sexta-feira, 14 de julho de 2017

Contrato com advogado pode ser revogado unilateralmente e sem justificativa

Publicado por Kleber Madeira Advogado

Os integrantes da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), por unanimidade, seguiram o voto do relator, desembargador Norival Santomé, reformando parcialmente a sentença do juízo de Rio Verde. Os magistrados mantiveram o entendimento de que não houve ato ilícito na revogação de um contrato firmado entre três mulheres e um advogado da cidade e julgaram improcedentes as reconvenções formuladas pelas clientes que haviam o condenado ao pagamento de dano moral por supostas condutas desonrosas atribuídas a elas pelo causídico na petição inicial.

A sentença de primeiro grau havia julgado improcedentes os pedido de danos morais, articulados pelo advogado que teve contrato rescindido sem justificativa por parte de suas clientes. Ele ainda foi condenado a pagar indenização por danos morais, no valor R$ 8 mil, para cada uma delas, por ter dito que as requeridas armaram, contra ele, de forma sorrateira, um golpe maquiavélico. Inconformado, o advogado interpôs apelação cível aduzindo que as suas clientes alegaram falsamente quebra de confiança para motivar a rescisão do contrato. Disse que o ato teve o objetivo de esquivar o pagamento de valores que lhe seriam devidos a título de honorários e custas despendidas por sua conta. Ao final, alegou que houve conluio entre as requeridas e a nova advogada constituída, ferindo sua honra subjetiva e objetiva, causando-lhe grande violação à dignidade.

Meros Dissabores

O desembargador disse que não é necessário justificar a revogação do contrato com advogado. "O mandante poderá revogar total ou parcialmente o mandato, se não mais tiver interesse no negócio ou se cessar a confiança depositada no procurador. E por se basear em uma relação de confiança mútua, a revogação do mandato consiste em um exercício regular de um direito pelo mandante, não precisando de justificativas para exercê-lo, bastando que a base dessa relação deixe de existir, admitindo-se a resilição unilateral", afirmou.

Norival Santomé informou, ainda, que as clientes emitiram notificação informando ao advogado sobre a revogação de sua procuração, não existindo má-fé ou excesso por parte das apeladas, inexistindo conduta capaz de atentar contra a honra do apelante. Explicou que não procede a alegação de existência de conluio entre suas clientes e a nova advogada, uma vez que, na petição colacionada, as requeridas não negam a existência de valores devidos a ele, além de que o autor pode ter seus honorários cobrados por outros meios legais. Dessa forma, disse que os constrangimentos não passaram de meros dissabores, não adentrando a esfera de atos ilícitos capazes de gerar danos morais.

Danos Morais

Da mesma forma, o desembargador disse que não houve motivos para condenar o advogado a pagar indenização às clientes por ter dito na petição inicial que foi vítima de um golpe maquiavélico, armado sorrateiramente. Entendeu que as expressões utilizadas pelo advogado possuem mais o intuito de desabafo, de parte insatisfeita com os rumos do processo, do que com o propósito de ofender a honra das requeridas, afastando a condenação do pagamento de R$ 8 mil, para cada, a título de danos morais.

"Assim, tem-se que, de fato, não restou configurada a ocorrência de nenhum ato ilícito de responsabilidade do autor, a justificar o pedido de indenização por danos morais, porquanto, embora carregadas de certo destempero verbal, a causa de pedir da ação principal consiste em imputar às requeridas conduta que supostamente culminaria na reparação civil ao autor e portanto dentro do contexto de tentar trazer a verdade dos fatos, considerando o momento que se dera a revogação de seu mandato, após longo período representando as demandadas em diversas ações judiciais", concluiu Norival Santomé. Votaram com o relator, a desembargadora Sandra Regina Teodoro Reis e o desembargador Jeová Sardinha de Moraes. Veja a decisão.

Fonte: TJGO


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Direito real de laje: finalmente, a lei!

A Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017, dentre várias providências, disciplinou, em definitivo, o direito real de laje, que, até então, era objeto da Medida Provisória nº 759, de 22 de dezembro de 2016.

Cuidaremos, aqui, de passar em revista alguns dos dispositivos do Código Civil que sofreram alterações na sua redação ou foram inseridos no código pela nova lei[1] e, ao final, sempre com os olhos postos nesse recém-nascido direito real, faremos uma breve incursão na Lei de Registros Públicos e no Código de Processo Civil, que também sofreram efeitos decorrentes do novo diploma legal.

