Publicado por Pedro Henrique S. Pinto
Desde o princípio a sociedade em geral teve a concepção e ensinamentos quase inalterados sobre casamento, dado o seu viés costumeiro, religioso, “sagrado”, vindo de gerações pretéritas com ares da era patriarcal, porém, com o passar dos anos e a modernidade com que a sociedade teve de se adaptar aos poucos, podemos depreender as dificuldades na adequação que o Direito passou até hoje, para que possamos estudar as novas evoluções da sociedade em todos os sentidos, por assim dizer.
O escopo deste texto não é o casamento, mas sim, Separação Judicial. Que é v.g. uma das formas da dissolução da sociedade conjugal (Casamento), onde não rompe o vínculo matrimonial, isto é, nenhum dos consortes até o divórcio consumado, poderá contrair novas núpcias. É, portanto, uma medida preparatória da Ação do Divórcio, ainda vigente no Ordenamento Jurídico Brasileiro, “como uma esperança de reconciliação e o retorno do ex-cônjuge à sociedade conjugal antes havida entre ambos”, se assim podemos definir, sem mais burocracias jurídicas, esperando não haver, afinal, o divórcio.
Bem antes do ano de 1977, marco do Divórcio, com a promulgação da Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio), o Brasil pairava na vigência de um Código Civilconservador do ano de 1916, que preconizava que o vínculo conjugal somente se dissolvia, pela morte (art. 315, parágrafo único, do Código de 1916).
Isso porque a Constituição vigente à época, bem como todas as anteriores, por serem da era patriarcal, conservadora, trazia em seu bojo os dogmas do paterinstituto romano da concepção do poder paterno e, consagrava veementemente a indissolubilidade do casamento por ser questão de honra e retidão familiar.
Admitia-se, muito dificilmente, e isso em via de muitas achincalhações e vergonha para a família da mulher (por óbvio) o rompimento da sociedade conjugal, com a manutenção do vínculo, o que era possível por meio do desquite (art. 315, III, do Código Civil de 1916), em que as mulheres eram “taxadas” como desquitadas (isso quando não eram consideradas meretrizes).
Com o desquite, autorizava-se a separação dos cônjuges, e se extinguia o regime de bens (art. 322). Porém, os cônjuges permaneciam casados, todavia, poderiam se relacionar com outras pessoas sem que isso caracterizasse o crime de adultério, mas, não podiam casar novamente.
Com o advento da EC nº 09/1977, introduziu-se em nosso ordenamento a possibilidade da dissolução do casamento pelo divórcio, (condicionado à prévia separação do casal – separação judicial). Com a então vigente Lei 6.515/1977 (Lei do Divórcio). Imperioso destacar aqui, que a separação judicial manteve o mesmo conteúdo que antes tinha o “desquite”.
Pois bem, no fim dos anos 80, com a promulgação da Constituição Federal“Cidadã” de 1988, com seus direitos e deveres “inovadores” para todas as esferas, inclusive no tocante ao divórcio, este instituto passou a contar com dois “pré-requisitos” por assim dizer, um deles é a necessidade da separação judicial com a duração de 01 (um) ano para que pudesse haver a então ação de divórcio. Ou, a separação de fato que deveria durar 02 (dois) anos (agora, como conseguia provar essa separação por 02 anos? difícil.), então o casal poderia dar início ao processo de divórcio, tudo como definia o § 6º do art. 226 da Constituição, isso, por mais de 20 anos, trazendo imenso sufoco para quem pretendia se divorciar, tanto pelo dispêndio em processo de separação judicial e em seguida o processo de divórcio, quanto para provar que a separação fora dada ao período de 02 (dois) anos.
Foi então que em 13 de julho de 2010, após quase um século de verdadeira humilhação, surgiu a EC nº 66, que alterou completamente o tema da dissolução da sociedade e do vínculo conjugal. A partir da emenda, o § 6º do art. 226 da Constituição passou a ter a seguinte redação: “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. (apenas)
É óbvio que a partir de então a doutrina civilista viria a se divergir em correntes, os que defendem que a EC nº 66 aboliu a separação judicial, e os que acreditam que mesmo com a EC nº 66, não necessariamente aboliu a separação judicial deixando-a apenas a critério do casal, ademais, os Códigos devem ser interpretados a diversas maneiras, afinal, os operadores do direito são formadores de opiniões.
