destituição do poder familiar, a via extrajudicial é adequada.
É de se perguntar se uma criança ou adolescente que tenha um pai e uma mãe em sua certidão de nascimento poderia ser reconhecida extrajudicialmente por seu pai ou mãe afetivo pela via extrajudicial. Em meu sentir a resposta deve ser positiva, desde que ouvidos os genitores registrais e desde que esses concordem com o reconhecimento. Se isso não ocorrer, se houver oposição, só a via judicial restará ao interessado em ter o afeto e seus efeitos reconhecidos, pois tal decisão poderá ter como efeito a multiparentalidade.


[1] http://esaj.tjsp.jus.br/gcnPtl/abrirDetalhesLegislacao.do?cdLegislacaoEdit=135491&flBtVoltar=N
[2] RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. ADOÇÃO  INTUITU  PERSONAE.  PRETENDENTE  NÃO INSCRITA NO CADASTRO DE ADOTANTES.   IMPOSSIBILIDADE   JURÍDICA   DO  PEDIDO.  APLICAÇÃO  DO PRINCÍPIO  DO  MELHOR INTERESSE DO MENOR. ESTABELECIMENTO DE VÍNCULO AFETIVO  DA  CRIANÇA COM A PRETENSA ADOTANTE NÃO CADASTRADA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (REsp 1628245/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 13/12/2016, DJe 15/12/2016)
[3] http://esaj.tjsp.jus.br/gcnPtl/abrirDetalhesLegislacao.do?cdLegislacaoEdit=141110&flBtVoltar=N
[4] Artigo 4º - O pedido de reconhecimento de paternidade socioafetiva, no âmbito da Infância e da Juventude, deverá observar:
I – em relação a adolescentes e crianças maiores de dois anos de idade, o rito previsto na Lei nº. 8.560, de 29 de dezembro de 1992;
II – em relação a crianças menores de dois anos de idade, o procedimento previsto para adoção normatizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, observando se o referido pedido não constitui fraude ao cadastro de pretendentes à adoção e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
[5] http://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/Decisao%20socioafetividade.pdf
José Fernando Simão é advogado, diretor do conselho consultivo do IBDFAM e professor da Universidade de São Paulo e da Escola Paulista de Direito.
Revista Consultor Jurídico, 14 de maio de 2017, 8h01
http://www.conjur.com.br/2017-mai-14/processo-familiar-reconhecimento-extrajudicial-parentalidade-socioafetiva-parte

As duas faces do ativismo judicial

INTRODUÇÃO

O discurso acerca dos direitos fundamentais, no decorrer dos tempos, passou a fazer parte da “consciência e do tráfego social”, bem como, a se localizar no ponto central da jurisprudência do Supremo, não apenas sob a perspectiva qualitativa, como também quantitativa[1].

E na busca de terem esses direitos fundamentais satisfeitos e resguardados, a sociedade tem buscado cada vez mais o Judiciário, que por outro lado acaba por expandir suas funções objetivando satisfazer os anseios sociais e solucionar as lides que chegam em números avassaladores, criando assim o chamado ativismo judicial.

Para Vicente Paulo[2], o ativismo caracteriza-se da seguinte maneira: "O termo ativismo caracteriza-se pelas decisões judiciais que impõem obrigações ao administrador, sem, contudo, haver previsão legal expressa. Decorre da nova hermenêutica constitucional na interpretação dos princípios e das cláusulas abertas, o que tem despertado pesadas críticas ao Poder Judiciário, notadamente, ao Supremo Tribunal Federal."

Ocorre que, neste cenário, o ativismo assume duas “faces”: uma negativa e a outra positiva. A primeira feriria a separação dos poderes, gerando o enfraquecimento dos poderes eleitos e a desmobilização popular, bem como o exclusivismo moral do judiciário[3], e consequente insegurança jurídica. Já na segunda face, a fundamentação resta-se baseada na igualdade social, na garantia do mínimo existencial e na dignidade da pessoa humana, havendo interferência no dever de legislar, nas políticas públicas e nas decisões alocativas de recursos estatais e na atuação ativa diante das omissões e retardamentos do Legislativo[4].

