sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

A influência da recente Lei 13.509/2017 no cotidiano da Defensoria Pública

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A comunidade jurídica foi surpreendida com as recentes alterações do Estatuto da Criança e do Adolescente com foco na modificação do procedimento de destituição do poder familiar. Infelizmente, o legislador não é coerente com seu trabalho legislativo e, dois anos após editar um Código de Processo Civil alinhado com a garantia do devido processo legal e do contraditório, caminha na contramão dessa tendência com a simplificação procedimental proposta pelas alterações do ECA.
É verdade que a proteção integral prevista na Carta em prol da criança e adolescente visa assegurar que todos os efeitos nefastos de abusos e sofrimentos impostos a essa parcela vulnerável sejam minorados pelos atores do sistema de Justiça.
No entanto, enquanto vivermos em um país marcado por desigualdades sociais, não nos parece que a garantia do contraditório efetivo mereça ser pisada, principalmente quando a alteração legislativa acarreta impacto significativo apenas em prejuízo da criança e seus genitores, ao argumento da famosa “celeridade processual”.
De início, vale uma breve análise ao novo parágrafo 4º do artigo 158 do ECA quando estatui que: “Na hipótese de os genitores encontrarem-se em local incerto ou não sabido, serão citados por edital no prazo de 10 (dez) dias, em publicação única, dispensado o envio de ofícios para a localização”.
Uma das principais teses utilizadas pela curadoria especial na defesa do réu revel citado por edital era justamente a nulidade da citação em razão do não esgotamento dos meios de localização (a famosa expedição de ofícios de praxe). De acordo com a nova regra, está o juiz dispensado de fazer diligências nesse sentido, fragilizando ainda mais o contraditório e o devido processo legal.
É fato que o público-alvo de ações dessa natureza compreende as famílias menos abastadas da sociedade, que, por falta de assistência e amparo social, não são capazes de propiciar melhores condições de vida às crianças e adolescentes. Desde a falta de vagas em escolas, atendimento médico deficitário e ausência de projetos de inserção social, diversos são os obstáculos impostos a essas famílias.
E, lamentavelmente, se percebe que o sistema de Justiça para esse grupo é implacável e nem sempre procura compreender a essência do problema familiar. Basta um passeio nas varas de Infância para se perceber a existência de personagens carregados de pré-julgamentos baseados em comparações pessoais, que optam pelo caminho mais fácil e menos tortuoso para si próprios, a separação dos pais e da criança, com sua consequente inserção em família substituta.
Notem que a regra do ECA contrasta com o parágrafo 3º do artigo 256 do novo CPC, que exige do juiz esgotar todas as tentativas de localização do réu, inclusive mediante requisição de informações nos cadastros de órgãos públicos e concessionárias de serviços públicos.
Acredito, inclusive, que a modificação legislativa vai de encontro ao artigo 7º do novo CPC quando determina que: "É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório".
Custo a crer que a expedição de ofícios de informação, especialmente na era digital onde as informações são trocadas em tempo veloz, possa, de algum modo, prejudicar o andamento da relação processual[1].
Por mais que o artigo 227 da CRFB assegure a proteção integral da criança/adolescente, a família também merece a proteção do Estado (artigo 226), de modo que o dispositivo que facilita, desnecessariamente, a não participação dos genitores na relação processual contrasta com o dispositivo constitucional.
O que causa a morosidade do processo não é a expedição dos ofícios de praxe, mas os chamados tempos mortos do processo (fases internas de processamento cartorário, demora na apreciação judicial). Querer modificar o regime de citação por edital para acelerar a prestação jurisdicional é igualar-se ao marido traído que se livra do sofá de casa em vez de fazer uma autoavaliação de sua relação conjugal.
Outro ponto controverso da nova lei é o parágrafo 4º do artigo 162 do ECA. O dispositivo afirma que: "Quando o procedimento de destituição de poder familiar for iniciado pelo Ministério Público, não haverá necessidade de nomeação de curador especial em favor da criança ou adolescente".
Essa, talvez, foi uma das grandes lutas institucionais travadas entre o Ministério Público e a Defensoria Pública, considerando que, se o MP ajuíza a ação de destituição, ele é parte e, obviamente, está deduzindo pretensão que pode contrastar com os interesses da criança/adolescente[2].
Desde outrora já se argumentava que a criança/adolescente não era parte nessa relação processual, o que afastava a intervenção da curadoria especial. Defendia também o Ministério Público que ele estava agindo no interesse da criança, o que também tornava despicienda a atuação da curadoria. Houve julgados do STJ nesse sentido e o Enunciado 22 da Súmula do TJ-RS.
Sempre acreditei que a ação de destituição é uma demanda complexa e, por envolver a relação familiar, constituía um litígio que atingia os genitores e a criança. Ora, se a demanda tem o condão de afastar o convívio dos pais com seus filhos, óbvio que a esfera particular da criança será atingida, razão pela qual haveria o interesse da sua participação na demanda.
Por mais que possa haver uma opinião ministerial no sentido de orientar a destituição do poder familiar em razão do tratamento conferido pelos pais à criança, inegável que, se a demanda interfere na esfera dos genitores e do infante, há necessidade de um curador especial para defender o seu melhor interesse, posto que a destituição proposta pelo MP pode não ser a melhor solução.
Haverá assim um desenho processual em que o Ministério Público autor litiga contra os genitores, postulando a sua destituição do poder familiar, e a figura da criança/adolescente, representada pela curadoria especial, que avaliará se a demanda ajuizada pelo órgão ministerial pode ser acolhida ou deve ser rejeitada, caso em que tutelará pela reinserção familiar, com a consequente improcedência do pedido.
Não é possível tratar a criança/adolescente como mero objeto do processo, mas, sim, como verdadeiro sujeito de direitos que possui interesses a serem levados em consideração. Tanto que, a nível jurisprudencial, a atuação da Defensoria Pública, na qualidade de curador especial, foi validada pelo Enunciado 235 da Súmula do TJ-RJ e alguns julgados do STJ - AREsp 298.526-RJ (aqui o tema não era pacífico).
Infelizmente, nosso legislador, atendendo interesses duvidosos, não optou pela participação democrática da curadoria especial. No entanto, pelo perfil constitucional da Defensoria Pública, de ser expressão e instrumento do regime democrático (dar voz e representação ao vulnerável) e de proteção dos direitos humanos, pode a Defensoria Pública se insurgir contra o referido dispositivo, embasando sua atuação nos artigos 8º e 9º da Convenção sobre os Direitos da Criança.


