quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Posse de estado de filho e paternidade sócio-afetiva

Com a presença do vínculo afetivo paterno-filial, passou a se valorizar o parentesco psicológico, prevalecendo sobre a verdade biológica e a realidade legal. Os artigos 3º, inciso I e 229, combinados, da Constituição Federal ressaltam o princípio da solidariedade entre os membros da família, reciprocamente entre pais e filhos, cuja afetividade caracteriza este princípio jurídico.

Barboza, Heloisa Helena[3] preleciona que cabe ao direito identificar o vínculo de parentesco entre pai e filho como sendo o que confere a este a posse de estado filial e ao genitor as responsabilidades decorrentes do poder familiar. O parentesco corresponde ao vínculo consangüíneo, bastando lembrar da adoção e da fecundação heteróloga.

Para Madaleno, Rolf[4], a noção de posse de estado de filho não se estabelece com o nascimento, mas com o ato de vontade, que se sedimenta no terreno da afetividade, colocando em xeque tanto a verdade jurídica, quanto a certeza científica no estabelecimento da filiação. Zeno Veloso[5] comunga de idêntico pensamento.

 No Código Civil Comentado de Paulo Luiz N. Lôbo[6], pg. 95, encontram-se três aspectos aceitos pela doutrina para o reconhecimento da posse do estado de filho: 1)tractatus – quando o filho é tratado como tal, criado, educado e apresentado como filho pelo pai e pela mãe; 2) nominatio – quando usa o nome da família e assim se apresenta; 3) reputatio – quando é conhecido pela opinião pública como pertencente à família de seus pais. Trata-se de conferir à aparência os efeitos de verossimilhança que o direito considera satisfatória.

A paternidade é encargo assumido voluntariamente ou imposto pela lei visando à formação integral da criança e do adolescente e que se solidifica com a convivência familiar. Se os pais se separarem após o registro, o vínculo de parentalidade não se extinguirá. Permanecendo a posse de estado de filiação, não há como anular o registro.

Evocati REvista n. 46, out. 2009 Disponível em: < http://www.evocati.com.br/evocati/artigos.wsp?tmp_codartigo=364 >. Acesso em: 12/09/2011

Parentesco - Espécies, linhas e graus

Em conformidade com os ensinamentos de Maria Helena Diniz[1], parentesco é a relação que vincula as pessoas por: descendência umas das outras ou de um só tronco; casamento ou união estável; adoção; e, finalmente, filiação social.

ESPÉCIES, LINHAS, GRAUS[2]

Segundo Domingos Franciulli Netto, Ministro STJ, o parentesco pode ser:
a) consangüíneo ou natural, o que vincula entre si pessoas que descendem umas das outras em linha reta (art. 1.591 CC), ou provenientes de um só tronco, sem descenderem umas das outras, em linha colateral ou transversal (art. 1.592);

b) afim, o que aproxima cada cônjuge ou companheiro (convivente) aos ascendentes, aos descendentes ou aos irmãos do outro (art. 1.595, §§ 1º e 2º);

c) civil, o proveniente da adoção (art. 1.593);

d) pela filiação social (arts. 1.593 e 1.597, V).

Conceitua Zeno Veloso[3] que a filiação é natural quando se cuida de procriação, derivada da consangüinidade.

O parentesco real fornecido pelos estudos de genealogia não limita os graus de parentesco na linha reta. No particular, parentesco real e parentesco legal confundem-se. O Direito, de modo geral, não precisa preocupar-se com isso: ascendentes e descendentes são sempre parentes até o infinito.



Entretanto, nem todos parentes reais são parentes legais. A alteração digna de nota é a limitação do parentesco colateral até o quarto grau (art. 1.592), o que se concilia com o art. 1.839 - “Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau”. 

Repercute no Direito das Sucessões a distinção entre irmãos bilaterais e unilaterais (Cf., p. ex., os arts. 1.841, 1.842 e 1.843, §§ 2º e 3º ). Em matéria de alimentos, o CC agasalha a expressão germanos. Estes, assim como os unilaterais, são responsáveis pela obrigação alimentar, na hipótese prevista no art. 1.697.

