segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Pais de adolescentes indenizarão em R$ 1 mi jovem vítima de abuso

A jovem contava com apenas 13 anos à época dos fatos, em 2010.

SEGUNDA-FEIRA, 4/9/2017

A 2ª câmara Civil do TJ/SC condenou os pais de dois adolescentes que cometeram ato infracional análogo a estupro de vulnerável ao pagamento solidário de R$ 1 milhão em favor da vítima - que contava apenas 13 anos à época dos fatos, em 2010.

Na ação que tramitou na vara da Infância e Juventude ficaram comprovadas a autoria e a materialidade do ato, confessado pelos dois ofensores. A decisão final da vara concedeu remissão cumulada com medida socioeducativa de liberdade assistida pelo prazo de seis meses, assim como prestação de serviços à comunidade por igual período, com jornada semanal de oito horas.

O ato infracional em questão ocorreu no apartamento da mãe de um dos jovens, após consumo de bebida alcoólica.

Relator do caso no TJ, o desembargador João Batista Góes Ulysséa considerou a responsabilidade dos pais pelo ato ilícito praticado pelos filhos e o abalo moral sofrido pela jovem.

"O quadro de estresse pós-traumático, combinado com a intensa depressão e profunda tristeza (…), revela a dor sofrida pela vítima, que passa a ter uma existência menos feliz, o que faz surgir o dano moral típico."

Houve dissenção, contudo, em relação ao quantum indenizatório. Prevaleceu, por maioria de votos, a fixação do valor em R$ 1 milhão.

O processo transcorre em segredo de Justiça.

Fonte: TJ/SC

http://m.migalhas.com.br/quentes/264794/pais-deverao-indenizar-em-r-1-mi-jovem-que-foi-vitima-de-abuso-dos

Avó paterna é responsável subsidiária por pensão de neto com síndrome grave

O pai do jovem, inadimplente há anos na obrigação alimentícia, fugiu para Londres.

SEGUNDA-FEIRA, 4/9/2017

O juiz de Direito Paulo César Scanavez, da 1ª vara da Família e Sucessões de São Carlos/SP, determinou que a avó paterna de jovem pague 15% das rendas previdenciárias para o sustento do rapaz, que embora tenha 19 anos, é dependente economicamente.

O autor foi diagnosticado, ainda quando era bebê, com Síndrome de Asperger; ele é dependente nas habilidades adaptativas para a idade e necessita de acompanhante em transporte coletivo (essa tarefa, na atualidade, tem sido realizada por sua avó materna).

O pai, inadimplente há anos na obrigação alimentícia, fugiu para Londres, de acordo com a sentença, por ter determinação de prisão civil justamente pela inadimplência. No ano passado, em outro processo, ao tio do autor também foi determinado socorrer o sobrinho, pagando-lhe alimentos.

Atualmente, o jovem faz curso em São Paulo na única Universidade que o aceitou, e a avó materna o acompanha; já a mãe, segundo o magistrado, não tem renda suficiente para sustentar o filho totalmente e ainda bancar as despesas do lar.

“Evidente que a responsabilidade alimentar subsidiária e complementar da avó paterna subsistirá até o momento em que o genitor do autor assumir a sua obrigação alimentar para com o filho”, concluiu o juiz na decisão.

A advogada Carmen Rita Alcaraz Orta Dieguez atua na causa pelo autor, representado por sua mãe.
Processo: 1012075-49.2016.8.26.0566

http://m.migalhas.com.br/quentes/264803/avo-paterna-e-responsavel-subsidiaria-por-pensao-de-neto-com-sindrome

É possível falar em direitos dos animais? (parte 1)

Por Atalá Correia

O tema do direito dos animais é cercado de preconceitos e exageros e, por isso, é comumente visto como pitoresco, sem a seriedade que merece. Entretanto, a relação dos homens com os animais está, mais do que nunca, no centro de diversas controvérsias.