[1] Na exposição de motivos do projeto que deu ensejo à lei, afirma-se: “Ademais, são propostas mudanças relativas à citação em feitos de destituição do poder familiar que podem trazer ganhos em relação à celeridade e à efetividade processual”.
[2] A exposição de motivos do projeto de lei demonstra como o Parlamento brasileiro desconhece as regras básicas de Direito Processual Civil, especialmente o conceito de partes, quando em relatório afirma-se que: “Se o procedimento de destituição de poder familiar for iniciado pelo Ministério Público, não haverá necessidade de nomeação de curador especial, já que nesses casos o Ministério Público não é parte e atua obrigatoriamente na defesa dos direitos e interesses de que cuida o ECA”. (http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=E1C0918DC9894A07BE39EC5AA1FBDB9A.proposicoesWebExterno1?codteor=1594502&filename=Tramitacao-PL+5850/2016).
Franklyn Roger Alves Silva é defensor público do estado do Rio de Janeiro, mestre e doutorando em Direito Processual pela Uerj e coautor do livro "Princípios Institucionais da Defensoria Pública".
Revista Consultor Jurídico, 28 de novembro de 2017, 8h00
https://www.conjur.com.br/2017-nov-28/tribuna-defensoria-influencia-recente-lei-135092017-cotidiano-defensoria