O nosso propósito é a elaboração de uma simples resenha, precisa e objetiva, consistente em breves comentários, cotejando-se, quando possível e necessário, a norma anterior com a atual.

Analisemos, pois, algumas importantes novidades.

1. ART. 1.225 DO CÓDIGO CIVIL.


“Art. 1.225. (...).
XII - a concessão de direito real de uso; e
XIII - a laje.”

Os direitos reais, diferentemente dos pessoais ou obrigacionais (a exemplo de um direito de crédito), não podem derivar, direta e exclusivamente, da manifestação volitiva das partes, uma vez que, dentre as suas características, destaca-se a legalidade.

E foi exatamente em respeito a essa característica que a Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017, alterou o texto do art. 1.225 do Código Civil, que apresenta o rol dos direitos reais, para acrescentar, em seu inciso XIII, o direito sobre a laje.

Imaginemos, a título meramente ilustrativo, o sujeito que constrói um segundo andar em sua casa, e, em seguida, transfere o direito sobre o mesmo, mediante pagamento, para um terceiro, que passa a morar, com a sua família, nessa unidade autônoma.

Não se tratando, em verdade, de transferência de “propriedade" - que abrangeria, obviamente, o solo -, este terceiro passa a exercer direito apenas sobre o que se encontra acima da superfície superior da construção original, ou seja, sobre a laje.

O mesmo ocorreria se a transferência, mediante pagamento, tivesse por objeto um pavimento construído abaixo do piso da casa, o que é muito comum acontecer em terrenos inclinados: o terceiro passaria a exercer direito apenas sobre o que se encontra abaixo da superfície inferior da construção original.

Trata-se, portanto, de um direito real sobre coisa alheia - com amplitude considerável, mas que com a propriedade não se confunde -, limitado à unidade imobiliária autônoma erigida acima da superfície superior ou abaixo da superfície inferior de uma construção original de propriedade de outrem.

Com justiça, o excelente FLAVIO TARTUCE[2] adverte que o tema já havia sido enfrentado, em doutrina, por grandes autores brasileiros, a exemplo de RODRIGO MAZZEI e RICARDO PEREIRA LIRA.

2. ART. 1.510-A, “CAPUT”, DO CÓDIGO CIVIL.

"Art. 1.510-A. O proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo”.

Houve, aqui, manifesto aprimoramento, em relação ao texto da Medida Provisória nº 759, de 22 de dezembro de 2016.

Efetivamente, do texto anterior, que não era preciso, extraía-se a definição do direito de laje como uma “possibilidade de coexistência”.

Com efeito, não se afigura adequado conceituar um direito real como uma “possibilidade”.

Nesse sentido, com razão, já disparava uma flecha crítica OTAVIO LUIZ RODRIGUES JR.:

"Especificamente quanto ao Código Civil, o artigo 25 da MP 759, de 2016, alterou a redação do artigo 1.225 do código, ao incluir o inciso XIII, que institui a ‘laje’ como novo direito real. A laje é definida no novo artigo 1.510-A, de um modo extremamente atécnico. A laje é um direito real que ‘consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo’. Um direito que é uma possibilidade! Trata-se de uma nova categoria, a qual se recomenda ao estudo nos cursos de Filosofia"[3].

Note-se, ainda, que o legislador admitiu, expressamente, que este direito poderá ser constituído acima ou abaixo do imóvel, denominado de “construção-base”.

Poderá, pois, haver, a constituição da laje acima da superfície superior ou abaixo da superfície inferior da construção-base, o que vai ao encontro da função social.

3. ART. 1.510-A, §§ 3º E 4º, DO CÓDIGO CIVIL.

"§ 3º Os titulares da laje, unidade imobiliária autônoma constituída em matrícula própria, poderão dela usar, gozar e dispor.

§ 4º, "A instituição do direito real de laje não implica a atribuição de fração ideal de terreno ao titular da laje ou a participação proporcional em áreas já edificadas"

O texto do § 3º permite estabelecer uma dianose diferencial entre o direito de propriedade e o direito real de laje.

Observe-se que, assim como se dá com a superfície - e anteriormente com a enfiteuse - o direito de laje é de ampla dimensão, compreendendo quase todos os poderes inerentes à propriedade, como usar, gozar e dispor.