2.FACE NEGATIVA

A constituição Federal de 1988, estabelece o princípio da separação dos poderes, qual seja a distinção entre as funções legislativa, executiva e jurisdicional.

De modo que, cada poder deve exercer sua função dentro do limite legal estabelecido, não devendo adentrar a esfera do outro poder, pois a atuação de um poder acaba por limitar a atuação de um outro poder.

Desta maneira evidencia-se que o judiciário não possui função originária de lesgilar, mas ele acaba por atuar quando há vácuo institucional dos outros poderes,[5] especialmente o legislativo.

Carlos Alexandre[6] traz que: "Ante a omissão legislativa, o STF tem sido chamado a se pronunciar sobre determinadas matérias que caberiam ao Legislativo regulamentar. Por vezes, o STF não se limita a declarar a omissão legislativa, indo além do que a dogmática legalista tradicional convencionou ser o papel do Judiciário, qual seja, a subsunção do fato à norma, e ante a imposição de obrigações aos outros poderes e aos administrados em geral, a doutrina diz que há intromissão indevida do Judiciário nos demais Poderes da República, ferindo os princípios da separação dos poderes, a democracia e o estado democrático de direito."

E nesse meio de atuação acaba por ferir a separação dos poderes e intervir nas ações regulatórias, fator que pode sem dúvida gerar insegurança jurídica.

Conforme mencionou Geórgia Lage[7]: "(...) a crítica se funda na alegação de que o Poder Judiciário não possui legitimidade democrática para, em suas decisões, insurgir-se contra os atos instituídos pelos poderes eleitos pelo povo. Assim, o Poder Judiciário, com seus membros não eleitos, não poderia demudar ou arredar leis elaboradas por representantes escolhidos pela vontade popular. Este poder não teria legitimidade para isso. É o que se chama de desafio contramajoritário, interferindo diretamente no poder regulatório e ferindo o princípio da separação dos poderes. Ou seja, onde estaria, a sua legitimidade para proscrever decisões daqueles que desempenham mandato popular, que foram escolhidos pelo povo?".

No que tange tal interferência ao poder regulatório, temos o exemplo clássico da “progressão de regime de cumprimento de pena em crimes hediondos”[8], decidido pelo Supremo Tribunal federal no HC 82.959, que buscava a declaração de inconstitucionalidade da Lei dos Crimes Hediondos (Lei Federal nº 8.072/1990, especificamente o seu art. 2º, §1º, que impossibilitava progressão do regime de cumprimento de pena dos acusados de crimes classificados como hediondos.


Em fevereiro de 2006, a maioria da Suprema Corte deferiu pedido de Habeas Corpus e declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos definidos no art. 1º do mesmo diploma legal. A decisão do STF, no entanto, não é de caráter vinculante, tendo acontecido em controle difuso de constitucionalidade. O STF entendeu que a vedação de progressão de regime prevista no referido dispositivo normativo viola o direito à individualização da pena, prevista no art. 5º, LXVI da Constituição Federal. No mais, que tal vedação é incongruente, uma vez que desconsidera o princípio da individualização da pena no § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 e impõe o regime integralmente fechado, mas admite em seu art. 5º o livramento condicional.

Por fim, o Tribunal alegou que o enunciado do §7º, do art. 1º, da Lei 9.455/971 derrogou o §1º do art. 2º da Lei 8.072/90. Ainda que se refira especificamente ao crime de tortura esse é hediondo, passando assim ser o cumprimento de pena do crime hediondo inicialmente fechado, e não expressa e integralmente fechado. Desta maneira, trazia a legislação medidas de execução penal mais favoráveis aos acusados.[9]

O argumento principal utilizado para fundamentar a decisão foi o princípio constitucional da dignidade da pessoa. Ocorre que sob tal argumento, o poder de punir do Estado restou mitigado, pois foi sobreposto pela interpretação do judiciário, que acabou por declarar inconstitucional parte de uma lei que fora criada pelo legislativo (a quem cabe precipuamente legislar) e a quem o povo elegeu para o fazer, objetivando maior rigidez na punibilidade, em busca de garantir a individualização da pena para proteger a dignidade da pessoa humana.