Cláusula penal e perda de sinal não acumulam caso contrato seja desfeito

É inadmissível acumular a cláusula penal compensatória com a perda de sinal quando o contrato é descumprido, pois só deve prevalecer a última penalidade nesse tipo de situação. Assim entendeu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar recurso movido por uma construtora contra dois compradores de imóveis.
Os compradores pretendiam desfazer o contrato de compra e venda, por considerá-lo muito oneroso, mas a empresa queria reter 25% dos valores pagos a título de cláusula penal, assim como todo o sinal pago (arras). O Tribunal de Justiça do Distrito Federal decretou a rescisão do contrato e assegurou à empresa a retenção de 10% de todos os valores, inclusive o sinal, tudo a título de cláusula penal.
Para a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso no STJ, a cláusula penal compensatória é um valor previamente estipulado pelas partes para indenizar em caso de o contrato não ser cumprido total ou parcialmente. Por outro lado, ela detalhou que as arras são quantia ou bem móvel entregue por um dos contratantes ao outro devido à celebração do contrato, como sinal de garantia do negócio.
Segundo a relatora, as arras têm por finalidades: “firmar a presunção de acordo final, tornando obrigatório o ajuste (caráter confirmatório); servir de princípio de pagamento (se forem do mesmo gênero da obrigação principal); prefixar o montante das perdas e danos devidos pelo descumprimento do contrato ou pelo exercício do direito de arrependimento, se expressamente estipulado pelas partes (caráter indenizatório)”.
Nancy Andrighi disse que a função indenizatória das arras existe não apenas quando há o arrependimento lícito do negócio, mas também se não há execução do contrato. Na hipótese de descumprimento contratual, continuou, as arras funcionam como uma espécie de cláusula penal compensatória, mesmo sendo institutos distintos.
“Evidenciada a natureza indenizatória das arras na hipótese de inexecução do contrato, revela-se inadmissível a sua cumulação com a cláusula penal compensatória, sob pena de violação do princípio non bis in idem”, escreveu a ministra.
Caso arras e cláusula penal compensatória sejam previstas cumulativamente, “deve prevalecer a pena de perda das arras, as quais, por força do disposto no artigo 419 do Código Civil, valem como ‘taxa mínima’ de indenização pela inexecução do contrato”, concluiu Nancy Andrighi. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Clique aqui para ler a decisão.
REsp 1.617.652
Revista Consultor Jurídico, 28 de novembro de 2017, 7h40
https://www.conjur.com.br/2017-nov-28/clausula-penal-perda-sinal-nao-acumulam-contrato-desfeito