Mas não poderá, o titular da laje, pretender “reivindicar” o imóvel ou exercer direito de sequela, eis que tais poderes emanam apenas do direito de propriedade.

Com isso, por óbvio, não se pode concluir que esteja, o titular da laje, impedido de lançar mão de interditos possessórios.

Outra diferença para a propriedade, especialmente na modalidade de condomínio, é que não há, na laje, direito projetado sobre "áreas comuns”, como jardim e quintal.

É o que se depreende do enunciado do § 4º: "A instituição do direito real de laje não implica a atribuição de fração ideal de terreno ao titular da laje ou participação proporcional em áreas já edificadas".

Vale salientar ainda que o novo diploma não faz menção, para a caracterização da laje, aos requisitos “isolamento funcional e acesso independente”, como estava previsto na Medida Provisória nº 759, de 22 de dezembro de 2016.

Compreendemos não se exigir mais a exclusividade de acesso, pois, em inúmeros casos, mormente em áreas economicamente menos desenvolvidas, a via de acesso é, comumente, compartilhada.

Todavia, o direito de laje pressupõe, em nosso sentir, em perspectiva funcional, que a unidade esteja isolada da construção original e das eventuais lajes sucessivas, configurando uma célula habitacional distinta, sob pena de se caracterizar como uma mera extensão da propriedade existente.

4. ART. 1.510-A, § 6º, DO CÓDIGO CIVIL.

“§ 6º O titular da laje poderá ceder a superfície de sua construção para a instituição de um sucessivo direito real de laje, desde que haja autorização expressa dos titulares da construção-base e das demais lajes, respeitadas as posturas edilícias e urbanísticas vigentes.”

Aparentemente, a norma que se extrai desse texto pôs por terra a restrição prevista na Medida Provisória nº 759, de 22 de dezembro de 2016, que impedia “sobrelevações sucessivas”.

PABLO STOLZE, em estudo sobre o tema, já tecia considerações críticas a respeito da restrição então imposta:

"Além disso, dada a autonomia registral que lhe foi conferida, o § 5º da MP admitiu ainda a alienação da laje: ‘as unidades autônomas constituídas em matrícula própria poderão ser alienadas e gravadas livremente por seus titulares, não podendo o adquirente instituir sobrelevações sucessivas, observadas as posturas previstas em legislação local’.

Um ponto, aqui, nos despertou atenção.

Temos certa dúvida quanto ao alcance e constitucionalidade deste dispositivo, na perspectiva do princípio da função social, no que tange à vedação de extensões ou lajes sucessivas.

Uma vez que o legislador cuidou de conceder dignidade legal ao direito sobre a laje, desde que as limitações administrativas e o Plano Diretor sejam respeitados, sobrelevações sucessivas, regularmente edificadas, mereceriam, talvez, o amparo da norma.

Fica o convite à reflexão”[4].

Com isso, serão legitimadas inúmeras situações, existentes nas cidades brasileiras, em que lajes sucessivas foram edificadas ao longo do tempo, umas sobre as outras.

Andou bem, aqui, o legislador.

5. ART. 1.510-C DO CÓDIGO CIVIL.


"Art. 1.510-C. Sem prejuízo, no que couber, das normas aplicáveis aos condomínios edilícios, para fins do direto real de laje, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes que sirvam a todo o edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum serão partilhadas entre o proprietário da construção-base e o titular da laje, na proporção que venha a ser estipulada em contrato:

§ 1º São partes que servem a todo o edifício:
I - os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituam a estrutura do prédio;
II - o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso exclusivo do titular da laje;
III - as instalações gerais de água, esgoto, eletricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes que sirvam a todo o edifício; e
IV - em geral, as coisas que sejam afetadas ao uso de todo o edifício.

§ 2º É assegurado, em qualquer caso, o direito de qualquer interessado em promover reparações urgentes na construção na forma do parágrafo único do art. 249 deste Código".

Não havia dispositivo semelhante na Medida Provisória nº 759, de 22 de dezembro de 2016.

Em verdade, posto a laje não se confunda com o regime de condomínio, certas normas, de fato, lhe são aplicáveis, na medida em que o concedente e o beneficiário compartilharão uma mesma estrutura física básica.