Nesse prisma, a sociedade fica a mercê de uma insegurança jurídica. Pois não há garantia de que o judiciário não continuará a declarar leis inconstitucionais face à interpretação de outros princípios, para assegurar outras garantias, invadindo outras esferas do poder. Um outro ponto pertinente é a fundamentação principiológica. Segundo Streck[10]:"Ativismo é quando os juízes substituem os juízos do legislador e da Constituição por seus juízos próprios, subjetivos, ou, mais que subjetivos, subjetivistas (solipsistas). No Brasil esse ativismo está baseado em um catálogo interminável de “princípios”, em que cada ativista (intérprete em geral) inventa um princípio novo. Na verdade, parte considerável de nossa judicialização perde-se no emaranhado de ativismos."

Sobre o assunto preleciona Daniel Sarmento[11]: "E a outra face da moeda é o lado E a outra face da moeda é o lado do decisionismo e do "oba-oba". Acontece que muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de através deles, buscarem a justiça – ou que entendem por justiça -, passaram a negligenciar no seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta "euforia" com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com seus jargões grandiloquentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras "varinhas de condão": com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser. Esta prática é profundamente danosa a valores extremamente caros ao Estado Democrático de Direito. Ela é prejudicial à democracia, porque permite que juízes não eleitos imponham a suas preferências e valores aos jurisdicionados, muitas vezes passando por cima de deliberações do legislador. Ela compromete a separação dos poderes, porque dilui a fronteira entre as funções judiciais e legislativas. E ela atenta contra a segurança jurídica, porque torna o direito muito menos previsível, fazendo-o dependente das idiossincrasias do juiz de plantão, e prejudicando com isso a capacidade do cidadão de planejar a própria vida com antecedência, de acordo com o conhecimento prévio do ordenamento jurídico."

Assim sendo, o ativismo além de ferir a separação dos poderes expressa na Constituição Federal, o que gera o enfraquecimento dos poderes eleitos pelo povo com a consequente desmobilização popular, nos coloca diante do exclusivismo moral do judiciário, que de acordo com seu solipisismo decide com base no argumento principiológico, fatores preponderantes para o ocasionamento da insegurança jurídica.

3.FACE POSITIVA

Ao longo do tempo, o judiciário vem mudando, e sem dúvida, adotando novas abordagens interpretativas e decisórias.[12] Objetivando alcançar a igualdade social e garantir o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana, tem assumido papel ativo na vida institucional brasileira[13], inclusive cobrando ao legislativo e buscando corrigir suas omissões e retardamentos.

Em discurso proferido na Suprema Corte em 23/04/2008 o Sr. Ministro Celso de Melo[14], em nome do Supremo Tribunal Federal, pronunciou o seguinte acerca do ativismo judicial:

“Nem se censure eventual ativismo judicial exercido por esta Suprema Corte, especialmente porque, dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento afirmativo do Poder Judiciário, de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito, inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e desrespeitada por pura, simples e conveniente omissão dos poderes públicos. Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, ao suprir as omissões inconstitucionais dos órgãos estatais e ao adotar medidas que objetivem restaurar a Constituição violada pela inércia dos poderes do Estado, nada mais faz senão cumprir a sua missão constitucional e demonstrar, com esse gesto, o respeito incondicional que tem pela autoridade da Lei Fundamental da República. Práticas de ativismo judicial, Senhor Presidente, embora moderadamente desempenhadas por esta Corte em momentos excepcionais, tornam-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio estatuto constitucional, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade. A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.

Desta maneira o ativismo surge como forma de suprir as omissões e retardamentos do judiciário que deixam de cumprir seu papel, respeitando a própria Constituição, de modo que, as lides não decididas por ausência de leis ou de suas votações nas casas do Congresso Nacional, bem como os conflitos não resolvidos, acabam por chegar ao Judiciário, que não podendo se omitir de julgar, tomam decisões ativistas, com o fim de garantir os direitos expressos na própria Constituição.

A exemplo, entre tantas outras situações que ocasionaram decisões ativistas positivas, temos a decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a União estável entre casais do mesmo sexo , conforme ementa do julgado abaixo:[15]

1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no § 3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do § 2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. As ações foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral[16].