Opinião: Nova regra de registro civil facilita adoção

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Nenhuma ciência do direito evolui tanto quanto o Direito de Família. Os dispositivos pertinentes no Código Civil e leis especiais, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por exemplo, denunciam bem isso, normas com número extraordinário de alterações comparativamente com os demais ramos do Direito. Sendo a lei um reflexo do comportamento da sociedade nada mais natural que as mudanças comportamentais se revelem mais intensas nas relações familiares.
Diante de mais uma evolução em matéria de Direito de Família com a publicação do Provimento 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que trata do reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva e as alterações no registro civil de nascimento em casos de Reprodução Humana Assistida, entende-se oportuno comentar. Senão vejamos:
Primeiramente, ressalta-se que a possibilidade de reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva não é novidade. O que é novidade no provimento do CNJ é a regulamentação da matéria por norma federal. Isso porque o assunto já era tratado pelos tribunais estaduais, cada qual com sua peculiaridade. O Estado pioneiro a tratar do assunto foi Pernambuco, por meio do Provimento 9/2013, e outros Estados também regulamentaram a questão por meio de Provimentos: Maranhão (P. 21/2013); Ceará (P. 15/2013); Amazonas (P. 234); Santa Catarina (P. 11/2014); Paraná (264/2016) e Mato Grosso do Sul (149/2017).
Ainda, recentemente, em 26 de setembro, a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) foi alterada pela Lei 13.484/17 surgindo a possibilidade de a naturalidade de cada pessoa corresponder à do município em que nasceu ou ao município em residência da mãe. Portanto, na certidão de nascimento constará além das informações tradicionais a naturalidade da criança. A referida alteração na certidão de nascimento foi agora complementada pela possibilidade de constar, a partir de declaração voluntária, a filiação socioafetiva. Explico a importância disso abaixo.
Tem-se lido que agora é possível a inclusão do nome do padrasto na certidão de nascimento e essa informação revela uma particularidade importantíssima da nova regulamentação: Só é possível o reconhecimento da paternidade socioafetiva extrajudicial se não houver pai registral (biológico ou não) na certidão de nascimento, ou seja, somente o marido ou companheiro da mãe é que pode ser reconhecido como pai socioafetivo, à semelhança do que ocorre com a adoção unilateral (exceção da obrigatória inscrição no cadastro nacional de adoção na hipótese em que o adotante é marido ou companheiro da mãe do adotado), nos termos do artigo 14 do Provimento.
A propósito, o reconhecimento extrajudicial de filiação socioafetivo segue procedimento assemelhado com o processo de adoção, especialmente em relação ao consentimento obrigatório do filho maior de 12 anos em derradeira exceção da capacidade civil disposta no Código Civil, 5º (18 anos) e ao consentimento do(a) genitor(a) registral. Em sentido diametralmente oposto, contudo, na adoção pressupõe que adotado e adotante não se conhecem, já na filiação socioafetiva há o vínculo de afeto estabelecido pelo convívio no tempo.
A importância do reconhecimento da filiação socioafetiva para a família e, em especial, para a criança é de uma clareza solar. O liame jurídico mais relevante na relação existente entre os genitores e a prole é o denominado "poder familiar", este um complexo de obrigações e direitos que recai sobre os pais.
O que estabelece a existência do poder familiar é o vínculo de filiação. Existem três formas de vínculo de filiação, i) filiação biológica, aquela advinda da procriação natural; ii) filiação civil, oriunda do processo de adoção e iii) filiação socioafetiva, que decorrente de uma relação paterno-filial factual, posse do estado de filho.
O vínculo de filiação é fundamental para a coesão de direitos e obrigações, primeiro estabelece a relação de poder familiar com as naturais consequências, inclusive a de assistência material e psicológica (relação para garantir direitos aos alimentos e eventual indenização por abandono afetivo, por exemplo) e os direitos sucessórios (o filho biológico, adotado ou socioafetivo passam a ser herdeiros necessários)
Ainda, importante ressaltar que não existe distinção entre filhos (biológicos, adotados, socioafetivos, frutos de um casamento, de uma união estável ou de um relacionamento extraconjugal), filhos são filhos sem distinção e com os mesmos direitos.
Na adoção, processo solene e que termina com uma decisão judicial que destitui o poder familiar com os pais biológicos e institui o poder familiar com os pais adotantes, apaga-se completamente uma relação familiar anterior e nasce uma nova, irretratável e irrevogável. Já no reconhecimento da filiação socioafetiva não é possível o fim de uma relação paterno-filial anterior e o nascimento de uma nova com o pai ou mãe socioafetiva, isso porque a destituição do poder familiar somente poderá ser obtida com decisão judicial.
Por isso o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva só poderá incluir na certidão de nascimento a nova filiação, sem, contudo, destituir a filiação anterior, ou seja, somente possível o reconhecimento unilateral, por aquele que é padrasto da criança e com ela já estabeleceu vínculo de afeto e desde que o pais biológico não tenha registrado. Em tese, também poderia ocorrer o registro pela madrasta, contudo, raros os casos de criança que não tenha mãe registral.
Não obstante, sob outro aspecto é possível afirmar a importância da mudança diante de prática que ocorre com bastante frequência, a chamada adoção à brasileira. Uma mulher que engravida de forma acidental e sem que aja o reconhecimento do pai biológico. Esta mãe inicia um relacionamento com um homem que acaba reconhecendo a criança como se filha fosse, por ato de nobreza, com o propósito de garantir que esta criança tenha um pai.
Nos termos do artigo 242, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a prática é considerada crime, com pena de reclusão de dois a seis anos, contudo, nos termos do parágrafo único, o juiz poderá deixar de aplicar a pena por motivo de reconhecida nobreza.
“Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:
Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena”.

