quinta-feira, 1 de março de 2018

A lei 13.509/2017 e a ressurreição da adoção

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Vitor Frederico Kümpel e Beatriz Batista Garcia
lei 13.509/17, em vigor desde o dia 23 de novembro de 2017, veio, tardia mas positivamente, facilitar o instituto da adoção no Brasil, que se encontrava moribundo. O diploma promoveu alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90) e também na Consolidação das Leis do Trabalho (decreto-lei 5.452/43).
A chamada “lei da adoção” (lei 12.010/09) modificou o Estatuto da Criança e do Adolescente, retirando a sua regulamentação do corpo do Código Civil. O detalhamento do procedimento da adoção, então realizado, demonstra inegáveis boas intenções do Poder Legislativo, cujo intuito foi evitar o aumento de “adoções à brasileira” e salvaguardar o melhor interesse do indivíduo em formação.
As modificações supracitadas objetivaram incrementar a proteção atribuída às crianças e aos adolescentes prevista no art. 227 da Constituição Federal, principalmente efetivar o disposto no § 6º: “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
O objetivo maior, conforme já aventado, com a entrada em vigor da lei 12.010/09, foi o de garantir a irreversibilidade na adoção de crianças, adolescentes e jovens, a fim de protegê-los e evitar qualquer arrependimento superveniente por parte dos adotantes, o que geraria maior desgaste, além de ser um fator que inibiria o integral desenvolvimento dos adotados. Ocorre que a referida rigidez no procedimento de adoção acabou contribuindo para a inefetividade do próprio instituto.
Fica evidente a boa-fé do legislador com a análise de dois institutos implementados pela lei 12.010/09, a saber: a implantação de cadastros (art. 50) e a subordinação dos adotantes a um procedimento de habilitação prévio (art. 50, § 3º). Aqui também é bom mencionar que, tanto os cadastros quanto o procedimento prévio, apesar de fortes fatores positivos, possuem também uma carga negativa.
Os principais cadastros implantados são o Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos (CNCA), ambos administrados pelo Conselho Nacional de Justiça. O objetivo dos cadastros é controlar o sistema de adoção e evitar a manipulação na relação adotante/adotado. Ocorre que o perfil das crianças e adolescentes cadastrados no CNA destoa do perfil das crianças pretendidas, inclusive porque há grande demora para as crianças serem cadastradas e poucas famílias aceitam adotar maiores de quatro anos de idade1.
A habilitação prévia (art. 50, § 3º) objetiva, por meio de uma análise detalhada dos postulantes, facilitar o controle e supervisão por parte do Poder Judiciário, por meio da “equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude”. Conforme mencionado, o que deveria implicar menor desgaste para o adotado acaba por dificultar sobremaneira a adoção, por força da impossibilidade de a referida equipe ser ágil o suficiente para evitar o incremento no tempo de espera por parte dos adotantes.
Assim, as mudanças, ao invés de protegerem as crianças, os adolescentes e jovens, burocratizaram de tal maneira o procedimento de adoção que acabaram praticamente inviabilizando o instituto no Brasil. O desestímulo chegou a tal nível, que muitas famílias passaram a buscar a adoção de crianças estrangeiras, ante o menor grau de entraves. Pode-se dizer, com pesar, que, a incessante busca pela perfeição do instituto incorreu no seu crescente desestímulo, fazendo com que muitas famílias desistissem ou passassem a buscar outros meios para a satisfação de seus interesses.
Infelizmente, o país não possui estrutura para aplicar as inovações de 2009. Os cadastros regionais e nacionais e a fixação do período do estágio de convivência são feitos com muita delonga. O processo de habilitação dos adotantes, ou seja, o “período de preparação psicossocial e jurídica”, também demora muito para ocorrer. Não há equipe técnica psicossocial em número suficiente em todo o Brasil. Ademais, em regiões menos desenvolvidas o sistema se torna inoperante.
Diante de tal morosidade, constatou-se, no campo da adoção, um paradoxo que assola muitas leis brasileiras: a falta de efetividade. Pode-se aqui realizar uma analogia com a utilização de uma classificação do campo do Direito Constitucional, cunhada por Karl Loewenstein, que bem descreveria o caso: o nominalismo. De acordo com o autor, o texto constitucional mostra-se nominal quando não reflete a realidade atual do país, por conter preceitos ainda não observados na prática, ou seja, carece de força normativa adequada2. O excesso de zelo almejado acabou causando o desestímulo à adoção, a desistência de adotantes que esperam anos na fila e, portanto, a inefetividade da lei.