As ações julgadas buscavam o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, e que os direitos e deveres dos companheiros nas uniões heteroafivas fossem estendidas às uniões homoafetivas. A justificava baseava-se nos preceitos fundamentais de igualdade e liberdade, bem como o princípio da dignidade da pessoas humana, todos expressos na Constituição.

Necessário se observar, que a referida decisão adveio das Ações de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Direta de Inconstitucionalidade (ADI), ou seja, a decisão fora tomada mediante provocação do Executivo e do próprio Judiciário, e não do legislativo, a quem caberia legislar sobre o assunto. Porém, diante da omissão, coube ao Judiciário, mais especificamente ao Supremo tribunal Federal, decidir de maneira ativista.

Ainda que assim não fosse, faz-se necessário pontuar alguns outros argumentos favoráveis ao ativismo judicial.

No que tange à questão principiológica, segundo Canotilho[17], os princípios não são mais abstratos e gerais, sem qualquer aproveitamento como no jusnaturalismo, ou de uso subsidiário como no juspositivismo. Hoje, passaram a ter status de norma constitucional, alcançando o cume do ordenamento jurídico, denotando os valores necessários trazidos pela lei maior.

Quanto à legitimidade dos membros do Poder Judiciário decorre da própria constituição. De tal modo, os juízes não atuam em nome próprio, mas de acordo com a lei e com autorização da própria constituição. Deste modo, ao aplicarem as leis e a própria constituição estão consolidando a vontade da maioria, a própria vontade majoritária. Assim, o ativismo seria então um instrumento que promove a democracia.[18]

Não obstante o já demonstrado, há crítica de que o ativismo judicial estaria violando a separação dos poderes, porém esta atuação proativa na Constituição Federal de 1988 com a disciplina tripartite das funções do poder, foi transformada consideravelmente. O princípio da separação de poderes evoluiu desde a sua sistematização inicial, sobrevindo uma flexibilização[19], que permite ao judiciário intervir positivamente nas outras esferas do poder.

4.CONCLUSÃO

Por todo o exposto, conclui-se que o ativismo judicial tem relevância fundamental para a concretização dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, especialmente o princípio da dignidade da pessoa humana.

Não obstante o risco de ensejar insegurança jurídica, especialmente pela possibilidade de decisões solipisistas, a atuação ativa e ativista do judiciário no cenário atual, apresenta-se, sem dúvida como premissa para a manutenção do Estado Democrático de Direito.

NOTAS

[1] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Forense. 2004, p. 322.
2 ALMEIDA, Vicente Paulo de. Ativismo judicial. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2930, 10 jul. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/19512>. Acesso em: 4 abril 2015.
[3] CARMONA, Geórgia Lage Pereira. A propósito do ativismo judicial: super poder judiciário?. Âmbito Jurídico, Rio Grande, 05 abr.2015. Disponível em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_ link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11605>. Acesso em 20 março 2015.

[4] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Forense. 2004, p. 328.
[5]ALMEIDA, Vicente Paulo de. Ativismo judicial. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2930, 10 jul. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/19512>. Acesso em: 4 abr. 2015.
[6] CAMPOS, op. cit., p. 210.
[7] CARMONA, Geórgia Lage Pereira. A propósito do ativismo judicial: super poder judiciário?. Âmbito Jurídico, Rio Grande, 05 abr. 2015. Disponível em:< http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link= revista_ artigos_leitura&artigo_id=11605>. Acesso em 20 março 2015.
[8] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Forense. 2004, p.326.
[9] Disponível em: <http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/HC%2082_959%20-%20Resumo.pdf>. Acesso em 01 abril 2015.
[10] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica em crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 5ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
11SARMENTO, Daniel l(Org.) A Constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Coordenadores.. Rio de Janeiro. Lúmen Júris. 2007.
[12] CARMONA, Geórgia Lage Pereira. A propósito do ativismo judicial: super poder judiciário?. Âmbito Jurídico, Rio Grande, 05 abr.2015. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/ ?n_link=revista_artigos_leitura &artigo _id= 11605>. Acesso em 20 março 2015.
[13] BARROSO, Luís Roberto. Ano do STF: Judicialização, ativismo e legitimidade democrática. Consultor Jurídico, 22 dez.2008. Disponível em:<http://www.conjur.com.br/2008-dez-22/judicializacao_ativismo_ legitimidade_ democratica>. Acesso em: 03 abril 2015.
[14] MELLO, celso de. Discurso proferido pelo ministro Celso de Mello..., em 29/04/2009, por ocasião do transcurso do primeiro ano de mandato do senhor ministro gilmar mendes como presidente do supremo tribunal federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ discursoCM29abr.pdf>. Acesso em: 27 março 2015.
[15] STF - ADI: 4277 DF , Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 05/05/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03 PP-00341)
[16] Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931>. Acesso em: 28 março 2015.
[17] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.Coimbra: Livraria Almedina, 2003. P. 172.
[18] CARMONA, Geórgia Lage Pereira. A propósito do ativismo judicial: super poder judiciário?. Âmbito Jurídico, Rio Grande, 05 abr.2015. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/ ?n_link=revista_artigos_leitura &artigo _id= 11605>. Acesso em: 02 abril 2015
[19] CARMONA, op. cit.