Sem a pretensão de esgotar o tema, que revela inúmeras nuances, dedicarei o espaço de duas colunas a essa investigação. Não desejo apresentar respostas, mas indicar os caminhos possíveis e os desafios existentes.

Embora tradicionalmente os animais sejam tratados como instrumentos ao dispor do homem, deve-se reconhecer que nos últimos 30 anos essa perspectiva vem sendo questionada. Isso talvez se explique pelo crescente número de famílias que contam com um animal de estimação. Levantamentos apontam que há mais de 100 milhões de animais domésticos em nosso país[1]. Talvez seja o vegetarianismo em ascensão que ampare o fenômeno. Em pesquisa realizada no ano de 2012, o Ibope indicou que 8% da população das principais capitais e regiões metropolitanas se declara vegetariana[2]. Independentemente dos motivos que levam a sociedade à mudança de perspectiva, é certo que cada vez mais se fala em direitos dos animais como forma de indicar que esses seres devem ser respeitados, não estando ao nosso inteiro dispor.

Não é de hoje que os maus-tratos a animais causam comoção entre nós. Na segunda metade da década de noventa, houve clamor popular contra a festividade denominada Farra do Boi, comum na região sul, em que o referido animal era perseguido e caçado. Algumas associações se reuniram no pólo ativo de ação civil pública, requerendo que o Estado de Santa Catarina fosse condenado a proibir a prática. Argumentou-se que os animais eram submetidos a crueldade. Em defesa, foi indicado que a festividade tinha significado cultural para parcela significativa da população e que o Estado coibia abusos. O TJSC julgou improcedente o pedido, acolhendo os argumentos da defesa[3].

O litígio chegou ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal que, por maioria de votos, proibiu o evento[4]. O STF, naquela oportunidade, indicou que a crueldade não era eventual, mas congênita à prática, que, por isso, não poderia ser considerada cultural. Na oportunidade, foi dado destaque ao art. 225 da Constituição Federal, segundo o qual, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”, incumbindo ao Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (parágrafo 1o, inciso VII).

Posteriormente, o STF deparou-se com situação semelhante, mas relativa à rinha de galos. Certas comunidades treinavam esses animais para batalhar entre si, muitas vezes até a morte, num jogo de apostas. A prática, também conhecida como galismo, passou a ser regulamentada pela Lei do Estado do Rio de Janeiro n. 2.895/98. Em verdade, a norma regulava a prática de exposição e competição entre aves de raça. Impunha-se, por exemplo, a vistoria dos locais da prática e ainda era determinado que, antes das competições, um médico veterinário capacitado atestasse o estado de saúde das aves.

Esse ato normativo foi considerado inconstitucional por violar o mesmo artigo 225, parágrafo 1o, inciso VII, da Constituição Federal. Naquela ocasião, foi destacado que a “proteção jurídico-constitucional dispensada à fauna abrange tanto os animais silvestres quanto os domésticos ou domesticados, nesta classe incluídos os galos utilizados em rinhas, pois o texto da Lei Fundamental vedou, em cláusula genérica, qualquer forma de submissão de animais a atos de crueldade”, pois “essa especial tutela, que tem por fundamento legitimador a autoridade da Constituição da República, é motivada pela necessidade de impedir a ocorrência de situações de risco que ameacem ou que façam periclitar todas as formas de vida, não só a do gênero humano, mas, também, a própria vida animal, cuja integridade restaria comprometida, não fora a vedação constitucional, por práticas aviltantes, perversas e violentas contra os seres irracionais, como os galos de briga”[5].

Esses precedentes permitem visualizar, com clareza, que a proteção legal aos animais não se circunscreve à condição de elementos do meio ambiente (Lei 9.605/98). A tutela não é uma função do meio ambiente, pois, se assim fosse, não haveria sentido em se vetar práticas cruéis contra animais domesticados.

Os problemas que surgem da exegese da regra constitucional que veda a crueldade contra animais estão mais adstritos ao conceito de “crueldade” e à própria definição de “animais”.