Note-se que o texto normativo faz referência ao “contrato”, que de fato, deve ser o fato constitutivo mais comum da laje.

Mas nada impede que o direito seja adquirido por meio da usucapião, como anotou PABLO STOLZE: "Por fim, interessante serão os reflexos do novo regramento no Direito de Família, na medida em que não é incomum o titular da construção original ceder a unidade sobrelevada a um parente, que passa a exercer direito sobre a unidade autônoma.

Dependendo da circunstância, poderá, até mesmo, operar-se a aquisição do direito real de laje por usucapião, observados os requisitos legais da prescrição aquisitiva.

E mesmo que a cessão seja gratuita, a título de comodato, se o cessionário passa a se comportar como titular exclusivo da laje, alterando o seu ‘animus’ e a própria natureza da posse precária até então exercida, poderá, em nosso sentir, consolidar o seu direto sobre a construção sobrelevada (direito real de laje), mediante usucapião, contando-se o prazo de prescrição a partir do momento em que deixa de se comportar como simples comodatário, por aplicação da regra da 'interversio possessionis’[5]."

Nessa linha, caso o contrato seja omisso quanto à proporção da despesa ou, como dito, o direito real haja se constituído por usucapião, caberá ao juiz, não havendo composição extrajudicial, fixar o valor a ser pago por cada um dos sujeitos.

Finalmente, no que toca ao art. 249 do Código Civil, mencionado no § 2º supra, escrevem PABLO STOLZE e RODOLFO PAMPLONA FILHO: "Atento a isso, o Código Civil admite a possibilidade de o fato ser executado por terceiro, havendo recusa ou mora do devedor, nos termos do seu art. 249:
'Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível.

Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido'.

Comentando esse dispositivo, concernente às obrigações fungíveis, SILVIO VENOSA pontifica:

'É interessante notar que, no parágrafo único, a novel lei introduz a possibilidade de procedimento de justiça de mão própria, no que andou muito bem. Imagine-se a hipótese de contratação de empresa para fazer a laje de concreto de um prédio, procedimento que requer tempo e época precisos. Caracterizada a recusa e a mora, bem como a urgência, aguardar uma decisão judicial, ainda que liminar, no caso concreto, poderá causar prejuízo de difícil reparação'.

Assim, poderá o credor, independentemente de autorização judicial, contratar terceiro para executar a tarefa, pleiteando, depois, a devida indenização, o que, se já era possível ser admitido no sistema anterior por construção doutrinária, agora se torna norma expressa”[6].

6. ART. 176 DA LEI Nº 6.015, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1973 (LEI DE REGISTROS PÚBLICOS - LRP).

“Art. 176. (…)
§ 9º A instituição do direito real de laje ocorrerá por meio da abertura de uma matrícula própria no registro de imóveis e por meio da averbação desse fato na matrícula da construção-base e nas matrículas de lajes anteriores, com remissão recíproca.” (NR)

Quanto à referência a matrícula, contida no texto do § 9º, vimos, linhas acima, que, de acordo com o enunciado do § 3º do art. 1.510-A, do Código Civil, deverá ser aberta uma matrícula própria para o direito real de laje.

A matrícula, em linhas gerais, consiste no primeiro número de registro do imóvel, a sua “numeração de registro original”.

Cada nova alienação receberá, por sua vez, novo número de registro, mantendo-se a matrícula original.

Já no que toca à alusão a averbação, lembra CARLOS ROBERTO GONÇALVES, "é qualquer anotação feita à margem de um registro, para indicar as alterações ocorridas no imóvel, seja quanto a sua situação física (edificação de uma casa, mudança de nome de rua) seja quanto à situação jurídica do seu proprietário (mudança de solteiro para casado, p. ex.)”[7].

Nessa linha, o novo § 9º do art. 176 da LRP está em perfeita consonância com o sistema do Código Civil, explicitando, inclusive, a necessidade "da averbação desse fato na matrícula da construção-base e nas matrículas de lajes anteriores, com remissão recíproca”, previsão que não estava contida na Medida Provisória anteriormente em vigor.