GOMES, Eva. As duas faces do ativismo judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5067, 16 maio 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/40366>. Acesso em: 19 maio 2017.

Afinal, o que muda com a equiparação de Cônjuge e Companheiro para fins de sucessão?

Esclarecimentos sobre a decisão do STF que colocou fim a distinção do regime sucessório entre cônjuges e companheiros.

No último dia 10 de maio de 2017, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional o artigo 1.790 do Código Civil, dispositivo esse que estabelece diferenças entre companheiro e cônjuge nos direitos sucessórios.

Isso quer dizer que os mesmos direitos relativos à Sucessão de bens aplicados ao cônjuge, estendem-se aos companheiros, ou seja, aquelas pessoas que vivem em união estável, de modo que não será observado o disposto no artigo 1.790 do Código Civil, o qual apresentava certas restrições, conferindo menos direitos sucessórios aos companheiros.

Importante mencionar que a equiparação entre cônjuges e companheiros para fins de sucessão se aplica também para Uniões Homoafetivas, o que representa grande avanço em nossa sociedade.

Dessa maneira, para fins de repercussão geral, nos processos em que se foi decido nesse sentido (Recursos Extraordinários nº 646721 e 878694), restou aprovada a seguinte tese:

“No sistema constitucional vigente é inconstitucional a diferenciação de regime sucessório entre cônjuges e companheiros devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1829 do Código Civil.”

Nesse passo, importante se faz a diferenciação dos regimes sucessórios do cônjuge e companheiro, comparando-se os artigos 1829 e 1790 do Código Civil:
 
 Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: 
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; 
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; 
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; 
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. 


Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: 
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; 
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; 
III - ao cônjuge sobrevivente; 
IV - aos colaterais.

A primeira diferença é que o companheiro ficava restrito a herdar somente os bens adquiridos de maneira onerosa na vigência da união estável, ressalvados aqueles bens que o companheiro possuiu devido à meação.

Dessa maneira, é possível concluir que o referido artigo 1790 do Código Civil exclui da sucessão qualquer bem que foi adquirido gratuitamente pelo de cujus, bem como os bens onerosamente adquiridos em período anterior à união estável.

A segunda diferença consiste no fato de que, de acordo com a vocação hereditária prevista nos dois artigos acima transcritos, o quinhão a ser recebido pelo companheiro é inferior ao que lhe seria de direito se acaso esse fosse casado com o falecido.

Para esclarecer a diferença entre os dois regimes de sucessão, entre cônjuges e companheiros, imaginemos o seguinte exemplo, o qual demonstra como eram mais limitados os direitos sucessórios dos companheiros:

Maria conviveu em união estável com o João, que faleceu. João tinha um filho, que não era filho de Maria. Os bens patrimoniais de João eram: R$ 100.000,00 (cem mil reais), na qualidade de bens particulares e mais R$ 100.000,00 (cem mil reais), na qualidade de bens adquiridos onerosamente na constância da união estável com Maria (bens comuns).