Com efeito, reside neste aspecto a importância do reconhecimento da filiação socioafetiva como alternativa a prática da adoção à brasileira, garantindo o registro de um pai na certidão de nascimento da criança.
Danilo Montemurro é advogado especializado em Direito de Família e Sucessões, Mestre em Direito, pós-graduado em Direito Processual Civil, professor de Direito Civil da Faculdade Autônoma de Direito e autor do blog "Direito de Família para as famílias".
Revista Consultor Jurídico, 29 de novembro de 2017, 7h33
https://www.conjur.com.br/2017-nov-29/danilo-montemurro-regra-registro-civil-facilita-adocao

Da impossibilidade de o locador reaver o imóvel locado mediante denúncia vazia em caso de sucessivas prorrogações que contabilizem o prazo de 30 meses

Publicado por Marcelle Mariá

A Lei de Locações (Lei nº 8.245/1991) prevê, em seu art. 46[1], que as locações firmadas mediante contrato escrito com prazo determinado “igual ou superior a 30 meses”, implicarão em resolução imediata do contrato ao final do prazo estipulado, sem necessidade de qualquer notificação ou aviso.

Por sua vez, findo o prazo e continuando o locatário a exercer a posse do imóvel sem qualquer oposição do locador, o contrato de locação passará a viger por prazo indeterminado, situação em que será possível ao locador rescindi-lo mediante notificação imotivada e respeitando-se o aviso-prévio de 30 dias.

Neste ponto, importante destacar que a Lei de Locações define e conceitua que a possibilidade de o locador reaver o imóvel locado mediante notificação imotivada é a denúncia vazia. De outro modo, nas situações em que a lei expressamente exige uma motivação a denúncia será cheia.

Assim, a controvérsia levada ao Superior Tribunal de Justiça referiu-se justamente ao termo “igual ou superior a 30 meses” contido no mencionado art. 46, pois, analisando a situação posta e interpretando a legislação ficou consignado que:
Não é cabível a denúncia vazia quando o prazo de 30 (trinta) meses, exigido pelo art. 46 da Lei n. 8.245/1991, é atingido com as sucessivas prorrogações do contrato de locação de imóvel residencial urbano(Informativo 615).

Isto é, para que determinada situação se amolde ao disposto no art. 46 é necessário que os 30 meses sejam relativos ao contrato originalmente firmado com este prazo, não sendo possível computar o prazo através de prorrogações contratuais, portanto, não podendo o contrato, neste último caso, ser rescindido mediante denúncia vazia do locador.

Desse modo, nas situações em que o contrato não seja originalmente pactuado com o prazo determinado igual ou superior a 30 meses, o locador, em regra, não poderá reaver o imóvel[2], ainda que já esteja ele vigendo por prazo indeterminado, a não ser nos casos expressamente permitidos em lei, ou seja, mediante denúncia cheia.

Tal estudo tem extrema relevância, pois, o rol de situações permitidas como motivação da denúncia cheia é taxativo e limitado, sendo elas:
· Situações elencadas pelo art. 9º da Lei de Locações[3];
· Pela extinção do contrato de trabalho, quando para esse fim a locação foi firmada;
· Para a realização de obras;
· Para uso próprio, dos ascendentes ou descendentes do locador;
· Para demolição e edificação licenciada ou para a realização de obras aprovadas pelo Poder Público, que aumentem a área construída, em, no mínimo, vinte por cento ou, se o imóvel for destinado a exploração de hotel ou pensão, em cinquenta por cento;
· Quando a locação for “velha”, isto é, tiver mais de 5 anos ininterruptos.