Diante de todas as mazelas mencionadas, o advento da lei 13.509/17 pretende resgatar a adoção, readequando o Estatuto da Criança e do Adolescente à realidade brasileira da segunda década do século XXI. O instituto da “adoção à brasileira”, em uma de suas facetas, continua repudiado por meio do disposto no art. 1.638, inciso V, que dispõe: "perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: V – entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção". A norma, em si, não gera um desestímulo, na medida em que aquele que entrega de forma irregular o filho para adoção não dá muito valor ao poder familiar.
No campo da adoção, muitas mudanças foram feitas no Estatuto da Criança e do Adolescente, principalmente no intuito de viabilizar o instituto no tempo. A ideia do legislador foi a de fixar prazos e parâmetros mais enxutos e razoáveis, visando estimular tanto a adoção por brasileiros quanto por estrangeiros.
A criança ou o adolescente só poderá estar sob o acolhimento institucional por até um ano e meio. E caso haja necessidade de prorrogação do prazo, deverá a autoridade judiciária fundamentar a referida situação (art. 19, § 2º, do ECA). A ideia central do sistema é que a criança ou o adolescente esteja com a sua família natural, sendo o programa de acolhimento um primeiro estágio para a aposição em família substituta.
O ECA ataca um ponto nodal ao se preocupar com a criança cuja mãe tem interesse em entregar o filho para adoção em tenra idade. Neste caso, a gestante ou mãe será ouvida por equipe interprofissional, que elaborará relatório e, após deferimento pelo juízo da infância, proceder-se-á busca de família compatível com a adoção.
Os detentores da guarda podem propor a ação de adoção até o prazo de quinze dias do término do estágio de convivência.
A lei 13.509/17, ainda, institui a figura do apadrinhamento. Nada mais é que um vínculo jurídico para desenvolvimento integral da criança ou do adolescente, com instituição, inclusive por pessoa jurídica, para fins de convivência familiar e comunitária. As crianças ou adolescentes sujeitas ao apadrinhamento são todas aquelas suscetíveis de adoção, porém gozam de preferência aquelas com remota possibilidade de reinserção familiar ou colocação em família adotiva.
Portanto, a criança ou adolescente não inserido na família natural poderá estar sob estágio de convivência ou em programa de apadrinhamento, excluídas, obviamente, as situações de guarda, tutela ou efetiva adoção.
Ressalte-se as relevantes mudanças no art. 46 do ECA no que toca ao estágio de convivência. É importante este lapso temporal para aferir se a criança ou o adolescente se adaptará à nova família. O dispositivo originário autorizava ao juiz fixar o estágio de convivência sem, contudo, estabelecer um termo final, que poderia alongar o processo de adoção indefinidamente. A nova disposição confere ao juiz o poder de fixar um prazo bem exíguo até o prazo máximo de 90 dias, a depender do caso concreto. Em remota situação, é possível que o prazo seja estendido a, no máximo, 180 dias, a depender de decisão fundamentada da autoridade judiciária.
Caso o adotante seja residente ou domiciliado fora do Brasil, o estágio de convivência será de, no mínimo, 30 dias, e no máximo de 90 dias, em situação excepcional e por decisão fundamentada, já que o prazo regular é de 45 dias. Tudo para viabilizar a adoção e não onerar sobremaneira o adotante.
Ademais, houve alterações na habilitação à adoção. Conforme o art. 50 do ECA, cada comarca deve manter um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção. Para fazer parte do cadastro de adotantes, o indivíduo deve ser aprovado em um procedimento habilitatório.
Uma das inserções mais salutares diz respeito à possibilidade de o magistrado da infância, diante da inexistência de profissionais aptos a compor a equipe interprofissional, nomear perito fora dos quadros do Poder Judiciário, valendo-se das regras do CPC.