O Mestre Elpídio Donizetti, num recente artigo publicado no Site Gen Jurídico, demonstrou que a partir de 2010, o divórcio deixou de depender de prévia separação judicial ou de fato, admitindo-se, então que seja imediato (e atemporal). Isso não significa, no entanto, que o casal não possa optar, antes de pedir o divórcio, pela separação judicial (opção que não é muito viável por óbvio). Em conclusão, agora pelo Código Civil de 2002, a sociedade conjugal termina (art. 1.571): com a morte de um dos cônjuges; com a declaração de nulidade ou anulação do casamento; com a separação judicial; com o divórcio.
O novo art. 693 do CPC/2015 inclui a separação contenciosa como “ação de família”, contrariando o posicionamento doutrinário no sentido de que a EC nº 66 teria acabado com esse instituto. Com a nova redação resta clara a possibilidade de opção entre o desfazimento imediato do vínculo matrimonial por meio do divórcio e a ultimação apenas da sociedade conjugal por meio da separação judicial (ficando a critério do casal, caso tenham a intenção de reatarem o casamento posteriormente). (DONIZETTI, 2016)
O Mestre Carlos Roberto Gonçalves, manteve ensinando, pouco depois da EC nº 66, em suas doutrinas civilistas do Direito de Família, salientando ainda mais que esta modalidade de dissolução da sociedade conjugal ainda permanece viva com a nova emenda:
“a separação judicial, embora coloque termo à sociedade conjugal, mantém intacto o vínculo matrimonial, impedindo os cônjuges de contrair novas núpcias” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família.7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 6, p. 201).
No mesmo sentido, a Mestra Maria Helena Diniz ressalta:
“A separação judicial é causa de dissolução da sociedade conjugal, não rompendo o vínculo matrimonial, de maneira que nenhum dos consortes poderá convolar novas núpcias. (...). A separação judicial é uma medida preparatória da ação do divórcio, (...).” (DINIZ, Maria Helena. Curso de Deito Civil Brasileiro: direito de família. 23ª ed. rev. atual. e ampl. de acordo com a reforma do Código de Processo Civil e com o Projeto de Lei 276/2007. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 282 e 283).
O Mestre Elpídio Donizetti, complementou ainda, que os preceitos do Código Civil devem ser equiparados com o novo texto da EC nº 66, para evitar o que chamou de “contradições não toleráveis” (em relação ao que falo ao norte sobre as correntes doutrinárias). Seja na separação judicial (litigiosa ou consensual), seja na extrajudicial, é salutar para o texto aqui tratado que deve-se levar em consideração que não mais persiste o requisito temporal de um ano de casamento para o pedido de separação judicial por mútuo consentimento. Ora, se o divórcio pode ser requerido de imediato (a qualquer tempo, inclusive um dia após o casamento), não há motivos para se dificultar a decretação da separação, ainda mais havendo consentimento de ambos os cônjuges.
Como exemplo da evolução, não mais cabe à invocação de culpa como fundamento da separação judicial, ou para a negativa desta, isto é, a discussão de culpa como motivo para a separação judicial não tem mais validade no ordenamento jurídico brasileiro até porque não há utilidade em se definir quem deu causa à ruína do casamento (pois isso ocasionaria um retrocesso, e um intrometimento na seara intima de cada um), ou seja, como o divórcio, a separação judicial pode ser requerida a qualquer momento por qualquer dos cônjuges.
Ainda que a culpa não seja mais elencada como motivo para a decretação da separação, é preciso considerar que permanecem alguns casos específicos em que a culpa poderá ser analisada, como por exemplo, na anulação do casamento por vício de vontade de algum dos cônjuges. Nesse caso, a culpa deve ser aferida para verificar a ocorrência de coação ou de erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge.
Já foi visto alhures, que a separação judicial como pré-requisito para o divórcio ainda vinha sido mantido pela Constituição pelo motivo de o Brasil, ainda hoje, ser um país tradicionalmente fiel às concepções da Igreja Católica e da família (patriarcal), no qual muitos se mostravam e mostram-se ainda hoje (muitas das vezes) contra a dissolução do casamento por ser algo “sagrado”, “O que Deus uniu nos céus, o Homem não separa na terra”, entre outros motivos pelo qual a Lei dificultava o divórcio imediato, na expectativa de que o casal, repensando seu casamento nesse período de Separação Judicial ou mesmo de Fato, decidisse por reatar a sociedade conjugal.