A contagem de graus de parentesco em linha reta dá-se pelo número de graus ou gerações (art. 1.594 CC). As pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes, ou vice-versa, são sempre parentes, estejam próximas ou distantes em graus. Conquanto não haja limitação em graus, porque tal ocorre por força da natureza, como já foi visto, os graus podem ser contados porque os parentes mais próximos precedem aos mais remotos, para apuração de direitos e obrigações, como regra, a comportar, v.g., a exceção do art. 12, parágrafo único, a legitimar qualquer parente em linha reta para a medida prevista no caput.

Na linha colateral ou transversal, partindo-se do parente cujo grau de parentesco se pretende determinar, sobe-se em linha reta, contando cada degrau ou grau, até o ascendente comum, descendo depois até o paradigma (art. 1.594 CC). A denominação que interessa ao Direito, na linha colateral, é a que vai até o quarto grau: irmão, primo, tio, sobrinho, tio-avô e sobrinho-neto.

Não existe colateral de primeiro grau. Os irmãos são colaterais de segundo grau; tios e sobrinhos, de terceiro grau; e os primos, tios-avós e sobrinhos-netos são colaterais de quarto grau.

Na contagem do parentesco por afinidade, procede-se da mesma forma, apenas superpondo-se esquematicamente a posição do cônjuge ou companheiro no lugar ocupado naturalmente pelo outro, com a observação de que esse parentesco encontra-se estremado pelo art. 1.595, § 1º.

            A afinidade dá-se em linha reta ou em linha colateral, limitada a última aos irmãos do cônjuge ou companheiro (art. 1.595, §1º), com a observação de que não se extingue a afinidade em linha reta (ascendentes/descendentes) com a dissolução do casamento ou da união estável (art. 1.595, § 2º).

Circunscreve-se a afinidade apenas entre os parentes consangüíneos do cônjuge ou companheiro e os parentes consangüíneos do outro cônjuge ou companheiro. A afinidade é um vínculo estritamente pessoal, na medida em que os afins de um cônjuge ou companheiro não são afins entre si. “Logo” – conclui Maria Helena Diniz –, “não há afinidade entre concunhados”. Com a dissolução do vínculo que unia os cônjuges ou companheiros, desaparece a afinidade na linha colateral, ao reverso do que acontece em linha reta, de sorte que, do ponto de vista legal, desaparece o cunhadio. Deveras, “o casamento entre cunhados, que o foram, não está proibido”, na doutrina de Orlando Gomes.

“Além de impedir o matrimônio, produz a afinidade outros efeitos, dentre os quais sobressaem a obrigação recíproca de alimentos e o direito de promover a interdição. Restrições têm, entretanto, sido admitidas, como, por exemplo, a de que os alimentos não se devem após a morte do cônjuge que é causa da afinidade e as segundas núpcias da sogra. No direito processual, o vínculo influi, quer para o testemunho, quer para o julgamento da ação. No direito eleitoral, gera inelegibilidades; a afinidade não tem influência alguma sobre direitos sucessórios – adfinitates jure nulla sucessio permittitur[4].


[1] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1995-1997. v. 5, p. 297.  
[2] http//bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/348/4/Das_Rela%C3%A7%C3%B5es_de_Parentesco_da_Filia%C3%A7%C3%A3o.pdf
[3] VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 7.
[4] GOMES, op. cit., p. 319, et seq.  

Os impactos do Estatuto da Pessoa com Deficiência para o instituto da curatela

A promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência trouxe consigo mudanças expressivas no que diz respeito a incapacidade, e com isso, ressignificou o instituto da curatela.

1.INTRODUÇÃO

O instituto da curatela previsto no Código Civil de 2002 foi, durante tempo, uma medida adotada preferencialmente àqueles que eram considerados relativamente ou absolutamente incapazes para desempenhar os atos da vida civil. Era, portanto, meio idôneo à proteção tanto da pessoa incapaz, quanto de seus bens.

A promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência trouxe consigo mudanças expressivas no que diz respeito a incapacidade, e com isso, ressignificou o instituto da curatela. Com a vigência desse novo dispositivo legal, os artigos do Código Civil que tratavam de tais institutos foram revogados ou ganharam nova redação, de modo a torná-los cada vez mais próximos ao previsto na Convenção de Nova York, da qual o Brasil é signatário de 2009, e à autodeterminação e dignidade das pessoas com deficiência.