Novos detalhes acerca da habilitação de pretendentes à adoção foram inseridos no procedimento, aos art. 197-C, 197-E, com destaque ao novo art. 197-F, que, visando não prorrogar em excesso o procedimento, fixou o prazo máximo para conclusão da habilitação à adoção em 120 dias, prorrogável por igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária. Essa imposição é positiva, porém resta aguardar o que a prática irá mostrar a respeito da efetividade desse dispositivo.
Convém mencionar que a mera fixação de um prazo final pode não se revelar efetiva sem que haja uma real preocupação com o rápido cumprimento em cada etapa do procedimento. Certamente todos os prazos serão tidos por dilatórios, o que não gerará qualquer mudança nos quadros atuais dos procedimentos de adoção.
Visando agilizar ainda mais os procedimentos do ECA, ante o sem número de reclamos da população em face da extrema morosidade, fixou o art. 152, § 2° do ECA regra distinta da do art. 219 do CPC, determinando que os prazos e os procedimentos da lei 8.069/90 deverão ser todos contados em dias corridos, e não em dias úteis, como os do CPC, excluindo o dia do início e incluindo o do vencimento.
Igualmente, com o intuito de acelerar o procedimento, foi reduzido de trinta para quinze dias o prazo para o Ministério Público ajuizar a ação de destituição do poder familiar, ressalvados os casos em que se entender necessária a realização de estudos complementares ou de outras providências indispensáveis ao ajuizamento da demanda.
O procedimento de colocação em família substituta sofreu consideráveis avanços. Na hipótese de os pais concordarem com a adoção, é possível a adesão expressa à colocação do filho em família substituta por mero requerimento formulado diretamente em cartório, designando o juiz audiência, no prazo máximo de dez dias, sendo esta última extremamente formal.
Na referida audiência, deverá estar presente o Ministério Público, os requerentes, acompanhados de advogado ou defensor, tomando-se por termo a declaração de anuência para fins de colocação do filho em família substituta. O consentimento é retratável até a realização da audiência, sendo possível o arrependimento até o prazo de dez dias da prolação da sentença de extinção do poder familiar.
Por fim, cabe ressaltar as alterações feitas na CLT, cujo objetivo claro é fomentar a adoção. Foi acrescentado o parágrafo único ao art. 391-A e modificados os arts. 392-A e 396 da CLT.
O art. 391-A, caput, da CLT garante a estabilidade provisória da gestante no curso do contrato de trabalho, ainda que durante o prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado. Tal estabilidade ocorre desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto (art. 10, inc. II, do ADCT). A lei 13.509/17 inseriu o parágrafo único que dispõe ser a regra do caput aplicada igualmente “ao empregado adotante ao qual tenha sido concedida guarda provisória para fins de adoção”.
O art. 392-A da CLT, por sua vez, passou a ter a seguinte redação: “à empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança ou adolescente será concedida licença-maternidade nos termos do art. 392 desta Lei”. Anteriormente o dispositivo previa apenas a “adoção de criança”, mas nada estabelecia sobre quem deveria obter a guarda de adolescente, ou seja, indivíduos com 12 a 18 anos incompletos; a lei 13.509/17, assim, corrigiu esta falha.
E no tocante ao art. 396 da CLT, a referida lei inseriu que, durante a jornada de trabalho não só a empregada que conceber um filho, mas também a que adotar, tem direto a dois descansos especiais de meia hora cada um para amamentá-lo.
A despeito de ainda haver muito o que se desburocratizar na adoção, a lei 13.509/17 fixa prazos ao procedimento da adoção, além de ostentar relevantes mudanças que contribuem com o tratamento das crianças e adolescentes como sujeitos de direito, por exemplo o programa de apadrinhamento. Apesar de ligeiras, as determinações são positivas e devem ser pensadas e incentivadas outras novas, tomando-se cuidado para não prejudicar o interesse superior da criança e do adolescente. Em suma, abriu-se o caminho à ressurreição do instituto da adoção, morto pelos entraves legais desde 2009; cabe agora a análise na prática da efetividade da nova lei.
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2. K. LOEWENSTEIN, Teoria de la Constitución, 2a ed,., trad. esp. Alfredo Gallego Anabitarte, Barcelona, Ariel, 1970, pp. 216-222.
Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo e doutor em Direito pela USP.
http://www.migalhas.com.br/Registralhas/98,MI272501,21048-A+lei+135092017+e+a+ressurreicao+da+adocao