7. ART. 799 DO CPC.

“Art. 799 (…)
X – requerer a intimação do titular da construção-base, além, se for o caso, do titular de lajes anteriores, quando a penhora recair sobre o direito real de laje.
XI – requerer a intimação do titular das lajes, quando a penhora recair sobre a construção-base.” (NR)

No que se refere ao impactos da disciplina do direito real de laje no âmbito processual, houve, infelizmente, inexplicável falha na atuação legislativa.

Com efeito, ao constatar que as alterações no texto do CPC se limitaram ao enunciado do art. 799, o intérprete pode ter a equivocada impressão de que a mudança teria se restringido ao acréscimo de mais duas situações em que há necessidade de intimação de terceiros a respeito da ocorrência da penhora.

Sucede que o art. 799 do CPC integra, em verdade, um conjunto de dispositivos do qual se extrai um significativo complexo de normas voltadas para a proteção dos interesses de terceiros. Esse conjunto é integrado também pelos arts. 804 e 889 do próprio CPC e os elencos de terceiros constantes em tais dispositivos, malgrado amplo, não é exaustivo.

Por meio do complexo normativo extraível dos mencionados dispositivos estabelece-se um quadro de cuidados a serem adotados quando a penhora recai sobre bens que, de algum modo, sofrem reflexos de uma eventual relação jurídica mantida entre um terceiro e o executado.

Assim, por exemplo, se a penhora recair sobre um bem gravado por hipoteca, o credor hipotecário deve ser intimado da penhora (CPC, art. 799, I) e cientificado, com pelo menos cinco dias úteis de antecedência, a respeito da data marcada para início do leilão (CPC, art. 889, V), caso contrário o ato de alienação será ineficaz em relação a ele (CPC, art. 804, caput).

Situação similar ocorre com todos os terceiros mencionados nos três dispositivos, o que conduz o intérprete à clara – e correta – conclusão de que o mesmo elenco de terceiros que devem ser intimados da ocorrência da penhora (CPC, art. 799), também deve ser cientificado a respeito da data designada para início do leilão (CPC, art. 889) e goza da proteção da norma segundo a qual, havendo alienação do bem sem que os mencionados atos de comunicação tenham sido praticados, a alienação será, quanto ao terceiro, ineficaz.

É por isso que falhou o legislador: os acréscimos feitos no texto do art. 799 deveriam também ser realizados nos enunciados dos arts. 804 e 889. Não o foram, porém, o que é lamentável.

À vista do equívoco cometido, deve o intérprete, portanto, ficar atento e, sempre que se deparar com situações fáticas decorrentes da existência de relação jurídica de direito material entre o executado e terceiro, com algum tipo de reflexo, mesmo indireto, sobre o bem penhorado, lembrar-se de que os elencos mencionados nos arts. 799, 804 e 889, além de não serem exaustivos, comunicam-se entre si.

Diante de todo o exposto, não se pode negar que, comparativamente com o que constava na Medida Provisória nº 759, de 22 de dezembro de 2016, a nova Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017, promoveu evidente aperfeiçoamento na disciplina do direito real de laje, embora o legislador, especialmente no âmbito processual, houvesse perdido a oportunidade de tornar o nosso sistema mais preciso e equilibrado.

REFERÊNCIAS

1. GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO. Manual de Direito Civil. São Paulo: Saraiva. 2017.
2. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro - Direito das Coisas - Vol. 5. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
3. RODRIGUES JR., Otávio Luiz. Um Ano Longo Demais e os seus Impactos no Direito Civil Contemporâneo, disponível no: http://www.conjur.com.br/2016-dez-26/retrospectiva-2016-ano-longo-impactos-direito-civil-contemporaneo acessado em 12 de julho de 2017.
4. STOLZE, Pablo. Direito real de laje: primeiras impressões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4936, 5 jan. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/54931>.
5. TARTUCE, Flávio. Medida Provisória Introduz o Direito Real de Laje no Código Civil: http://professorflaviotartuce.blogspot.com.br/2016/12/medida-provisoria-introduz-o-direito.html.