Tendo em vista tais inovações, o presente trabalho tem por fito analisar os aspectos gerais da curatela no Código Civil de 2002, assim como apontar as principais modificações sofridas por tal instituto a partir da vigência do Estatuto supracitado.

2.A CURATELA NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

O Código Civil de 2002, absorvendo os preceitos da Constituição Federal de 1988, lançou sobre a curatela as luzes da proteção aos direitos fundamentais, mesmo que a ação aqui em voga represente verdadeira expressão da vida privada. A curatela surge no CC/02 como instituto de iminente caráter assistencial, tendo amparo no princípio da dignidade da pessoa humana, muito embora tenha nascido em razão da estrita proteção ao patrimônio. Da maneira como vem exposta em nosso Código Civil, a curatela representa um mecanismo de defesa daqueles que não possuem capacidade plena contra si mesmo, bem como um meio de salvaguardar seus bens, em razão da preservação tanto do curatelado como de terceiro de boa-fé, deve ser devidamente averbada no Registro Civil.

A chave para se compreender tal instituto está no que a doutrina chama de caráter publicista da curatela, segundo o qual esse mecanismo é encargo público. Em outras palavras, o Estado deve tomar para si a responsabilidade de cuidar dos atos civis praticados por aqueles que não possuem condições, especialmente, psíquicas para tanto. Assim, o CC/02 coloca a curatela como o último recurso do sistema assistencial diante da ausência de capacidade civil. Todavia, faz-se mister destacar que a curatela tem como característica a temporalidade, vez que as restrições impostas pelo instituto só devem perdurar enquanto for necessário, cessando após o fim da condição que a justifique.

Ainda que o Estado tenha total interesse nos arranjos e consequências sociais provenientes da curatela, não há como reger todos aqueles dentro do perfil que legitima a interposição de processo de interdição, precursor da curadoria. Deste modo, evidencia-se outra característica da curatela no CC/02: a supletividade, ou seja, a supressão da incapacidade do curatelado. De maneira clara, o CC/02 permite a curatela apenas quando os pais ou tutores não puderem reger de maneira adequadamente eficiente e responsável os bens do curatelado.

O CC/02 estabelece:
Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:
I - aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;
II - aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;
III - os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;
IV - os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;
V - os pródigos.

A doutrina comumente trata dos incisos do artigo 1767 como características da curatela em si, entretanto as hipóteses supra transcritas devem ser entendidas como características atribuídas às pessoas que podem sofrer processo de interdição e, consequentemente, de curatela. Cumpre frisar também a existência de mais duas hipóteses de curatela, advindas de processo de interdição promovido pelo Ministério Público – art. 1769 e incisos -: em caso de doença grave ou quando não existir ou for inerte os legitimados legais para interdição. Além disso, ainda é possível a curatela de nascituro e do deficiente físico nos termos dos artigos 1779 e 1780 do CC/02, respectivamente.

Diante do exposto, convém detalhar brevemente cada uma dessas possibilidades de curatela:

Aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil

Em face da comprovação incontroversa de debilidade mental, que acarrete ausência completa de discernimento, deve ser possibilitada a curadoria, como no caso dos portadores de esquizofrenia. Somente em poder de laudo que ateste a doença, o Juiz poderá restringir os atos civis da pessoa. Assim, fica excluída, no primeiro momento a interdição e curatela de pessoa em razão puramente da idade, tal posição é largamente aceita pela doutrina que desconsidera a velhice sã e saudável como causa imediata de interdição.

Aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade

Nesse caso, não há doença mental, mas um impedimento na manifestação da vontade do indivíduo sujeito à curatela, por exemplo, pessoas acometidas de paralisias graves. A pessoa pode ter plena noção dos atos que pretende praticar, contudo não possui meios de expressar quiçá realiza-los.
Os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos
Esse inciso trata das debilidades causadas pelo uso constante das substâncias destacadas em seu próprio texto, a saber: o álcool e os entorpecentes. É absolutamente necessário esclarecer nesse caso que o uso de tais substâncias ocasionalmente não abre precedente para a curatela, apenas quando caracterizado e atestado o vício, com incontroversa perda do discernimento.