É cabível perguntar se a vedação contra crueldade abrange tanto mamíferos quanto insetos. O mundo da zoologia é divido entre vertebrados e invertebrados. Entre estes encontram-se insetos, moluscos, corais, águas vivas, vermes, entre outros. Na classe dos vertebrados, destacam-se os mamíferos, repteis, peixes, aves e anfíbios.

Uma resposta possível para essa questão reside no conceito de senciência, ou seja, a capacidade de sentir. A bem da verdade, a teoria da senciência é extrajurídica e procura explicar, do ponto de vista filosófico, quem deve estar na condição de sujeito. Para bem compreender essa questão é importante lembrar que na tradição cartesiana-kantiana, é a capacidade de raciocínio, ou razão, que nos caracteriza e distingue dos demais seres. É a razão que nos dá autonomia moral e que, portanto, livra-nos dos desígnios da natureza. A razão nos torna atores, e não meros objetos das múltiplas relações causais possíveis na natureza. O humano torna-se senhor da natureza e dos objetos que o circundam, podendo deles se utilizar[6].

Jeremy Bentham opõe-se a essa vertente filosófica. Seu pensamento moral caracteriza-se profundamente pela maximização do bem estar e felicidade. Uma ação é correta quando beneficia a maioria. Assim, o que importa não é a capacidade de raciocinar, mas a de sentir prazer, felicidade ou dor. Em outras palavras, a capacidade de felicidade e de sofrimento é a característica vital que assegura aos seres o direito a igual consideração. Bentham aduz que “se os filósofos não fizerem a inclusão de todos os seres sencientes no âmbito da comunidade moral, jamais conseguirão refinar-se moralmente, pois, embora os princípios da igualdade, da liberdade e da fraternidade só possam ser concebidos e seguidos por quem é capaz de fazer um raciocínio abstrato, a moralidade que fundamentam não visa atender apenas aos interesses egoístas de sujeitos racionais”[7].

Embora não seja a única significação possível, é minimamente razoável tomar a expressão “animais” como indicativa de “seres capazes de sentimento”. A norma que veda tratamento cruel a animais deve, ao menos, referir-se àqueles que efetivamente têm a capacidade de sentir. A ideia de crueldade está intrinsecamente ligada à imposição desnecessária de dor.

Assim, a vedação de maus tratos a galos e bois, tal como expresso pelo STF nos precedentes em destaque, explica-se, parcialmente, pelo conceito de que esses animais são seres passíveis de sentimento. Contudo, como procurarei demonstrar na próxima coluna, a idéia de “senciência” não esgota o problema do tratamento jurídico dispensado aos animais.

Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Lisboa, Girona, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC e UFMT).