NOTAS
[1] O talentoso amigo e civilista FLÁVIO TARTUCE, em seu blog, passa em revista, didaticamente, as alterações provenientes da nova Lei: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/noticias/477452385/resumo-das-principais-alteracoes-da-lei-13465-de-julho-de-2017-impactos-para-o-direito-das-coisas
[2] TARTUCE, Flávio. Medida Provisória Introduz o Direito Real de Laje no Código Civil: http://professorflaviotartuce.blogspot.com.br/2016/12/medida-provisoria-introduz-o-direito.html
[3] RODRIGUES JR., Otávio Luiz. Um Ano Longo Demais e os seus Impactos no Direito Civil Contemporâneo, disponível no: http://www.conjur.com.br/2016-dez-26/retrospectiva-2016-ano-longo-impactos-direito-civil-contemporaneo acessado em 12 de julho de 2017.
[4] STOLZE, Pablo. Direito real de laje: primeiras impressões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4936, 5 jan. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/54931>. Acesso em: 12 jul. 2017.
[5] STOLZE, Pablo, texto citado.
[6] GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO. Manual de Direito Civil. São Paulo: Saraiva. 20-17, pág. 236.
[7] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro - Direito das Coisas - Vol. 5. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2016, pág. 309.


STOLZE, Pablo; VIANA, Salomão. Direito real de laje: finalmente, a lei!. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5125,13 jul. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/59131>. Acesso em: 14 jul. 2017.

Pessoa jurídica e direitos de personalidade (parte 1)

Por Elimar Szaniawski

1. Introdução
O Código Civil de 2002, no artigo 52, consolidou no Direito brasileiro a categoria do direito geral de personalidade da pessoa jurídica, albergando doutrina vanguardista que vinha se afirmando entre nós, desde meados do século XX.

A ideia de a pessoa jurídica ser merecedora de tutela, diante da prática de atentados contra sua personalidade por terceira pessoa, natural ou jurídica, que pratique danos ao seu nome, à sua honra objetiva e à sua imagem, não é recente. Os tribunais há algum tempo vêm reconhecendo às pessoas jurídicas a possibilidade de serem vítimas de lesão por danos morais quando o atentado à sua personalidade resultar em repercussão social. A reiterada jurisprudência dos tribunais inferiores levada ao conhecimento do Superior Tribunal de Justiça resultou na prolação da Súmula 227[1], a qual expressamente declara que “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.

Embora tardiamente, o legislador civil contemplou o Código Civil brasileiro com um dispositivo legal destinado a tutelar a personalidade da pessoa jurídica de modo análogo ao empregado na proteção dos direitos de personalidade da pessoa natural, respeitadas as peculiaridades da categoria, alinhando-se ao atual entendimento da jurisprudência e com o pensar da mais abalizada doutrina brasileira.

No entanto, decorridos pouco mais de quatro anos de vigência do novo Código Civil, foi publicado em 2006 o Enunciado 286, do CEJ, oriundo das conclusões da IVª Jornada de Direito Civil, o qual, surpreendentemente, em total desacordo com a legislação civil, com a jurisprudência e com a doutrina, nega a titularidade dos direitos de personalidade às pessoas jurídicas, causando, consequentemente, perplexidade à comunidade jurídica brasileira[2].

A disposição contida no Enunciado 286, do CEJ, que nega ser a pessoa jurídica possuidora de um direito geral de personalidade, colide frontalmente com o mandamento disposto no artigo 52, do Código Civil.

O tema do direito geral de personalidade da pessoa jurídica é merecedor de um amplo estudo autônomo, diante de sua complexidade. No entanto, tendo em vista o inusitado surgimento do Enunciado 286, do CEJ, cujo conteúdo vem sendo repetido por pessoas menos avisadas como sendo uma afirmação juridicamente verdadeira, entendemos ser necessário fazermos algumas considerações sobre o direito geral de personalidade da pessoa jurídica, disciplinado no artigo 52, do Código Civil.

Do confronto analítico do citado artigo 52 com o Enunciado 286, surgem duas indagações: a) consiste o conteúdo do Enunciado 286 em um equívoco por parte de seus elaboradores? b) ou seria o conteúdo do Enunciado 286 um retrocesso no Direito brasileiro?

Para uma resposta adequada às indagações, necessário será a realização de reflexões sobre a noção de pessoa jurídica e dos direitos de personalidade dessa pessoa. As reflexões partirão da análise do tema sob três enfoques.

O primeiro enfoque exige a análise da controvérsia segundo uma visão histórica da tutela da personalidade.

O segundo passo consistirá na análise da tutela da personalidade e da teoria dos direitos da personalidade a partir do ponto de vista doutrinário.