Os excepcionais sem completo desenvolvimento mental


O presente inciso gera frequentemente críticas, pois segundo a doutrina há repetição desnecessária de situação que poderia ter sido condensada no inciso I. Inicialmente, a previsão deveria abarcar apenas os portadores da Síndrome de Down, mas visando o não engessamento do dispositivo legal foi estendido o sentido para todos que não tenham completo desenvolvimento psicossomático e motor.

Os pródigos

A prodigalidade pode ser entendida como o vício de vontade, por não possuir o controle necessário para evitar desperdícios do seu próprio patrimônio, a pessoa se encontra incapacitada de administrar os seus bens,. Em outras palavras, trata-se de um caráter pessoal, ou seja, uma condição que impede o indivíduo de cuidar do que é seu.
O CC/02 não admite omissão na proteção do homem e do seu patrimônio, valores constitucionais, mas que se aplicam ao âmbito do direito civil, sendo assim enquadrou o pródigo como relativamente incapaz, ao permitir que ele realize outros atos da vida civil que não sejam relacionados à administração do seu patrimônio.

Os nascituros


A possibilidade de dar curador ao nascituro surge em duas hipóteses: caso o pai faleça, e se a mulher estiver grávida ou ainda caso a mãe não tenha o exercício do poder familiar. Outra hipótese que traz o Código Civil é caso a mulher estiver interditada, aqui o é atribuído ao nascituro o mesmo curador da sua mãe.
Em razão da temporalidade, tendo nascido o nascituro, cessa-se o instituto da curatela. Entretanto, se a necessidade de proteção e salvaguarda do menor ainda persiste, muda-se o instituto civil, e a criança passará a ser tutelado.

Os deficientes físicos e a curadoria especial

Nesse caso dos deficientes físicos, a curatela se dá apenas mediante requerimento do próprio interessado, vez que não há debilidade mental, tampouco imprecisão na determinação da vontade. O que justifica a curatela nessas situações é a dificuldade de locomoção para o exercício da administração do patrimônio dentro da normalidade. Consiste em curatela especial, justamente pelo fato de que todos os atos realizados pelo curador poderiam ser perfeitamente executados pelo curatelado.
O texto do art. 1769 expõe claramente os casos em que é possível a promoção do processo de interdição pelo Ministério Público, portanto cabe apenas esclarecer que nos demais casos, o MP atua como custus legis, fiscalizando a atuação das partes, bem como a aplicação da lei.
No que diz respeito à legitimidade para o exercício da curatela, o CC/ 02 dispõe em seu art. 1775 e incisos que os cônjuges e companheiros são, por direito, curadores do outro diante da necessidade. Determina ainda que na ausência desses, o descendente mais apto deverá assumir a curadoria. Fica evidente uma ordem de sucessão, ou no mínimo de preferência, na qual o cônjuge precede o filho, isso se justifica diante da razoabilidade e da proteção do curatelado.

Por fim, sobre a suspensão e encerramento o instituto da curatela tem-se que o primeiro ocorre diante da dilapidação do patrimônio do curatelado pelo curador, fato que enseja a substituição e ressarcimento a serem determinados pelo Juiz. Já no que tange a cessação da curatela, deve-se ter em mente o princípio da temporalidade que determina o fim sujeição à curatela quando o motivo que a deu causa também finda, ou seja, como visto anteriormente, a curatela só perdura enquanto houver necessidade de interdição.

O levantamento da interdição pode ser pleiteado tanto pelo próprio interditado quanto pelo Ministério Público no Juízo que a declarou, devendo ser respeitado o que dispõe o Código de Processo Civil, além da averbação no Registro Civil após o trânsito em julgado da sentença que encerra a curatela.

3.A CURATELA APÓS O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA


A lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 2015), também nomeada de Estatuto da Pessoa com Deficiência, foi publicada em julho de 2015 e entrou em vigor em janeiro de 2016, trazendo importantes inovações para os institutos da capacidade civil e da curatela disciplinados pelo Código Civil de 2002. Tal estatuto ressignificou os dispositivos legais já ultrapassados, de modo a tornar cada vez mais alinhados ao verdadeiro sentido de capacidade civil reconhecido pela Convenção de Nova York que tratou dos direitos das pessoas com deficiência.