Adoção à brasileira: STJ julga três casos mantendo situação de crianças

Processos foram decididos na 3ª turma da Corte.

TERÇA-FEIRA, 27/2/2018

Em uma pauta quase temática, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, a 3ª turma do STJ se deparou na manhã desta terça-feira, 27, com três processos que tratavam de adoção à brasileira.

No primeiro caso que foi julgado (HC 385.507), a genitora entregou voluntariamente a criança ao casal adotante, por não ter condições financeiras, emocionais ou mesmo a intenção de dar amor à filha.

A controvérsia era definir se deveria ser mantida a ordem de acolhimento institucional da criança, hoje com dois anos, que desde o nascimento residiu com o casal que a adotou irregularmente. O ministro Humberto Martins proferiu liminar, no exercício da presidência do Tribunal, para determinar o retorno da pequena ao casal com quem vive desde que nasceu.

A ministra Nancy ponderou que, contanto se possa pactuar com a provável ilegalidade da adoção à brasileira pelo casal, é relevante sopesar se a retirada da menina do lar em que convive há dois anos seria medida que melhor atende seu interesse. E a resposta da relatora, no caso, foi negativa.

A relatora considerou o fato de que os pretensos adotantes se submeteram à inclusão, em 2013, no Cadastro Nacional de Adoção, com todos seus procedimentos e demonstrando condições financeiras e emocionais de exercerem a maternidade e a paternidade.

Para Nancy, a brusca ruptura desses laços formados com a família adotante pode ser potencialmente devastadora para a criança, ainda mais que não há juízo de certeza sobre o futuro da adoção.

Segundo a relatora, a “verdadeira relação de filiação socioafetiva” deve ser reconhecida e amparada juridicamente, ainda que de caráter provisório, de modo que não ocorra nenhuma alteração da guarda até a possível adoção pelo casal em juízo de certeza ou a modificação das circunstâncias de fato. Assim, concedeu o HC confirmando a liminar deferida.

Danos irreparáveis

O próximo caso sobre o tema decidido pela turma teve a peculiaridade da genitora ter contestado a adoção (HC 395.281). Diante da pendência do litígio, a ministra Nancy concluiu não ser recomendável que se promova, no momento, qualquer alteração na guarda do menor.

“Ele não pode ser sucessivamente encaminhado do abrigo para a residência da genitora, da residência da genitora para o casal pretenso adotante e agora novamente retornar ao abrigo”, ponderou S. Exa., destacando os “danos irreparáveis” e a “impossibilidade de construção e consolidação dos laços familiares”.

“Nesse contexto em que a mãe continua lutando não há mais nenhum espaço para súbitas mudanças. Embora não se coloque em dúvida que os impetrantes bem cuidaram da criança, a manutenção do status quo é medida que interessa ao menor.”

Assim, denegou a ordem para manter a criança em instituição do Estado, onde está há mais de um ano.

Conluio

Por fim, no último processo acerca do tema (HC 409.623), outra situação particular: o TJ/SP, ao manter a sentença que determinou o acolhimento, consignou que os requerentes mantinham a guarda da criança “em virtude de espúrio reconhecimento da paternidade pelo consorte da adotante”. Acontece, porém, que ao se inscrever no Cadastro de Adoção, o corréu afirmou que era infértil.

A ministra Nancy destacou que os fatos são graves, com provável fraude no registro de nascimento e conluio dos envolvidos, além do que ainda tramita a ação de destituição do poder familiar, que poderá causar a entrega da criança para adoção. De modo que permanecerá, assim, em acolhimento institucional.

Os três casos foram julgados à unanimidade pela 3ª turma do STJ.

Processos: HC 385.507, HC 395.281 e HC 409.623
http://m.migalhas.com.br/quentes/275246/adocao-a-brasileira-stj-julga-tres-casos-mantendo-situacao-de-criancas

Desemprego e outra família para sustentar não afastam prisão civil para devedor de alimentos

A 3ª turma do STJ decidiu hoje dois casos contra devedores de alimentos.

TERÇA-FEIRA, 27/2/2018

Na sessão desta terça-feira, 27, da 3ª turma do STJ, os ministros decidiram em dois diferentes casos de devedores alimentícios que alegações comuns não afastam a obrigação alimentar.

Em um dos casos (RHC 92.211) o genitor pretendia a suspensão da ordem de prisão por inadimplência afirmando que está desempregado e ainda que tem outra família para sustentar. Para a relatora, ministra Nancy, tais fatos não são consistentes para o afastamento da prisão.

Já em outro processo (HC 401.903) além do desemprego e de prover outra prole, o requerente alegou problemas de saúde, mas também aqui a relatora Nancy concluiu que não foram suficientes os argumentos de modo que manteve a obrigação alimentar.

Em ambos os casos a turma acompanhou a ministra à unanimidade.