[1] Vide http://abinpet.org.br/imprensa/noticias/populacao-de-pets-cresce-5-ao-ano-e-brasil-e-quarto-no-ranking-mundial, acesso em 8.2.2015.
[2] Vide http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/paginas/dia-mundial-do-vegetarianismo-8-da-populacao-brasileira-afirma-ser-adepta-ao-estilo.aspx , acesso em 8.2.2015.
[3] Destacou que o combate à crueldade por autoridades policiais tinha apoio na Lei de Contravenções Penais (Decreto-lei n. 3.688, de 3.10.1941) que, em seu artigo 64 punia com prisão simples, de 10 dias a 1 mês, quem “tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo”.
[4] “COSTUME - MANIFESTAÇÃO CULTURAL - ESTÍMULO - RAZOABILIDADE - PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA - ANIMAIS - CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado ‘farra do boi’” (RE 153531, Relator(a): Min. FRANCISCO REZEK, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 03/06/1997, DJ 13-03-1998 PP-00013 EMENT VOL-01902-02 PP-00388).
[5] STF, ADI 1856, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 26/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-02 PP-00275 RTJ VOL-00220- PP-00018 RT v. 101, n. 915, 2012, p. 379-413.
[6] Embora passível de criticas, cujo escopo escapam ao escopo desta coluna, destaco a visão de Luc Ferry: “É importante compreender porque o debate sobre a diferença entre o homem e o animal tornar-se-á central no momento do nascimento do humanismo, ou seja, logo após a derrocada das grandes cosmologias herdadas da Antiguidade grega: com efeito, a partir do momento em que a moral passa a fundar-se no homem e não mais na natureza (no cosmos) ou em Deus, como para os gregos e os cristãos, a questão da diferença entre o homem e seu primo mais próximo tornar-se-á crucial para se tentar definir os deveres que temos uns em relação aos outros. Afinal de contas, porque atribuir à espécie humana tanta dignidade e reclamar para ela tanto respeito, se nada de realmente específico a distingue das outras?”. (FERRY, Luc. Kant: uma leitura das três Críticas. Trad.: Karina Jannini. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Difel, 2012, p. 85/89)
[7] BENTHAM, Jeremy, MILL, John Stuart. Princípios da Moral e da Legislação. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 16. Vide ainda: “Talvez chegue o dia em que o restante do reino animal encontre esses direitos que jamais lhe poderiam ter sido tirados de outro modo que não pela tirania. Os franceses já compreenderam que a pele escura não é razão para abandonar sem recursos um ser humano aos caprichos de um perseguidor. Talvez um dia acabemos percebendo que o número de pernas, a pilosidade da pele ou a extremidade do osso sacro são razões igualmente insuficientes para abandonar uma criatura sensível à mesma sorte. O que mais deveria traçar a linha da demarcação? Seria a faculdade de raciocinar ou talvez aquela da linguagem? Mas um cavalo que tenha atingido a maturidade ou um cachorro, para além de toda comparação, são animais mais sociáveis e razoáveis que um recém-nascido de um dia, de uma semana ou até mesmo de um mês? Suponhamos que o sejam e outro modo, de que isso nos serviria? A questão não é saber se podem raciocinar nem se podem falar, e sim se podem sofrer”. (BENTHAM, Jeremy. Introduction to the Principles of Moral and Legislation. Oxford: Oxford University Press, 1948, p. 335). “O juízo ético não é feito somente de razão, mas também de indignação e vergonha, de ternura e compaixão”. (COMPARATO, Fábio Konder. Ética: Direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 506/507).

Atalá Correia é juiz no Distrito Federal

Revista Consultor Jurídico, 27 de abril de 2015, 8h00
http://www.conjur.com.br/2015-abr-27/direito-civil-atual-possivel-falar-direitos-animais-parte

Reajuste da mensalidade de plano de saúde por idade não é medida abusiva

Reajuste de mensalidade em planos de saúde devido à idade do segurado não é medida abusiva. O entendimento é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que acolheu recurso especial da Amil Assistência Médica Internacional para reformar decisão que reprovou o reajuste de mensalidades de planos de saúde em razão da idade.
“Nos contratos de plano de saúde, os valores cobrados a título de mensalidade devem guardar proporção com o aumento da demanda dos serviços prestados”, definiu o colegiado.
Ministério Público interpôs Ação Civil Pública alegando abuso nos reajustes das mensalidades dos planos de saúde com base exclusivamente na mudança de faixa etária.
A ação foi julgada procedente em primeira instância, e a sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. No STJ, a relatora, ministra Nancy Andrighi, votou pela manutenção do acórdão, mas ficou vencida. Prevaleceu o voto do ministro João Otávio de Noronha.
Jurisprudência agora superada previa que os planos de saúde não poderiam cobrar valores diferenciados aos segurados por conta da faixa etária, conforme prevê o artigo 15, parágrafo 3ª do Estatuto do Idoso —  que veda "a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade".
Noronha afirmou que a discriminação, fomentada pelo preconceito, é ato coibido pelo ordenamento jurídico. No entanto, diz ele, a norma não impede que haja reajuste sob outra justificativa.
“Não se extrai de tal norma interpretação que determine, abstratamente, que se repute abusivo todo e qualquer reajuste que se baseie em mudança de faixa etária, como pretende o promovente desta Ação Civil Pública, mas tão somente o reajuste discriminante, desarrazoado, que, em concreto, traduza verdadeiro fator de discriminação do idoso, justamente por visar dificultar ou impedir sua permanência no plano”, afirmou em seu voto.
“Os planos de saúde são cobrados conforme a demanda dos usuários e ajustados de forma que aquele que mais se utiliza do plano arque com os custos disso. Isso se faz por previsões. Daí o critério de faixa etária”, declarou Noronha. 
O ministro chamou a atenção, entretanto, para os critérios de verificação da razoabilidade desses aumentos e para a necessidade de se coibirem reajustes abusivos e discriminatórios, no caso de empresas que se aproveitam da idade do segurado para ampliar lucros ou mesmo dificultar a permanência do idoso no plano. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Clique aqui para ler o voto-vista da decisão.
REsp 1315668
Revista Consultor Jurídico, 27 de abril de 2015, 16h49