Como abordado anteriormente, este trabalho tem por objeto a análise das modificações trazidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, principalmente no que diz respeito ao instituto da curatela, apresentando sempre que possível, a comparação de que como era tratado o instituto antes e depois da publicação do referido dispositivo legal.

A curatela, como vimos, constitui medida de amparo e proteção àqueles que não podem, por si mesmos, reger sua pessoa e administrar seus bens, sendo aplicada aos maiores de idade, com exceção do nascituro. De acordo com a redação do art. 1767, CC, estavam sujeitos à curatela: aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil; aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade; os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; os excepcionais sem completo desenvolvimento mental; e os pródigos. Percebe-se, desse modo, que estavam insertas nas hipóteses cabíveis de curatela, tanto casos de incapacidade absoluta, que seriam aqueles absolutamente incapazes de exercer pessoalmente atos da vida civil, e que por isso, necessitavam de representação, quanto casos de incapacidade relativa, que seriam os casos de incapacidade relativamente a certos atos ou à maneira de exercê-los, e que por isso reclamavam por assistência para a prática daqueles.

O instituto da capacidade, entretanto, sofreu grande ressignificação com a vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência, ao passo que este deu nova redação ao disposto no Código Civil sobre o tema. De acordo com as modificações trazidas, são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 (dezesseis) anos, e relativamente incapazes a certos atos, os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; os ébrios habituais e os viciados em tóxico; aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; e os pródigos. Percebe-se com isso que as causas de incapacidade absoluta foram reduzidas ao requisito da idade, sendo revogadas as outras hipóteses, e garantindo àqueles que não mais se enquadram naquelas, a plenitude da capacidade para os atos da vida civil. Nesse sentido, Maurício Requião entende que:
“Assim, o fato de um sujeito possuir transtorno mental de qualquer natureza, não faz com que ele, automaticamente, se insira no rol dos incapazes. É um passo importante na busca pela promoção da igualdade dos sujeitos portadores de transtorno mental, já que se dissocia o transtorno da necessária incapacidade. Mas é também uma grande mudança em todo o sistema das incapacidades, que merece cuidadosa análise.
A mudança apontada não implica, entretanto, que o portador de transtorno mental não possa vir a ter a sua capacidade limitada para a prática de certos atos. Mantém-se a possibilidade de que venha ele a ser submetido ao regime de curatela. O que se afasta, repise-se, é a sua condição de incapaz.(...)” (Requião, Maurício)

Tais mudanças reclamaram, portanto, modificações importantes no instituto da curatela, já que a incapacidade estava intrinsecamente ligada a ela.

O art. 84 do Estatuto estabelece que a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas, e caso se torne necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei. Além disso, é imperioso que a definição da curatela de pessoa com deficiência constitua medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e que dure o menor tempo possível, estando ainda os curadores, obrigados a prestar, anualmente, contas de sua administração ao juiz, apresentando balanço do respectivo ano.

Diante de tais mandamentos e das mudanças no instituto da incapacidade, o art. 1767, CC foi reescrito e passa agora a estabelecer novas hipóteses de sujeição à curatela, são elas: aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; os ébrios habituais e os viciados em tóxico; e os pródigos. Tem-se, portanto, que a curatela se restringe aos casos em que por uma situação contingente, o individuo tem sua capacidade limitada. Ressalvado que, a curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, não alcançando, portanto, o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto. Além disso, ao concedê-la, deve o juiz determinar as razões e motivações de sua decisão, sempre preservando e considerando os interesses do curatelado.

Além da alteração supracitada, outras tantas foram feitas no Código Civil em aspectos caros ao instituto da curatela, e que por isso, serão aqui apresentadas de forma breve, de modo a apreender da melhor maneira os novos rumos da medida a partir do Estatuto da Pessoa com Deficiência.

De acordo com a nova redação do art. 1768, CC, o processo que define os termos da curatela deve ser promovido, além dos legitimados, já previstos anteriormente, pela própria pessoa, afinal, ninguém mais legítimo do que o próprio sujeito que será alvo da medida para requerê-la. Ademais, o Código Civil em seu art. 1.775-A, abre a possibilidade de estabelecimento de curatela compartilhada a mais de uma pessoa para incumbências específicas, devendo-se sempre levar em consideração o melhor interesse da pessoa com deficiência.