Partilha de acordo com o artigo 1.790 do Código Civil:

 - Ressalvado a meação, ou seja, metade dos bens adquiridos na constância da união estável (regime da comunhão parcial de bens – artigo 1.725 do Código Civil), Maria teria direito, a título de sucessão (herança), a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) dos bens comuns;
 
Partilha de acordo com o artigo 1.829 do Código Civil:
- Ressalvada a meação, ou seja, metade dos bens adquiridos na constância do casamento, Maria terá direito, a título de sucessão (herança), a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) dos bens particulares.

Conclui-se que o STF sustentou que o artigo 1.790 do Código Civil não encontra respaldo na Constituição Federal, uma vez que considerou tal norma discriminatória dos diferentes tipos de família, chegando até a violar o princípio da dignidade da pessoa humana.

Por fim, entendeu-se pertinente modular os efeitos da aplicação do recente posicionamento firmado pela Suprema Corte, reduzindo a insegurança jurídica, de maneira que a equiparação entre cônjuges e companheiros quanto à linha sucessória, terá aplicação nos processos judiciais em que ainda não ocorreu o trânsito em julgado da partilha e nas demais partilhas extrajudiciais, nas quais não tenham sido lavrada escritura pública.

Texto produzido por Carlos Eduardo Borges de Freitas Filho, OAB/SP 343.251.

http://www.borgespansani.com.br/2017/05/afinal-o-que-muda-com-equiparacao-de.html

Reconhecimento de união estável para fins previdenciários pode ser feito por qualquer tipo de prova

Publicado por Ian Ganciar Varella

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) apelou da sentença proferida pelo Juízo de Direito da Comarca de Valença do Piauí, que, para fins previdenciários, reconheceu a existência de união estável entre a autora e o instituidor da pensão.

O INSS sustentou nas razões da apelação, que para a comprovação da união estável devem ser apresentados, no mínimo, três documentos dentre os elencados no art. 22, § 3º, do Decreto nº 3.048/99 e que, no caso, a autora não juntou documentos necessários para provar sua condição de dependente previdenciária do segurado falecido.

Ao analisar o ponto controvertido da ação, qual seja, o reconhecimento de união estável para fins previdenciários, o relator, desembargador federal João Luiz de Souza apontou que, nos termos da Lei nº 8.213/91, considera-se companheira a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado, possuindo dependência econômica presumida.

Prosseguindo, o magistrado asseverou que “com supedâneo no princípio da inexistência de hierarquia entre as provas, impõe-se reconhecer que a comprovação de união estável, para fins previdenciários, pode ser feita por qualquer meio de prova em direito admitida, pois não há, no ordenamento jurídico pátrio, norma que preveja a necessidade de apresentação de prova material, salvo na hipótese de reconhecimento de tempo de serviço, não cabendo, portanto, ao julgador aplicar tal restrição em situações nas quais a legislação assim não o fez”.

O relator ainda sustentou que “é forçoso concluir que a norma do decreto que elencou um rol de documentos que permitem o reconhecimento da união estável para fins previdenciários, não pode ser tida como taxativa e impeditiva ao reconhecimento daquela relação pelo poder judiciário, até porque é destinada precipuamente aos servidores do órgão previdenciário para análise dos processos administrativos de concessão de benefícios, de modo a padronizá-los e evitar fraudes”.

O desembargador concluiu seu voto esclarecendo que, na hipótese do processo, da análise de todo o acervo probatório produzido, extrai-se que existem elementos suficientes para o reconhecimento da relação estável entre a autora o falecido segurado. Assim, acompanhando o voto do relator, o Colegiado negou provimento à apelação.

Processo nº 0024844-53.2007.4.01.9199/PI

Data de julgamento: 18/10/2016Data de publicação: 28/03/2017ZR

Fonte: TRF1 e Ibdp

https://ianvarella.jusbrasil.com.br/noticias/459667739/reconhecimento-de-uniao-estavel-para-fins-previdenciarios-pode-ser-feito-por-qualquer-tipo-de-prova?utm_campaign=newsletter-daily_20170519_5307&utm_medium=email&utm_source=newsletter

É possível responsabilizar o cirurgião-dentista pelos maus resultados em procedimentos?


Gestão de riscos jurídicos. Advocacia consultiva, preventiva e contencioso. Defesas nas esferas judiciais, administrativas e ético-profissional.