Processos: RHC 92.211 e HC 401.903

http://m.migalhas.com.br/quentes/275242/desemprego-e-outra-familia-para-sustentar-nao-afastam-prisao-civil

Conversão de pacto antenupcial em contrato de convivência

Flávio Tartuce

Conversão de pacto antenupcial em contrato de convivência.

QUARTA-FEIRA, 28/2/2018

Problema de induvidoso interesse prático diz respeito à hipótese em que um casal celebra pacto antenupcial, por escritura pública, elegendo determinado regime de bens, e não contrai o casamento posteriormente, passando a viver em união estável. Qual regime regerá essa união entre os conviventes? Aquele escolhido pelas partes no pacto antenupcial ou o regime legal, da comunhão parcial de bens? Imagine-se, a título de ilustração, situação concreta em que é elaborado pelo casal um pacto antenupcial escolhendo o regime da separação convencional de bens, tratado nos arts. 1.687 e 1.688 do Código Civil, não seguido pelo matrimônio.

Sobre tal intrincada questão, sigo a corrente segundo a qual o regime de bens a reger a união estável no caso concreto é o previamente escolhido pelas partes no pacto antenupcial. Vejamos trecho de minha obra sobre Direito de Família, em que chego a tal conclusão:

"Dúvida resta para a hipótese de elaboração de um pacto antenupcial por escritura pública, não seguido pelo casamento. Ora, passando os envolvidos a viver em união estável, é forçoso admitir que o ato celebrado seja aproveitado na sua eficácia como contrato de convivência, como querem Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (Curso…, 2012, v. 6, p. 369). Os autores citam julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul nesse sentido, mencionando o respeito à autonomia privada. Em reforço, serve como alento o princípio da conservação do negócio jurídico, que tem relação direta com a função social do contrato, como consta do Enunciado n. 22 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil"(TARTUCE, Flávio. Direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. 5: Direito de família, p. 166).

O tema tem relação com o art. 1.653 do Código Civil Brasileiro, segundo o qual é nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura pública, e ineficaz se não lhe seguir o casamento. No caso descrito o pacto antenupcial é válido, pois foi feito por escritura pública. De toda sorte, deveria ele ser considerado ineficaz, caso não houvesse qualquer relacionamento entre os envolvidos. Porém, como passaram eles a viver em união estável, deve ser reconhecida a eficácia da sua opção, manifestada por escrito, como contrato de convivência ou contrato de união estável.

Trata-se de posição que prestigia a autonomia privada e, como afirmo na obra citada, o princípio da conservação do negócio jurídico, uma das aplicações da eficácia interna da função social do contrato, retirada dos arts. 421 e 2.035, parágrafo único, da codificação material vigente. O último dispositivo, aliás, reconhece que a função social do contrato é princípio de ordem pública, colocado ao lado da função social da propriedade e, portanto, com substrato constitucional no art. 5º, inc. XXIII, do Texto Maior. Quanto ao citado Enunciado 22, aprovado na I Jornada de Direito Civil, evento promovido pelo Conselho da Justiça Federal no ano de 2002, tem ele a seguinte redação: "a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas". Esclareça-se que o contrato em questão é justamente o pacto antenupcial a ser preservado.

Compartilho, assim, da posição doutrinária de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, para quem "realmente, caso os noivos não venham a contrair casamento, o pacto antenupcial, a toda evidência, será ineficaz. No entanto, não se pode esquecer a possibilidade de ser estabelecida uma união estável entre eles. Nesse caso, se os nubentes não casam, mas passam a conviver em união estável, o pacto antenupcial será admitido como contrato de convivência entre eles, respeitando a autonomia privada. Até mesmo em homenagem ao art. 170 do Código Civil que trata da conversão substancial do negócio jurídico, permitindo o aproveitamento da vontade manifestada" (FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015. v. 6: Famílias, p. 315). Os doutrinadores citam o art. 170 do Código Civil, que trata da conversão substancial do negócio jurídico nulo, estabelecendo que "se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade". Pelo teor do comando, um negócio nulo pode ser convertido em outro, se as partes quiserem tal conversão – de forma expressa ou implícita – e se o negócio nulo tiver os requisitos mínimos de validade desse outro negócio, para o qual será transformado.

Faço apenas uma pequena ressalva, no sentido de que a situação não é propriamente de conversão de um negócio nulo, mas de conversão do negócio ineficaz ou pós-eficacização,conforme premissas desenvolvidas por Pontes de Miranda. Trata-se de hipótese em que determinado negócio jurídico não produz efeitos em um primeiro momento, mas tem a eficácia reconhecida pela situação concreta posterior que, aqui, é a convivência entre os envolvidos.