Destarte, entendeu-se que a desburocratização do divórcio desestabiliza o instituto da família e, também é possível que se possa aferir um reflexo econômico negativo, já que não mais precisarão as partes arcar com custas processuais, cartorárias, nem honorários advocatícios por duas vezes. Com a aprovação da EC nº 66, o pedido de divórcio passou a ser um direito potestativo do cônjuge, independentemente de benefícios ou desvantagens à facilitação do divórcio.
A discussão acerca da permanência ou não da separação judicial dentro do ordenamento jurídico só se faz necessária porque as pessoas entendem que família é sinônimo de casamento “de papel passado”. E isso como brilhantemente define a Dra. Karla Cortez de Souza em seu artigo na Internet, “se protrai em uma mentalidade inquietante por parte dos juristas quanto ao real significado da Emenda 66/2010, pois o fim do casamento seria sinônimo de fim da família”. (SOUZA, 2014)
Entretanto, entendo que na realidade, o fim da família se dá, efetivamente, no processo de convivência de um casal, nas atitudes expressadas, nos desgastes emocionais provenientes de traições, falta de assistência familiar efetiva, afeto, amor, compreensão, que é muito difícil se extrair de um casal nos dias atuais e isso muito antecede ao Divórcio (ponto final da sociedade conjugal).
Segundo a Dra. Karla, em brilhante analogia ao assunto:
“aos que prezam por sua manutenção, em analogia ao Direito Penal, o divórcio seria a consumação do fim de uma família e a simples existência da separação judicial ainda que não condicionante após a emenda, se prestaria então como uma circunstância alheia à vontade do agente que poderia evitar a consumação. E mais, antes da alteração do texto constitucional, esperava-se que separação judicial funcionasse como o “arrependimento eficaz” do Direito de Família”. (SOUZA, 2014)
Concluo o entendimento como sendo a separação judicial uma forma alternativa ao divórcio; quando ainda se tem dúvida sobre o fim ou não do casamento; quando ainda há uma pequena porcentagem de esperança no reatar da sociedade conjugal, pode ser inclusive (deixando claro que é opinião própria, e talvez possa repassar a futuros clientes em caso de divórcio consensual) uma indicação aos mesmos, para que possam repensar individualmente, neste período de um ano, a sua vida “a dois” desde o início, ou os filhos, os bens havidos entre ambos, e a família como um todo, se é que possível, as vantagens e as desvantagens, em fim, tudo o que não venha gerar um desgaste emocional, que pode ser evitado.
O divórcio a partir da EC nº 66 ganhou muito mais força, tanto pela praticidade, quanto pela desburocratização, que por derradeiro, acabou gerando a quase inutilização da separação judicial como método preparatório para o divórcio, isto é, a qualquer momento, inclusive um dia após as núpcias, é possível haver o pedido de divórcio, que é um direito potestativo de ambos os cônjuges, uma escolha neste sentido é extremamente costumeira, fria, e sem as mediações ao norte, que até julgo necessárias e racionais para um término responsável, que deveriam ser levadas em consideração por ambos os cônjuges.
Por fim, a separação judicial hoje é mera opção e não mais obrigação, e por ser um direito potestativo dos cônjuges pode ser requerida a qualquer tempo, bem como o divórcio.
REFERÊNCIAS
DONIZETTI, Elpídio. Separação Judicial, o fim da controvérsia gerada pela EC66. EM: 09. Mar.2016 Disp In: http://genjuridico.com.br e https://portalied.jusbrasil.com.br/artigos/302532958/separação-judicialofim-da-controversia-gerada....
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Direito de família. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. V. 6, p. 201.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Deito Civil Brasileiro: direito de família. 23ª ed. rev. atual. e ampl. de acordo com a reforma do Código de Processo Civil e com o Projeto de Lei 276/2007. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 282 e 283.