Publicado por Ana Winter Advocacia & Assessoria Jurídica

Inicialmente, convém esclarecer que o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, § 4º, isenta os profissionais liberais da responsabilidade objetiva, disciplinando que a responsabilidade do profissional somente será apurada mediante culpa, vejamos: “Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
(...) § 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”

Nesse arrazoado, oportuno destacar que a prestação de serviço de odontologia é de meio e não de fim, sendo certo que a prestação de serviço de meio, não garante o resultado, vez que, em muitos casos, independe da ação do profissional.

Sem dúvida alguma o cirurgião-dentista é eticamente obrigado a usar todos os meios com o fim de obter o melhor resultado, entretanto a odontologia não é uma ciência de resultados e sim de meios que está sujeita a inúmeras situações fisiológicas e particulares de cada ser humano.

Tanto na área da saúde, quanto na esfera judicial, o resultado muitas vezes é diverso do pretendido, mesmo que o profissional tenha atuado com total empenho, gana e expertise para alcançar a conclusão desejada.

No caso da odontologia, existem diversos fatores que independem da boa-fé e expertise do dentista. Isto porque, muito embora exista tratamentos indicados pela literatura odontológica, por fatores biológicos ou adversos, simplesmente não alcançam o resultado esperado.

Frisa-se que, não há a isenção total do profissional, podendo este ser sim responsabilizado, contudo, somente mediante a apuração da culpa.

Em síntese, para que possa subsistir alegação de erro e de responsabilidade civil deste profissional, os prejuízos suportados pelo paciente devem decorrer da culpa quando da realização do tratamento odontológico, da identificação de imperícia, negligência ou imprudência, sendo auferido judicialmente, através de laudos periciais que, os tratamentos e os diagnósticos foram incorretos, bem como que, o profissional não agiu de acordo com os ditames legais.

Conforme disposto em linhas passadas, é aplicável a responsabilidade subjetiva, restando a responsabilização do dentista/clínica atrelada à eventual conduta culposa do profissional.

Desse modo, restando demonstrado que o profissional utilizou os métodos corretos, não há que se falar em culpa, tampouco em nexo de causalidade entre o ato e a lesão suportada, inexistindo o dever do dentista em reparar os danos sofridos pelo consumidor.

Diante desse quadro fático, deve o profissional sempre se resguardar e, por cautela, ratificar ao seu paciente os riscos do procedimento, bem como, a probabilidade de não obter sucesso, expondo de maneira clara e transparente as opções de tratamento e procedimentos.

Recentes publicações estatísticas demonstraram a existência de um aumento demasiado no número de denúncias e processos por reparação civil envolvendo dentistas e clínicas odontológicas. Estes dados nos conduzem a uma reflexão do tema, devendo ser relevado, mais do que nunca, que a responsabilidade civil do dentista (bem como de qualquer profissional liberal) é puramente subjetiva e que, muito importante nesta relação de consumo e de confiança é a informação – o diálogo e o esclarecimento entre as partes.

A adoção de algumas práticas preventivas pode trazer maior segurança ao profissional, afastando possíveis demandas administrativas ou judiciais, como é o caso, por exemplo, de uma postura mais rígida no momento do preenchimento do prontuário de atendimento do paciente, que servirá como meio de defesa.

Diante do acima alinhavado e perfilado aos princípios de defesa dos profissionais da área da saúde, o escritório ANA WINTER ADVOCACIA & ASSESSORIA JURÍDICA, promove os atos necessários à apuração do ilícito civil alardeado, bem como operacionaliza os atos destinados à eventual persecução criminal.

Por Ana Caroline Winter Magnabosco - Advogada (OAB/SC 48.389), Pós Graduanda em Direito Médico, Pós Graduanda em Direito e Processo do Trabalho, Áreas de atuação: Direito Trabalhista, Direito de Família, Direito Médico, Direito Civil, Contratual, Direito Empresarial e outros.

https://anacwinter.jusbrasil.com.br/noticias/459968553/e-possivel-responsabilizar-o-cirurgiao-dentista-pelos-maus-resultados-em-procedimentos?utm_campaign=newsletter-daily_20170519_5307&utm_medium=email&utm_source=newsletter