Como destaco em minha obra, no trecho antes colacionado, existe importante julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul com a mesma conclusão. Vejamos trecho de sua ementa, bem elucidativo: "o pacto antenupcial celebrado entre os litigantes que estabeleceu o regime da separação convencional de bens inclusive para aqueles adquiridos antes do casamento, é válido como ato de manifestação de vontade para estabelecer a separação total relativamente aos bens adquiridos durante a união estável que precedeu o casamento. Precedente" (TJRS, Apelação Cível n. 70016647547, 8ª Câmara de Direito Privado, Comarca de Porto Alegre, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, julgado em 28/09/2006, DJRS 4/10/2006).

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça há acórdão na mesma linha. Trata-se do julgamento prolatado no Recurso Especial n. 1.483.863/SP, pela Quarta Turma, tendo como relatora a Ministra Maria Isabel Gallotti, em 10 de maio de 2016 e publicado em 22 de junho do mesmo ano. Como consta de seu resumo, sobre a pactuação patrimonial existente na união estável, "o contrato pode ser celebrado a qualquer momento da união estável, tendo como único requisito a forma escrita. Assim, o pacto antenupcial prévio ao segundo casamento, adotando o regime da separação total de bens ainda durante a convivência em união estável, possui o efeito imediato de regular os atos a ele posteriores havidos na relação patrimonial entre os conviventes, uma vez que não houve estipulação diversa". A clareza da premissa jurídica adotada é retirada do voto da Ministra Relatora, com destaque especial, diante de sua relevância prática:

"No caso em exame, o pacto antenupcial, a par de estabelecer o regime da separação de bens, dispôs, expressamente, acerca da incomunicabilidade 'dos bens que cada cônjuge possuir ao casar e os que lhe sobrevierem na constância do casamento (...)".

Ao se referir aos bens possuídos por cada cônjuge na data do futuro casamento, o pacto claramente dispôs sobre a não comunicação dos bens adquiridos ao longo da união que sucedeu ao primeiro casamento, este já formalmente encerrado com a respectiva partilha de bens conforme consta do acórdão recorrido (e-STJ fl. 1285).

Assim, ao meu sentir, o pacto antenupcial, estabelecendo a livre vontade dos então conviventes e futuros cônjuges de se relacionarem sob o regime da separação total de bens, embora somente tenha vigorado com a qualidade de pacto antenupcial a partir da data do casamento (7/7/2004), já atendia, desde a data de sua celebração (16/4/2003), ao único requisito legal para disciplinar validamente a relação patrimonial entre os conviventes de forma diversa da comunhão parcial, pois é um contrato escrito, feito sob a forma solene, e mais de segura, da escritura pública.

Dessa forma, a celebração de pacto antenupcial em 16/4/2003, ocasião em que foi adotado o regime de separação de bens ainda durante o período de convivência em união estável, e não tendo havido ressalva alguma acerca do início de sua vigência, faz imperioso concluir pelo acerto do acórdão recorrido ao decidir que o referido pacto possui o efeito imediato de regular os atos a ele posteriores havidos na relação informal entre os conviventes e, portanto, deve reger a união estável a partir dessa data" (STJ, REsp 1.483.863/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 10/05/2016, DJe 22/6/2016).

Como consta do decisum, serve também como fundamento para a tese que se defende o fato de o art. 1.725 do Código Civil, ao tratar do contrato de convivência, não exigir qualquer formalidade específica para a escolha de um regime de bens diverso da comunhão parcial de bens.

Como palavras finais, o que deve prevalecer é a autonomia privada manifestada pelas partes no pacto, conforme antes destacado, prestigiando-se a vontade individual dos envolvidos e a sua autonomia para a prática dos atos civis. Deixa-se de lado, portanto, um exagerado apego a formalismos, com o que o Direito Civil Contemporâneo não pode mais conviver.

http://m.migalhas.com.br/coluna/familia-e-sucessoes/275229/conversao-de-pacto-antenupcial-em-contrato-de-convivencia