SOUZA, Karla Cortez. A Emenda Constitucional nº 66 e seus reflexos na separação judicial. EM: 09. Jul.2014 Disp In: http://www.direitonet.com.br/artigos.
https://pedroheadv.jusbrasil.com.br/artigos/481085195/o-que-e-a-separacao-judicial-hoje-com-o-advento-da-ec-n-66-e-a-facilidade-de-divorciar?utm_campaign=newsletter-daily_20170726_5680&utm_medium=email&utm_source=newsletter
Trata-se de aplicação do princípio da solidariedade social ou familiar, previsto no art. 3º, inc. I, da Constituição Federal, de forma imediata a uma relação privada, ou seja, em eficácia horizontal.Como explica Rodrigo da Cunha Pereira, precursor da tese que admite tal indenização, "o exercício da paternidade e da maternidade – e, por conseguinte, do estado de filiação – é um bem indisponível para o Direito de Família, cuja ausência propositada tem repercussões e consequências psíquicas sérias, diante das quais a ordem legal/constitucional deve amparo, inclusive, com imposição de sanções, sob pena de termos um Direito acéfalo e inexigível" (Responsabilidade civil por abandono afetivo. In: Responsabilidade civil no direito de família. Coord. Rolf Madaleno e Eduardo Barbosa. São Paulo: Atlas, 2015, p. 401).
O jurista também fundamenta a eventual reparabilidade pelos danos decorrentes do abandono na dignidade da pessoa humana, eis que "o Direito de Família somente estará em consonância com a dignidade da pessoa humana se determinadas relações familiares, como o vínculo entre pais e filhos, não forem permeados de cuidado e de responsabilidade, independentemente da relação entre os pais, se forem casados, se o filho nascer de uma relação extraconjugal, ou mesmo se não houver conjugalidade entre os pais, se ele foi planejado ou não. (...) Em outras palavras, afronta o princípio da dignidade humana o pai ou a mãe que abandona seu filho, isto é, deixa voluntariamente de conviver com ele" (PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Responsabilidade Civil por abandono afetivo. In: Responsabilidade Civil no Direito de Família, ob. cit., p. 406). Para ele, nesse seu texto mais recente, além da presença de danos morais, pode-se cogitar uma indenização suplementar, pela presença da perda da chance de convivência com o pai.
O doutrinador e presidente nacional do IBDFAM atuou na primeira ação judicial em que se reconheceu a indenização extrapatrimonial por abandono filial. Na ocasião, o então Tribunal de Alçada de Minas Gerais condenou um pai a pagar indenização de duzentos salários mínimos a título de danos morais ao filho, por não ter com ele convivido (Apelação Cível n. 408.550-5 da Comarca de Belo Horizonte. Sétima Câmara Cível. Presidiu o julgamento o Juiz José Affonso da Costa Côrtes e dele participaram os Juízes Unias Silva, relator, D. Viçoso Rodrigues, revisor, e José Flávio Almeida, vogal).
Filiando-se ao julgado mineiro e à possibilidade de indenização em casos semelhantes também está a Professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, uma das maiores juristas deste País na atualidade, expoente não só do Direito de Família, mas também da Responsabilidade Civil. De acordo com as suas lições, "a responsabilidade dos pais consiste principalmente em dar oportunidade ao desenvolvimento dos filhos, consiste principalmente em ajudá-los na construção da própria liberdade. Trata-se de uma inversão total, portanto, da ideia antiga e maximamente patriarcal de pátrio poder. Aqui, a compreensão baseada no conhecimento racional da natureza dos integrantes de uma família quer dizer que não há mais fundamento na prática da coisificação familiar (...). Paralelamente, significa dar a devida atenção às necessidades manifestas pelos filhos em termos, justamente, de afeto e proteção. Poder-se-ia dizer, assim, que uma vida familiar na qual os laços afetivos são atados por sentimentos positivos, de alegria e amor recíprocos em vez de tristeza ou ódio recíprocos, é uma vida coletiva em que se estabelece não só a autoridade parental e a orientação filial, como especialmente a liberdade paterno-filial" (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva nas relações entre pais e filhos: além da obrigação legal de caráter material. Disponível em: . Acesso em 21 jun. 2017).
Entretanto, como se sabe, o Superior Tribunal de Justiça reformou a primeva decisão do Tribunal de Minas Gerais, afastando o dever de indenizar no caso em questão, diante da ausência de ato ilícito, pois o pai não seria obrigado a amar o filho. Em suma, o abandono afetivo seria situação incapaz de gerar reparação pecuniária (STJ, Recurso Especial 757.411/MG, Relator Ministro Fernando Gonçalves; votou vencido o ministro Barros Monteiro, que não conhecia do recurso. Os Ministros Aldir Passarinho Junior, Jorge Scartezzini e Cesar Asfor Rocha votaram com o Ministro relator. Data do julgamento: 29 de novembro de 2005).