Além das inovações apresentadas, merece destaque a tomada de decisão apoiada que “é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade.” Tal novidade apresenta-se como alternativa valiosa à curatela, como destaca Maurício Requião:

“Inseriu-se também no sistema do Código Civil, através do novo artigo 1.783-A, novo modelo alternativo ao da curatela, que é o da tomada de decisão apoiada. (...) É modelo que guarda certa similaridade com a ideia da assistência, mas que com ela não se confunde, já que o sujeito que toma a decisão apoiada não é incapaz.
Privilegia-se, assim, o espaço de escolha do portador de transtorno mental, que pode constituir em torno de si uma rede de sujeitos baseada na confiança que neles tem, para lhe auxiliar nos atos da vida. Justamente o oposto do que podia antes acontecer, em algumas situações de curatela fixadas à revelia e contra os interesses do portador de transtornos mentais.” (REQUIÃO, Maurício)

Por fim, cabe destacar decisão da juíza da 1ª Vara Cível da comarca de Tijucas, em Santa Catarina, que aplicou inovações Estatuto da Pessoa com Deficiência para proferir sentença em que nomeou uma mulher para exercer a curatela do marido, acometido por uma doença que o incapacita para determinados atos da vida civil. A magistrada então decretou a incapacidade relativa do marido, nomeou a esposa como curadora, sob a condição de promover o projeto terapêutico individualizado, e fixou prazo de três anos para futura averiguação da condição do curatelado, visando a sua adequação ao estágio de TDA. A esposa terá ainda que prestar contas de sua atuação ao Ministério Público.

Segundo ela, “a nova Lei reage aos anseios daqueles que, embora não tenham a expressão completa da sua vontade, têm direito ao reconhecimento da capacidade civil e da consequente liberdade existencial, inclusive, a liberdade e o direito à escolha da vinculação afetiva, por meio do casamento e do exercício da parentalidade biológica e jurídica”. O Estatuto da Pessoa com Deficiência abre, portanto, espaços para a construção de uma sociedade mais inclusiva e que privilegia um modelo jurídico agora direcionado à plena recuperação da pessoa e reaquisição da capacidade civil.

4 CONCLUSÃO

A entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência alterou significativamente o instituto da curatela no direito brasileiro ao encerrar a generalização da incapacidade, promovida no Código Civil de 2002. Agora deve ser discutida exaustivamente a gradação de discernimento como meio de determinar a incapacidade da pessoa com deficiência para os atos da vida civil.

O Estatuto traz a ideia de que as pessoas portadoras de necessidades especiais podem, na medida do possível, reger a si e ao seu patrimônio. Tanto que uma das principais medidas estabelecidas pela nova legislação é a participação do próprio deficiente na determinação de seus curadores, no que se convencionou chamar de decisão apoiada.

Tem-se, portanto, que a curatela é possível apenas diante de casos em que o individuo tem sua capacidade limitada e recorre a esse instituto para proteger o que lhe pertence, bem como assegurar direitos intrínsecos à pessoa humana, tais como a dignidade e a igualdade. Diante disso cumpre destacar que, a curatela tocará somente os atos que dizem respeito aos direitos de natureza patrimonial e negocial, sendo defeso ao curador reger aspectos pessoais do curatelado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. vol. V.

REQUIÃO, Maurício. Estatuto da Pessoa com Deficiência altera regime civil das capacidades. Disponível em:< http://www.conjur.com.br/2015-jul-20/estatuto-pessoa-deficiencia-altera-regime-incapacidades>. Acesso em: 26.fev.2016.

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TARTUCE, Flávio. Alterações do Código Civil pela lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Repercussões para o Direito de Família e Confrontações com o Novo CPC. Parte II. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI225871,51045-Alteracoes+do+Codigo+Civil+pela+lei+131462015+Estatuto+da+Pessoa+com>. Acesso em 27. fev. 2016.a


MARTINS, Larissa; E SILVA, Olga Pires . Os impactos do Estatuto da Pessoa com Deficiência para o instituto da curatela. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5222, 18 out. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/54602>. Acesso em: 18 out. 2017.