segunda-feira, 23 de outubro de 2017

“Barriga de Aluguel”: Gestação em útero alheio

Publicado por Direito Familiar

Você já deve ter ouvido falar sobre “barriga de aluguel”, não é mesmo? São aquelas situações nas quais a mulher, por algum motivo médico, não possui condições de gerar o filho em seu útero e a gestação, por conta disso, será exercida por outra pessoa. A gestação em útero alheio também pode acontecer em outros casos, mas os mais comuns são as hipóteses como a mencionada acima.

Em que pese se diga barriga “de aluguel”, vamos ver neste artigo que, no Brasil, o recebimento de valores para gestar é proibido! Tal proibição está entre um dos demais requisitos para que o procedimento aconteça, sobre os quais trataremos em seguida.

Importante dizer, primeiramente, que a gestação em útero alheio não está prevista na legislação civil brasileira, mas é regulamentada por Resolução do Conselho Federal de Medicina 1.

Há duas modalidades: uma é aquela em que a mulher é tida somente como “portadora”, já que apenas cede o útero para a gestação e a outra em que é considerada “mãe de substituição” por oferecer, além do útero, seus óvulos.

O procedimento pode ser indicado quando a mulher possui: idade avançada, pobre resposta ovariana, má qualidade dos óvulos, sucessivas falhas em tentativas de inseminação artificial, endometriose avançada e abortos de repetição com causa desconhecida.

Existem, contudo, exigências para que se possa efetivar a gestação em útero alheio. Os requisitos mais relevantes para que ela aconteça são os seguintes:

a) a mãe gestacional deve pertencer à mesma família dos interessados em realizar a gestação;

b) o empréstimo do útero deverá ter caráter gratuito e

c) a técnica somente poderá ser aplicada nos casos em que a mulher efetivamente não puder ficar grávida por razões médicas 2.

O ideal, portanto, é que a gestação em útero alheio seja realizada somente em casos mais extremos, nos quais se demonstrou efetivamente que a gravidez seria prejudicial à saúde da mulher.

Caso seja realizada a doação de óvulos – além da cessão de útero – ela também não poderá envolver fins lucrativos (similarmente ao que acontece nas situações em que se busca o banco de sêmen, embora não exista, ainda, banco de óvulos no Brasil).

Em relação ao reconhecimento dos filhos, sabe-se que o mais comum seria a presunção de que mãe é aquela que pariu o filho. Porém, nas situações de gestação em útero alheio, há necessidade de se avaliar com mais cuidado:
“Tradicionalmente, ou segundo as leis vigentes, a verdadeira mãe é aquela que dá a luz à criança, ou a que pariu. […] Tal concepção, no entanto, não pode ser acolhida. Nos tempos atuais, não revela um caráter de verdade sólida, diante do fato da fecundação artificial. E nesta forma de procriar a vida, partiu-se para um fundamento da paternidade ou maternidade diferente da tradicional. A paternidade ou maternidade passou a fundar-se em nova explicação: o ato preciso da vontade”3.

Conclui-se, então, que a vontade das partes, nesses casos, externada pela concordância com o procedimento fecundante, seria fator decisivo para se determinar a relação de filiação.

É imprescindível, portanto, a concordância dos envolvidos para a regularidade do ato, a fim de que as partes comprometam-se com a situação, e até mesmo para a proteção da criança que nascerá, evitando-se, com isso, que os envolvidos venham, futuramente, a repelir a filiação instituída.

Assim, “se surgir algum conflito entre a mãe gestante e aqueles que contrataram com ela, o caso deverá ser resolvido em função de suas particularidades e do superior interesse da criança”4, não importando somente a realidade biológica, mas os outros vínculos advindos, primeiramente, do desejo dos pais de terem o filho em sua companhia.

Caso seja, por um equívoco, declarada a maternidade da mãe gestacional no registro da criança, devem ser tomadas as medidas cabíveis no sentido de resguardar os pais que manifestaram a vontade de ser genitores e procuraram a realização do procedimento. Dessa maneira, será resguardado, além do interesse dos genitores, também o direito do filho de ser criado pelos pais que efetivamente o desejaram e esperaram.

Tem-se, assim, que a presunção da maternidade perdeu seu caráter absoluto de outrora. Para a eventual averiguação da filiação, deverão ser analisados outros quesitos além do laço consanguíneo, pois não se estabelece vínculo de filiação com a mãe gestacional ou com eventual doador de sêmen, vez que não houve a intenção de paternidade e maternidade.

O elo de filiação deve ser dimensionado de acordo com os aspectos biológicos, mas também em conformidade com a sua extensão social.

Conforme já se tratou em diversos artigos do canal, a família contemporânea é “orientada pelo princípio da solidariedade em função da afetividade e laços emocionais conjuntos”5 e, por isso, o paradigma que a define atualmente parece ser muito mais afetivo do que meramente biológico.