De qualquer modo, tal decisão do Tribunal da Cidadania não encerrou o debate quanto à indenização por abandono afetivo, que permanece intenso na doutrina. Cumpre destacar que me posiciono no sentido de existir o dever de indenizar em casos tais, especialmente se houver um dano psíquico ensejador de dano moral, a ser demonstrado por prova psicanalítica. O desrespeito ao dever de convivência é muito claro, eis que o art. 1.634 do Código Civil impõe como atributos do poder familiar a direção da criação dos filhos e o dever de ter os filhos em sua companhia. Além disso, o art. 229 da Constituição Federal é cristalino ao estabelecer que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores. Violado esse dever e sendo causado o dano ao filho, estará configurado o ato ilícito, nos exatos termos do que estabelece o art. 186 do Código Civil em vigor.
Quanto ao argumento de eventual monetarização do afeto, penso que a Constituição Federal encerrou definitivamente tal debate, ao reconhecer expressamente a reparação dos danos morais em seu art. 5º, incs. V e X. Aliás, se tal argumento for levado ao extremo, a reparação por danos extrapatrimoniais não seria cabível em casos como de morte de pessoa da família, por exemplo.
A propósito, demonstrando evolução quanto ao tema, surgiu, no ano de 2012, outra decisão do Superior Tribunal de Justiça em revisão à ementa anterior, ou seja, admitindo a reparação civil pelo abandono afetivo. A ementa foi assim publicada por esse Tribunal Superior:
"Civil e Processual Civil. Família. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. Possibilidade. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/1988. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado –, importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido" (STJ, REsp 1.159.242/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 24/04/2012, DJe 10/05/2012).
Em sua relatoria, a julgadora ressalta, de início, ser admissível aplicar o conceito de dano moral nas relações familiares, sendo despiciendo qualquer tipo de discussão a esse respeito, pelos naturais diálogos entre livros diferentes do Código Civil de 2002. Desse modo, supera-se totalmente a posição firmada no primeiro julgado superior sobre o tema, especialmente o que foi desenvolvido pelo então Ministro Asfor Rocha, da impossibilidade de interação entre o Direito de Família e a Responsabilidade Civil.
Para a Ministra Nancy Andrighi, ainda, o dano extrapatrimonial estaria presente diante de uma obrigação inescapável dos pais em dar auxílio psicológico aos filhos. Aplicando a ideia do cuidado como valor jurídico, com fundamento no princípio da afetividade, a julgadora deduz pela presença do ilícito e da culpa do pai pelo abandono afetivo, expondo frase que passou a ser repetida nos meios sociais e jurídicos: "amar é faculdade, cuidar é dever". Concluindo pelo nexo causal entre a conduta do pai que não reconheceu voluntariamente a paternidade de filha havida fora do casamento e o dano a ela causado pelo abandono, a magistrada entendeu por reduzir o quantum reparatório que foi fixado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, de R$ 415.000,00 (quatrocentos e quinze mil reais) para R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).
Penso que esse último acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça representa correta concretização jurídica do princípio da solidariedade; sem perder de vista a função pedagógica ou de desestímulo que deve ter a responsabilidade civil. Sempre pontuei, assim, que esse último posicionamento deve prevalecer na nossa jurisprudência, visando também a evitar que outros pais abandonem os seus filhos.
De todo modo, fazendo uma pesquisa mais atual, posterior ao último aresto superior, notei que há ainda grande vacilação jurisprudencial na admissão da reparação civil por abandono afetivo, com ampla prevalência de julgados que concluem pela inexistência de ato ilícito em casos tais, notadamente pela ausência de prova do dano.
Trilhando esse caminho, de acordo com a primeira orientação do Tribunal da Cidadania, na Corte Estadual que despertou o debate, deduziu-se que "por não haver nenhuma possibilidade de reparação a que alude o art. 186 do CC, que pressupõe prática de ato ilícito, não há como reconhecer o abandono afetivo como dano passível de reparação" (TJMG, Apelação Cível n. 1.0647.15.013215-5/001, Rel. Des. Saldanha da Fonseca, julgado em 10/05/2017, DJEMG15/05/2017).