É possível falar em direitos dos animais? (parte 2)

Por Atalá Correia

Na primeira parte desta coluna, procuramos destacar a importância do tema relacionado ao tratamento jurídico dos animais. A Constituição Federal de 1988 não deixou o tema passar desapercebido, pois em seu artigo 225 prescreveu que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”, incumbindo ao Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (parágrafo 1o, VII).

A parte final desse dispositivo, que veda as práticas que submetam os animais a crueldade foi interpretada pelo Supremo Tribunal Federal em duas ocasiões emblemáticas e, com base nela, foram proibidas a “farra do boi” 1 e a “rinha de galos” 2, eventos que tinham importância cultural local, mas que expunham animais domésticos a crueldade.

Essa norma constitucional tem, essencialmente, dois núcleos significativos correlacionados entre si, sendo eles as expressões “animais” e “crueldade”. Na investigação sobre quais animais estão protegidos, destacamos a doutrina da senciência, que postula proteção a animais capazes de sentimento e, mais especificamente, de sofrimento.

Pois bem. Não cabe, nesse espaço, divagar sobre quais espécies são capazes de sentir e, em qual grau, mas certamente as ciências biológicas exercem papel central nessa investigação.

Do ponto de vista lógico, a ciência poderia indicar que a capacidade de sentimento é consubstancial a todos os animais ou, de modo diverso, que apenas parte deles detém essa característica.

Tanto em uma hipótese como em outra, haveríamos de nos deparar com situações inusitadas. Não se pode, por exemplo, excluir de antemão a hipótese de que tenham essa capacidade de sentir ratos, lagartos, cobras, baratas e aranhas, espécies costumeira e preventivamente eliminadas por motivos diversos, estéticos e de saúde pública. Se essas espécies estiverem albergadas pela idéia de “animais sensíveis”, extraída da norma constitucional, práticas comuns de prevenção de cunho sanitário ou não, haveriam de ser revistas. Seria o fim das ratoeiras!

Contra essa proteção talvez extremada, dois caminhos poderiam ser seguidos. O primeiro estaria a indicar que não basta a capacidade de sentimento, pois seria necessária, ainda, a capacidade de expressar esse sentimento. O segundo caminho voltaria a destacar um componente cultural a restringir o escopo da vedação de maus tratos a animais. Se for esse o caso, os precedentes mencionados deveriam ser lidos restritivamente. Isto é, o aspecto cultural não foi relevante para sustentar a prática da “farra do boi” e do “galismo”, mas talvez possa ser invocado para justificar a permanência e ratoeiras nas prateleiras.

Dito isso, podemos passar à análise do segundo núcleo de significado da regra constitucional sob discussão (artigo 225, parágrafo 1o, VII, da CF), qual seja a “crueldade”.