O terceiro aspecto versará no exame da tutela da personalidade e dos direitos da personalidade a partir da jurisprudência que consolidou o direito geral de personalidade no direito pátrio.

Para melhor compreensão da existência e da tutela dos direitos de personalidade da pessoa jurídica, será necessário fazer um estudo comparado com a tutela dos direitos de personalidade da pessoa natural.

Passaremos, a seguir, a analisar a proteção dos direitos de personalidade segundo a evolução histórica.

2. A tutela da personalidade segundo sua visão histórica
O ponto de partida para o estudo da tutela do direito geral de personalidade da pessoa jurídica exige a análise da proteção dos direitos de personalidade da pessoa natural pelo decurso da história, desde a antiguidade grega e romana até a modernidade, períodos em que não se conhecia a noção de dignidade da pessoa humana.

A História do Direito mostra que a tutela da personalidade humana surgiu e se desenvolveu independentemente da noção de dignidade da pessoa humana, a qual consiste em um conceito moderno elaborado por Kant nos idos de 1785[3].

A proteção da personalidade de uma pessoa era exercida na Grécia antiga mediante a hybris e as aixias, categorias jurídicas específicas para coibir a prática de atos de injúria e de sevícia[4]. A tutela dos direitos de personalidade no mundo antigo, porém, dava-se por intermédio de manifestações isoladas, não se conhecendo um sistema jurídico de tutela da personalidade.

Em Roma, a proteção da personalidade era assegurada por meio da actio iniuriarum, nos casos em que a vítima sofresse injúria[5]. Inicialmente, a actio iniuriarum se destinava para tutela contra as ofensas cometidas à vida e à integridade física do indivíduo. A jurisprudência pretoriana ampliou o âmbito da proteção jurídica da personalidade mediante a proteção da liberdade e da honra das pessoas. A Lex Cornelia, promulgada em 81 a.C, veio a proteger o domicílio contra a sua violação, e a Lex Aquilia outorgava o direito de ação destinado a tutelar a integridade física das pessoas[6].

Na Alta Idade Média, desenvolveu-se entre os francos a noção de segredo familiar e a prática da defesa da honra da mulher, principalmente das viúvas, solteiras e repudiadas. O direito ao segredo familiar permitiu o desenvolvimento da categoria do accouchement sous X, categoria conhecida na atualidade por parto anônimo[7]. Nessa mesma época, surgiu entre os povos visigóticos que habitavam o território que corresponde atualmente à Alemanha e à Áustria o direito de todo filho nascido de pai ou de mãe desconhecidos de vir a conhecer sua ascendência biológica, consolidando a noção de direito à identidade familiar. Essa categoria consistia no atual direito da pessoa ao conhecimento de sua própria origem genética e familiar[8].

Mais tarde, na passagem do século XVI ao século XVII, surgiu a necessidade da proteção da imagem da pessoa que sofria violações mediante a confecção de retratos e caricaturas que denegriam o indivíduo, surgindo as primeiras noções da existência e da tutela do ius imaginis, que se desvinculava, aos poucos, do direito à honra[9].

Constata-se, assim, que o reconhecimento jurídico das diversas manifestações ou atributos da personalidade e a proteção desses contra atentados praticados por terceiros foram sendo construídos no decorrer dos séculos, desde a antiguidade até o século XIX, por intermédio da interposição da actio iniurarium e pela aplicação do Direito Consuetudinário. Durante esse longo período da história da humanidade, embora fossem reconhecidos e protegidos diversos atributos da personalidade, esses não se vinculavam à noção de dignidade da pessoa humana pelo fato de essa categoria, ainda, não ser reconhecida como um atributo inerente à personalidade humana, segundo a concepção kantiana.

O fato de o Direito não reconhecer o postulado da dignidade da pessoa como um atributo da personalidade por quase dois milênios não impediu o prestígio dos direitos de personalidade, nem sua proteção por meio de ações específicas. A proteção dos direitos de personalidade ocorria independentemente do conceito de dignidade como atributo da personalidade.

A simples análise da evolução histórica da tutela dos direitos de personalidade demonstra que a assertiva trazida pelo Enunciado 286, do CJF, no sentido de serem os direitos de personalidade direitos inerentes e essenciais à pessoa humana, decorrentes de sua dignidade, não sendo, por essa razão, as pessoas jurídicas titulares de tais direitos, constitui-se em um grande equívoco.