Na mesma linha, sem prejuízo de muitas outras ementas de negação do ilícito: "a pretensão de indenização pelos danos sofridos em razão da ausência do pai não procede, haja vista que para a configuração do dano moral faz-se necessário prática de ato ilícito. Beligerância entre os genitores" (TJRS, Apelação Cível n. 0048476-69.2017.8.21.7000, Teutônia, Sétima Câmara Cível, Rel. Des. Jorge Luís Dall’Agnol, julgado em 26/04/2017, DJERS 04/05/2017). De todo modo, pode ser notada certa confusão técnica no último decisum, pois não é o ilícito que é elemento do dano moral, mas vice-versa.
Por outra via, concluindo pela ausência de prova do dano, entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo que "a jurisprudência pátria vem admitindo a possibilidade de dano afetivo suscetível de ser indenizado, desde que bem caracterizada violação aos deveres extrapatrimoniais integrantes do poder familiar, configurando traumas expressivos ou sofrimento intenso ao ofendido. Inocorrência na espécie. Depoimentos pessoais e testemunhais altamente controvertidos. Necessidade de prova da efetiva conduta omissiva do pai em relação à filha, do abalo psicológico e do nexo de causalidade. Alegação genérica não amparada em elementos de prova. Non liquet, nos termos do artigo 373, I, do Código de Processo Civil, a impor a improcedência do pedido" (TJSP, Apelação n. 0006195-03.2014.8.26.0360, Acórdão n. 9689092, Mococa, Décima Câmara de Direito Privado, Rel. Des. J. B. Paula Lima, julgado em 09/08/2016, DJESP 02/09/2016).
Em complemento, e mais recentemente, o Tribunal gaúcho aduziu que "o dano moral exige extrema cautela no âmbito do direito de família, pois deve decorrer da prática de um ato ilícito, que é considerado como aquela conduta que viola o direito de alguém e causa a este um dano, que pode ser material ou exclusivamente moral. Para haver obrigação de indenizar, exige-se a violação de um direito da parte, com a comprovação dos danos sofridos e do nexo de causalidade entre a conduta desenvolvida e o dano sofrido, e o mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui, por si só, situação capaz de gerar dano moral" (TJRS, Apelação Cível n. 0087881-15.2017.8.21.7000, Porto Alegre, Sétima Câmara Cível, Relª Desª Liselena Schifino Robles Ribeiro, julgado em 31/05/2017, DJERS 06/06/2017). Na pesquisa que realizei, em junho de 2017, constatei que muitos julgamentos seguem a última frase da ementa, segundo a qual o mero distanciamento físico entre pai e filho não configura, por si só, o ilícito indenizante.
Diante desse panorama recente, recomendo que os pedidos de indenização por abandono afetivo sejam bem formulados, inclusive com a instrução ou realização de prova psicossocial do dano suportado pelo filho. Notei que os julgados estão orientados pela afirmação de que não basta a prova da simples ausência de convivência para que caiba a indenização.
Acrescente-se que no próprio Superior Tribunal de Justiça existem acórdãos recentes que não admitem a reparação de danos por abandono afetivo antes do reconhecimento da paternidade. Desse modo, julgando "alegada ocorrência de abandono afetivo antes do reconhecimento da paternidade. Não caracterização de ilícito. Precedentes" (STJ, AREsp 1.071.160/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJE 19/06/2017). Ou, ainda, "a Terceira Turma já proclamou que antes do reconhecimento da paternidade, não há se falar em responsabilidade por abandono afetivo" (STJ, Agravo Regimental no AREsp n. 766.159/MS, Terceira Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJE09/06/2016).
Em suma, parece que a doutrina contemporânea foi bem festiva em relação à admissão da reparação imaterial por abandono afetivo, em especial após o julgamento do REsp 1.159.242/SP, em 2012. Porém, no âmbito da jurisprudência, há certo ceticismo, com numerosos julgados que afastam a indenização. Muitos deles o fazem também com base na existência de prescrição da pretensão, tema a ser tratado no futuro, neste mesmo canal.
Flávio Tartuce é doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu da Escola Paulista de Direito. Professor da Rede LFG e do Curso CPJUR. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.Fonte: http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI262537,61044-Da+indenizacao+por+abandono+afetivo+na+mais+recente+jurisprudencia