Ao vedar tratamento cruel não se está, no que nos parece evidente, proibindo o sacrifício de animais para servir a finalidades humanas, sendo a principal delas, a alimentação. O que se veda é a crueldade como meio de impor dor ou como forma de sacrifício. Nesse sentido, diversas unidades da federação adotaram leis para regular o abate de animais destinados ao consumo. No estado de São Paulo, a Lei 7.705/92 impõe o “emprego de métodos científicos e modernos de insensibilização” antes do abate, bem como regras de higiene e cuidados com o animal. No Distrito Federal, com redação semelhante, vige a Lei 1.567/97. A Lei Federal 11.794, de 8 de setembro de 2008, passou a regulamentar os procedimentos para o uso científico de animais, adotando critérios de controle e de fiscalização. Curiosamente, o artigo 14, parágrafo 9º, da referida lei destaca a presença de consciência nos animais, destacando que “em programa de ensino, sempre que forem empregados procedimentos traumáticos, vários procedimentos poderão ser realizados num mesmo animal, desde que todos sejam executados durante a vigência de um único anestésico e que o animal seja sacrificado antes de recobrar a consciência”.

Deve-se destacar, nessa linha, o Projeto de Lei 3.676/2012, de autoria do então deputado Eliseu Padilha, que, tratando de diversos temas relacionados à condição jurídica dos animais, busca instituir um “Estatuto dos Animais”3. No Direito Internacional, encontra-se, com o mesmo propósito a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, da ONU promulgada em 27 de janeiro de 1978. Entre os seus consideranda, a Declaração assevera que “todo o animal possui direitos” e que o “desconhecimento e o desprezo desses direitos têm levado e continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza”. A Declaração estipula, outrossim, que “todos os animais nascem iguais diante da vida, e têm o mesmo direito à existência” (artigo 1º), que “nenhum animal será submetido a maus-tratos e a atos cruéis” (artigo 3o), que “a experimentação animal, que implica em sofrimento físico, é incompatível com os direitos do animal, quer seja uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra” (artigo 8o) e que “quando o animal é criado para alimentação, ele deve de ser alimentado, alojado, transportado e morto sem que disso resulte para ele nem ansiedade nem dor” (artigo 9o), entre outros.

Vistos os significados relevantes para a exegese da regra constitucional, cumpre destacar que o sistema jurídico não excluiu os animais do elenco de bens passíveis de apropriação por particulares. Não se impõe o vegetarianismo ou se proíbe o funcionamento de churrascarias. Por outro lado, é forçoso convir que todo esse aparato normativo, tampouco, equiparou animais a pedras. A verdade é que ao menos grande parte dos animais distingue-se dos demais bens por terem capacidade de sentimento e, por isso, destaca-se como uma categoria juridicamente relevante. A doutrina civil, talvez intuitivamente, já distinguia os animais, chamados semoventes, dos demais bens passíveis de apropriação (artigo 82, CC).

Assim, conquanto os animais possam ser apropriados pelo homem, tornando-se, na perspectiva civilista, sua propriedade, há todo um complexo normativo pronto a proteger animais contra agressões injustas dos próprios seres humanos. Essa proteção é sui generis e não se explica pelas categorias consagradas do abuso de direito ou da função social. O abuso de direito, tomado pela perspectiva objetiva (que considera a boa-fé) ou subjetiva (que considera a intenção do seu titular), é figura criada sob a perspectiva de alteridade. Isto é, não posso exercer meu direito de forma a lesar terceiros. De modo análogo, quando se tem em mente a função social, a limitação ao exercício de direitos dá-se em prol da coletividade.

O que se vê, no direito dos animais, não é propriamente uma coisa nem outra. Os animais não são postos a salvo da crueldade porque isso pode prejudicar um terceiro considerado individualmente ou porque isso viola os interesses da coletividade. Ao contrário, ainda que a imposição de sofrimento possa contar com o apoio de grupos sociais mais ou menos amplos, como visto nos dois arestos relativos à rinha de galos e à farra do boi, tal fato pode ser, no caso concreto, irrelevante. Isso significa que, quando há salvaguarda, ela é contramajoritária e tem em perspectiva o próprio bem estar animal.