Sobre a socioafetividade, sugere-se a leitura do seguinte artigo: “’Pai ou mãe é quem cria!’: Descubra como o Direito entende isso” (clique aqui).

Conclui-se, então, que, embora algumas pessoas acreditem que um contrato de gestação em útero alheio não terá efeitos, se ele for elaborado dentro dos parâmetros recomendados, há uma relação jurídica que deverá ser protegida.
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1 Resolução CFM 2.013/2013. VII – Sobre a gestação de substituição (doação temporária de útero). As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética ou em caso de união homoafetiva.
2 Resolução CFM 2.013/2013. VII – Sobre a gestação de substituição (doação temporária de útero). As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética ou em caso de união homoafetiva. 1 – As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família de um dos parceiros num parentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau – mãe; segundo grau – irmã/avó; terceiro grau – tia; quarto grau – prima), em todos os casos respeitada a idade limite de até 50 anos. 2 – A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.
3 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
4 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
5GRISARD FILHO, Waldyr. Famílias Reconstituídas. São Paulo: RT, 2010.
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Artigo publicado originalmente do DIREITO FAMILIAR.

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[Dúvida] Meu noivo desistiu de casar uma semana antes do casamento. E agora? Cabe dano moral?

Publicado por Jusbrasil Perguntas e Respostas

"Namorei durante um ano e decidimos nos casar. Planejei tudo nos mínimos detalhes, os gastos foram altos para que eu tivesse um casamento dos sonhos. Contratei buffet, encaminhei convites e estava com todos os detalhes prontos somente aguardando o tão esperado dia. Porém, faltando uma semana para o casamento, meu noivo simplesmente desistiu de casar alegando que conseguiu uma proposta de trabalho nos EUA e por isso preferia acabar nosso relacionamento. Além do constrangimento por ter anunciado o casamento, fiquei com um enorme prejuízo financeiro. Tenho direito a indenização por dano moral e material?"

Resposta de Julio Cesar Ballerini Silva

"A palavra chave é a geração de justas expectativas - base da aplicação da teoria da boa-fé objetiva que rege quaisquer tipos de relação jurídica no direito brasileiro - artigo 422 CC. Inegável como aponta Janson Matos, no comentário abaixo que qualquer pessoa pode desistir do casamento - ninguém casará contra a sua própria vontade. Mas a questão não é essa. A questão que se coloca tem outro viés. Se alguém desiste do casamento em cima da hora, pelo óbvio que, com seu timing inadequado, acaba por causar surpresa indevida (modalidade de tu quoque que é um dos atos próprios, ou atos emulativos ou atos com abuso de direito - tenho artigo sobre o tema aqui no Jusbrasil) e atos com abuso de direito são atos ilícitos (artigo 187 CC) surgindo daí o dever de indenizar (artigos 186 e 927 CC). Não se irá condenar alguém por que desistiu do casamento, mas se está condenando alguém por que escolheu um péssimo momento para mudar de ideia e, com isso, causou surpresa indevida, de modo desleal ocasionando danos à outra pessoa que tinha justas expectativas ao assumir tais gastos que não são pequenos. Portanto, a responsabilidade por danos materiais, ao menos no que tange à metade dos valores, parece inquestionável - quanto aos outros cinquenta por cento - tudo dependerá de saber se a culpa foi exclusiva do outro ou não (artigo 945 CC) pode-se ter, até mesmo que aquele que desistiu tenha culpa levíssima pela questão (artigo 944, par. único CC) pagando indenização menor - tudo dependerá do que for provado no caso no que tange às peculiaridades de fato. Mais ainda. Quanto aos danos morais, a questão não será de danos presumidos (in ré ipsa) mas de danos que devem ser provados, com nexo de causalidade com a conduta de quem desistiu - por exemplo desistiu por que na semana em que arrumou emprego no exterior arrumou também uma namorada (o facebook, costumo dizer em aula, torna o mundo um lugar perigoso para se viver), a noiva abandonada teve que fazer terapia por conta do evento em que a desistência do casamento foi seguida de forte discussão com insultos e mais o medo de ter que pagar todas as dívidas sozinha, a pessoa teve que largar o emprego de tantos comentários que isso gerou, teve que deixar de frequentar a sociedade por conta de comentários, parou de ir em sua Igreja e por aí vai. Há vários caminhos que podem conduzir à possibilidade de indenização por danos morais em casos como este."

https://perguntaserespostas.jusbrasil.com.br/artigos/511729799/duvida-meu-noivo-desistiu-de-casar-uma-semana-antes-do-casamento-e-agora-cabe-dano-moral?utm_campaign=newsletter-daily_20171023_6188&utm_medium=email&utm_source=newsletter