STJ afasta prisão de pai que deve pensão para filho maior e empregado

Um filho que já é maior de idade, formado em curso superior e com emprego, não tem urgência em receber pensão alimentícia. Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu Habeas Corpus em favor de um homem preso por não pagar pensão alimentícia.
“É correto afirmar, diante desse contexto, que a dívida do paciente, embora inegavelmente existente, não mais se reveste das características de atualidade e urgência que justificariam, em tese, o emprego da medida coativa extrema”, disse a ministra Nancy Andrighi, relatora do pedido.
A ministra destacou também que a dívida aumentou muito desde que o pedido de pensão foi julgado procedente, em 1998, e considerou plausível que o débito de mais de R$ 250 mil, acumulado por quase 20 anos, não será facilmente quitado pelo devedor.
Nancy Andrighi, no entanto, ressaltou que a concessão de liberdade não impede a cobrança pelos meios ordinários. Segundo ela, a manutenção do decreto prisional serviria apenas como punição pela reiterada desídia do pai, o que não é a função da medida.
“Pode-se prever que a prisão civil do genitor, ainda que decretada pelo prazo máximo previsto em lei, não será útil e eficaz para seu fim precípuo, qual seja, compelir o devedor a cumprir integralmente a obrigação de origem alimentar”, completou, em voto seguido por unanimidade.
Outras medidas
Segundo o processo, o homem não contestou a investigação de paternidade nem compareceu ao local designado para exame de DNA. Após a ação ter sido julgada procedente, com fixação de alimentos, ele descumpriu a obrigação alimentar com o filho ao longo dos anos. Apenas depositava a pensão, em parte, quando estava na iminência de ser preso. A ordem de prisão foi expedida há mais de 12 anos, em 2005.
No STJ, ao votar pela concessão da ordem, Nancy Andrighi ressaltou que a decisão somente veda o uso da prisão civil, “de modo que poderá o juízo de primeiro grau empregar quaisquer medidas típicas e atípicas de coerção ou de sub-rogação, como autoriza, inclusive, o artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil de 2015”. O acórdão e o número do processo não foram divulgados. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ. 
Revista Consultor Jurídico, 22 de fevereiro de 2018, 7h16
https://www.conjur.com.br/2018-fev-22/stj-afasta-prisao-pai-dever-pensao-filho-maior-empregado

Lei passa a ter prazo para crianças abrigadas entrarem em cadastro de adoção

O Congresso Nacional derrubou nesta terça-feira (20/2), por unanimidade, os vetos presidenciais a dispositivos da nova Lei de Adoção (Lei 13.509/2017). A norma foi sancionada em novembro, mas o presidente Michel Temer (MDB) havia barrado quatro trechos do projeto original.
Os parlamentares, porém, se articularam para reativar todos esses dispositivos: agora, recém-nascidos e crianças levados para abrigos deverão ser incluídos no Cadastro Nacional de Adoção quando não forem procurados pela família no prazo de 30 dias, a partir da data do acolhimento.
Enquanto Temer considerava o período “exíguo” e “incompatível” com a sistemática do Estatuto da Criança e do Adolescente sobre a busca da família extensa, o senador Armando Monteiro (PTB-PE) — relator do assunto na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) — disse que a determinação de prazo vai ser favorável para acelerar a adoção.
Com outro veto derrubado, também passou a ser permitido o apadrinhamento de crianças e adolescentes por adultos não inscritos no cadastro de adoção. Além disso, toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional deverá ter a situação reavaliada em até três meses.
Passa a valer também nova regra para audiências judiciais:
Na hipótese de não comparecerem à audiência nem o genitor nem representante da família extensa para confirmar a intenção de exercer o poder familiar ou a guarda, a autoridade judiciária suspenderá o poder familiar da mãe, e a criança será colocada sob a guarda provisória de quem esteja habilitado a adotá-la”
Para Temer, esse trecho apresentava incongruência com outro dispositivo que determina a extinção, e não a suspensão, do poder familiar. Ele avaliou também que o texto omitiu o alcance da medida ao poder familiar do pai. Ainda assim, o Congresso optou por incluir a regra na lei sancionada em novembro.
Segundo o deputado Augusto Coutinho (SD-PE), autor do projeto na Câmara, a derrubada dos vetos é importante porque o presidente havia retirado “pontos cruciais da lei”, cujo objetivo é “agilizar o processo de adoção, mantendo as garantias a todas as partes, mas eliminando a burocracia”. Com informações da Agência Senado.
Revista Consultor Jurídico, 21 de fevereiro de 2018, 19h33
https://www.conjur.com.br/2018-fev-21/lei-passa-prazo-criancas-entrarem-cadastro-adocao