3. A tutela da personalidade segundo o ponto de vista doutrinário
Pessoa jurídica é um ente artificialmente criado mediante reunião de pessoas ou de bens que, cumprindo determinados pressupostos, adquire personalidade jurídica por atribuição legal. “É um conjunto de pessoas ou de bens, dotado de personalidade jurídica.”[10]

A pessoa jurídica não encontrou os ecos da unanimidade no tocante à formulação de seu conceito e de sua natureza, devido à diversidade de aspectos que sua conceituação pode envolver. O conceito de pessoa jurídica pode ser elaborado segundo uma visão econômica, sob um ponto de vista político ou de acordo com a ótica jurídica, gerando, consequentemente, um conceito econômico, político ou jurídico de pessoa jurídica[11].

O enfoque jurídico da categoria, que diretamente nos interessa, foi igualmente objeto de muitas elocubrações, constituindo diversas teorias que procuram explicar o fenômeno da pessoa jurídica e fixar seu conceito.

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Na coluna da próxima semana, será abordado o conceito de pessoa jurídica em Lamartine Corrêa de Oliveira como suporte teórico para a crítica ao Enunciado 286 do CJF — IV Jornada de Direito Civil.
*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFBA e UFMT).

[1] STJ, Súmula 227 – 8/9/1999 – DJ 20/10/1999. “Pessoa Jurídica - Dano Moral. A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.
[2] IVª Jornada de Direito Civil. Enunciado 286. Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. In http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IVJornada.pdf. Consultado em 12/5/2014.
Enunciado 286 do CEJ: “Art. 52. Os direitos da personalidade são direitos inerentes e essenciais à pessoa humana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares de tais direitos”.
[3] Atribui-se a Immanuel Kant elaboração da noção de dignidade da pessoa humana. Kant, em sua obra Grundlegung zur Metaphysik der Sitten, sustenta que a pessoa natural possui “um fim em si mesma”, e não um valor como meio para outros. Afirma Kant que: “No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”.
[4] SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua Tutela. S. Paulo. RT. 2005, p. 23.
[5] MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo I, S. Paulo. RT, 1977, p. 38.
[6] SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua Tutela. Op. cit., p. 31-32.
[7] SZANIAWSKI, Elimar. Considerações sobre o Direito à Intimidade das Pessoas Jurídicas, RT, v. 657, ps. 25-31. 1990, p. 43.
[8] SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua Tutela... p. 45.
[9] SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua Tutela... p. 38.
[10] AMARAL, Francisco. A parte geral do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 263.
[11] MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo I, S. Paulo. RT, 1977, p. 283.


Elimar Szaniawski é advogado, professor titular de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná e doutor em Direito pela mesma instituição.

Revista Consultor Jurídico, 10 de julho de 2017, 12h51
http://www.conjur.com.br/2017-jul-10/pessoa-juridica-direitos-personalidade-parte

Pessoas com mais de 80 anos terão prioridade sobre outros idosos

A partir de agora, pessoas com mais de 80 anos terão preferência no atendimento em relação aos demais idosos. A mudança no Estatuto do Idoso que estabelece essa prioridade especial — Lei 13.466/2017 — foi sancionada pelo presidente Michel Temer (PMDB) nesta quarta-feira (12/7).

Lei 10.741/2003 considera idosas pessoas a partir de 60 anos. O projeto saiu do Senado no dia 21 de junho e seguiu para sanção presidencial.
Uma das mudanças envolve diretamente a Justiça. O parágrafo 5º do artigo 71 define que, "dentre os processos de idosos, dar-se-á prioridade especial aos maiores de oitenta anos".
Além disso, houve a inserção do parágrafo 2º no artigo 3º: "Dentre os idosos, é assegurada prioridade especial aos maiores de oitenta anos, atendendo-se suas necessidades sempre preferencialmente em relação aos demais idosos".
Outra alteração, exclusiva para a saúde, foi feita no artigo 15, que passa a ter o parágrafo 7º: “Em todo os atendimentos de saúde, os maiores de 80 anos terão preferência especial sobre os demais idosos, exceto em caso de emergência”.
Revista Consultor Jurídico, 13 de julho de 2017, 12h53
http://www.conjur.com.br/2017-jul-13/pessoas-80-anos-terao-prioridade-outros-idosos