Diante de tanto, fica claro o intuito legislativo de proteger o locatário, no sentido de se estabelecer mecanismos que visam a continuidade da moradia, seja influenciando para que os contratos de locações sejam firmados com o prazo razoável de 30 meses, seja impondo medidas para evitar que o contrato seja arbitrariamente rescindido pelo locador quando ele não houver sido firmado naquele prazo.

Convém lembrar, por fim, que a rescisão do contrato por parte do locatário é mais flexível, estando ele sujeito apenas à necessidade de proceder à prévia notificação ou ao pagamento de multa proporcional ao cumprimento do contrato, conforme for o caso[4].

[1] Art. 46. Nas locações ajustadas por escrito e por prazo igual ou superior a trinta meses, a resolução do contrato ocorrerá findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso.
§ 1º Findo o prazo ajustado, se o locatário continuar na posse do imóvel alugado por mais de trinta dias sem oposição do locador, presumir - se - á prorrogada a locação por prazo indeterminado, mantidas as demais cláusulas e condições do contrato.
§ 2º Ocorrendo a prorrogação, o locador poderá denunciar o contrato a qualquer tempo, concedido o prazo de trinta dias para desocupação.

[2] Art. 4º. Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. Com exceção ao que estipula o § 2º do art. 54-A, o locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.

[3] Art. 9º. A locação também poderá ser desfeita:
I - por mútuo acordo;
II - em decorrência da prática de infração legal ou contratual;
III - em decorrência da falta de pagamento do aluguel e demais encargos;
IV - para a realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder Público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse a consenti - las.

[4] Art. 4º. Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. Com exceção ao que estipula o § 2o do art. 54-A, o locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.

Parágrafo único. O locatário ficará dispensado da multa se a devolução do imóvel decorrer de transferência, pelo seu empregador, privado ou público, para prestar serviços em localidades diversas daquela do início do contrato, e se notificar, por escrito, o locador com prazo de, no mínimo, trinta dias de antecedência.

Art. 6º. O locatário poderá denunciar a locação por prazo indeterminado mediante aviso por escrito ao locador, com antecedência mínima de trinta dias.
Parágrafo único. Na ausência do aviso, o locador poderá exigir quantia correspondente a um mês de aluguel e encargos, vigentes quando da resilição.

https://marcellemaria.jusbrasil.com.br/artigos/531295830/da-impossibilidade-de-o-locador-reaver-o-imovel-locado-mediante-denuncia-vazia-em-caso-de-sucessivas-prorrogacoes-que-contabilizem-o-prazo-de-30-meses?utm_campaign=newsletter-daily_20171215_6429&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Escreveu e não leu, a herança perdeu!

Ameaça virtual de assassinato pode mudar os rumos da sucessão hereditária.

Publicado por Ivone Zeger

Há uns 15 anos, uma cliente muito preocupada com a pensão para seus cinco filhos me trouxe uma foto do ex-marido, todo engravatado, a conversar com possíveis clientes no estande de uma feira de negócios. Com isso, ela queria provar que o ex-marido tinha condições de pagar a pensão e que os seis meses de atraso não se justificavam.

Na época, a moça contou com a ajuda de uma amiga fotógrafa. Na verdade, ela nem precisaria dessa “prova”, pois o direito à pensão alimentícia é assegurado por lei, porém, uma vez que o ex-marido alegava pobreza, anexar a foto aos laudos foi importante. Sim, ele teve de pagar todos os meses atrasados.