A única conclusão possível, portanto, é que há animais aos quais se defere uma espécie de valia intrínseca ou dignidade. A proteção desses animais existe como um fim em si mesmo, e não como um postulado de interesse geral abstrato. Essa dignidade é, evidentemente, diversa daquela reconhecida aos seres humanos4, já que estes não são passíveis de apropriação por outrem no estágio atual do Direito.

A questão ainda pode ser abordada sob outra perspectiva para fins de reflexão. Uma visão antropocêntrica e utilitarista poderia levar a conclusões amplamente diversas, argumentando, por exemplo, que o sacrifício do animal, em eventos culturais ou desportivos, não muda a natureza das coisas, já que, sem dor, eles poderiam ser sacrificados de qualquer modo para a alimentação humana. Ocorre que o sofrimento deles, nestas situações, gera a maximização do bem estar do ser humano, que pode divertir-se e lucrar a despeito do que se passa com o animal. Empregos seriam gerados com atividades relacionadas, por exemplo, à rinha de galo ou à farra do boi. Mas, essa, como vimos, não foi a solução dada pela Constituição Federal, na interpretação que lhe deu o STF, que muito claramente vedou o sofrimento nessas hipóteses. Quando reconhecemos que o bem estar de certos animais também interessa, o que estamos fazendo é justamente colocá-lo a salvo de uma apropriação ilimitada, por seu valor intrínseco, e independentemente dos benefícios que possam ser distribuídos aos seres humanos.

É de se perguntar, portanto, se os animais não representam uma categoria destacada entre os bens, uma categoria com certa dignidade. A experiência de alguns países vem dizendo que sim. O art. 515-14 do Código Civil francês, a partir de 16 de fevereiro de 2015, passou a estabelecer que “os animais são seres vivos dotados de sensibilidade” e, sob a proteção da lei, são submetidos ao regime dos bens. O artigo 90 do Código Civil alemão destaca que “animais não são coisas”, sendo protegidos por leis especiais e aplicando-se-lhes as regras das coisas com as modificações necessárias.

Há, é verdade, quem busque dar aos animais condição mais elevada do que essa, postulando o reconhecimento de personalidade jurídica a eles. As iniciativas são sérias e, dado o propósito desta coluna, remeteremos o leitor ao excelente texto do professor Gunther Teubner (Rights of Non-humans), disponível em site mantido pelo professor Otávio Luiz Rodrigues Júnior5 e ao Projeto de Lei 7.991/2012, de autoria do então Deputado Eliseu Padilha6. O Projeto de Lei 6.799/2013, proposto pelo deputado Ricardo Izar, de modo similar, procura estabelecer que “os animais domésticos e silvestres possuem natureza jurídica sui generis, sendo sujeitos de direitos despersonificados, dos quais podem gozar e obter a tutela jurisdicional em caso de violação, sendo vedado o seu tratamento como coisa”.

Todas essas questões, como se vê, estão sendo apresentadas pela atual dinâmica social e certamente devem encontrar respostas por um Direito Civil que se pretenda contemporâneo.

1 STF, RE 153531, Rel. Min. FRANCISCO REZEK, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 03/06/1997, DJ 13-03-1998 PP-00013 EMENT VOL-01902-02 PP-00388)
2 STF, ADI 1856, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 26/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-02 PP-00275 RTJ VOL-00220- PP-00018 RT v. 101, n. 915, 2012, p. 379-413)
4 “Há, evidentemente, diferenças importantes entre seres humanos e outros animais, e tais diferenças devem dar origem a outras tantas nos direitos de cada um. O reconhecimento desse fato evidente, entretanto, não impede o argumento em defesa da extensão do princípio básico da igualdade a animais não humanos” (SINGER, Peter. Libertação Animal. Trad. Marly Winckler e Marcelo Brandão Cipolla, São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2013, p. 18).
5 Disponível em http://www.direitocontemporaneo.com/?page_id=139, acesso em 4.4.15.

Atalá Correia é juiz no Distrito Federal

Revista Consultor Jurídico, 4 de maio de 2015, 8h00
http://www.conjur.com.br/2015-mai-04/direito-civil-atual-possivel-falar-direitos-animais-parte