Atualmente, dificilmente esse “golpe” para não pagar pensão vingaria. Isso porque qualquer pequena empresa tem um site na Internet; um profissional que quer se situar no mercado também faz seu perfil nas redes sociais especializadas. Assim, quem nega pensão por “falta de recursos” tem de, também, ser uma nulidade no meio virtual ou, pelo menos, não pode “contar vantagem”. Essa é, sem dúvida, uma faceta interessante desses novos tempos.

Por outro lado, fotos e conversas postadas nas redes sociais se transformam em motivos para brigas conjugais e divórcios. Judicialmente, esse farto material proveniente das redes sociais pode não significar muita coisa, pelo menos no que se refere à culpabilidade pelo fim do casamento. Essa discussão pertence ao passado e adultério não é mais crime no Brasil desde 2005, com a lei 11.106/2005.

Mas há os exageros. Se , por exemplo, um pai falar mal dos filhos pelos quais está brigando pela guarda, ou se um dos ex cônjuges, em meio ao processo de divórcio, parecer perturbado ao extremo, utilizando a rede social como ameaça –, aí sim, esse material se torna considerável para abalizar a sentença do juiz.

Em casos mais específicos podem decidir questões de herança. Como? Veja o drama vivido por Sueli, cliente que conheci em meio a um turbilhão. Ela completaria 20 anos de casada não fosse a desconfiança gerada por horas a mais que o marido ficava no computador. Um dia, chamou-o para que acudisse um dos três filhos, que passava mal no quarto. Curiosa, se deteve diante do computador e começou a ler a “correspondência” aberta. Não gostou do que leu: o marido praticamente “namorava” com uma moça, e marcavam um encontro para se conhecerem. Sueli conseguiu copiar vários trechos do bate-papo online, e guardou-os em uma pasta.

Ocorreu que, na mesma semana, Sueli perdeu o pai. E daí seguiu-se a briga da minha cliente para que o marido – ela já havia se resolvido pela separação – não recebesse a herança. Casados segundo o regime da comunhão universal de bens, ele tinha direito a receber seu quinhão hereditário pois, segundo o que prescreve a lei para esse regime de bens, os cônjuges dividirão todo o patrimônio amealhado antes e durante o casamento, inclusive aqueles recebidos através de herança ou doações. Assim, abriu-se o processo de inventário ao mesmo tempo em que teve início o processo de divórcio. Infelizmente, a causa era perdida, e Sueli teria de se conformar com a possibilidade de, pelo menos, a herança trazer algum benefício ao pai de seus filhos e que, de alguma forma, esse benefício fosse revertido também às crianças.

Ocorre que ao ler mais atentamente a tal correspondência, que seu marido trocava com outra mulher, nos deparamos com as seguintes afirmações:

“Podemos nos livrar disso tudo. Meus filhos eu quero comigo, mas minha esposa e meus sogros poderiam muito bem sumir do mapa”.

A “futura” namorada deu corda:

“É mesmo? E de que jeito você sumirá do mapa com eles?”

“Não sei. Mas já deixei de fazer a revisão nos freios do carro...”.

Esse diálogo bastou para que o marido, ou ex-marido, fosse considerado indigno de receber a herança. O carro era usado por Sueli, pelos filhos e sogros. Mesmo o marido alegando que se tratou de “uma brincadeira de mal gosto”, o juiz entendeu o diálogo como um forte indício de doença psíquica, tornando-o indigno pelo perigo que poderia causar à família.

Lembro o caro leitor que a indignidade é uma sansão civil que exclui da sucessão um herdeiro necessário, neste caso o marido de Sueli, privando este herdeiro do direito à herança, caso cometa atos criminosos, ofensivos ou reprováveis contra a vida, a honra e a liberdade do testador e seus familiares.

Não dá para afirmar que Sueli ficou feliz com tudo isso, mas pelo menos, a justiça foi feita!

https://ivonezeger.jusbrasil.com.br/artigos/531557848/escreveu-e-nao-leu-a-heranca-perdeu?utm_campaign=newsletter-daily_20171215_6429&utm_medium=email&utm_source=newsletter